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Contos-->O Retorno (Selecionado Febraban) -- 26/01/2002 - 12:24 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O retorno
A espera estava se prolongando, fazia mais de meia hora que eu estava aguardando a chegada do trem. Não estava surpreso, sempre chegava atrasado.
Enquanto isto, sentado no banco e debruçado na sacola que levava, divagava recordações e possíveis passagens de outros tempos. O banco talvez seja o mesmo em que os “Velhos” sentaram quando foram em lua-de-mel pela fronteira, há mais de cinqüenta anos. Imagino aquele olhar esperançoso de dois jovens com um futuro cheio de vida e realizações. Diante deles uma jornada inteira pela frente, um horizonte vasto a ser preenchido. Um ferroviário e uma dona de casa. Quantos acidentes, enchentes e greves teriam que enfrentar, uma vida cheia de lutas e sacrifícios, mas valeria a pena.
Numa tarde fria de inverno chegaria em casa debaixo de um aguaceiro e comentaria...
- O tempinho!

Jantaria e tomaria um copo de vinho da colônia. Tudo seria simples como a maioria dos homens e mulheres simples deste país. Teria uma horta e um pequeno pomar. Logo chegariam os filhos para preencher os vazios da casa e movimentar aquela tranqüilidade.
Nesse instante cruza em minha frente um senhor empurrando um carro, carregando malas, faces e olhos cansados, meio curvado, pois o peso dos anos já tentam abatê-lo. Será o mesmo carregador de bagagens que carregou as malas dos “ Velhos”? Quantas estórias teria para contar! E se vai, quieto em seu ofício, silencioso no andejar.

Tão absorto em meus pensamentos que não percebo a chegada de um homem que senta no mesmo banco onde estou, quando me dou por conta ele já estava ali, sentado, quieto e fumando um palheiro. Está usando um chinelo havaiana, uma calça de brim, uma camisa xadrez e um boné surrado da empresa em que trabalha. As suas feições, a exemplo do guarda-malas, também são de peleias com anos, mas os olhos não, transmitem alegria, esperança e um fundo de saudade. É alguém que, após muitos anos, voltará para ver sua mãe que aniversaria domingo, esta é a ansiedade em seus olhos. Só o sentimento pelas gurias e a esposa que não puderam vir, pois os pilas estão cada vez mais escassos.
O chefe da estação badalou o sino, é o trem que se aproxima, não é mais a Maria-Fumaça de outros tempos, mas a emoção da chegada e da partida é a mesma, apenas renovadas, mesmo porque as estações e paradas, coxilhas e canhadas são eternas em suas esperas. Embarcamos. Um vai a Cachoeira do Sul, visitar a mãe, eu rever o povoado que me viu nascer, rever a minha avó e encontrar na praça, na rua sem calçamento, no leito do rio ou no majestoso abacateiro, a infância perdida no asfalto e nos apartamentos da vida na cidade.
O sino toca e o trem parte. Lá vamos nós em busca do passado perdido que certamente não encontraremos, pois somos todos viajantes, mesmo aqueles que ficaram como minha avó, que viaja há mais de oitenta anos, da casa para a venda, da venda para o açougue, naquele vilarejo que há muito tempo foi um pólo ferroviário deste estado e sempre nos recebe com os olhos encharcados de emoção. E eu com a certeza de que no almoço será servido macarronada e bolinhos de carne, com o molho tirado das receitas caseiras dos avós.
Os postes, campos, estações, vilas e povoados ficavam para trás, como querendo fugir do tempo e dos caminhos que andam para frente. O trem chacoalha, como sempre, até que a gente se acostuma, acaba virando diversão de guri ou um embalo para uma boa soneca.

Sentei-me no banco ao lado da janela e pelo visto iria viajar sozinho, pois tinha algum tempo de viagem e ninguém chegou para ocupá-lo, embora toda a movimentação de pessoas no vagão. E foi bom, devido à sonolência em que me encontrava, por conta de uma cerveja tomada no bar da estação, acabei adormecendo com a cabeça voltada para o corredor e apoiada na maleta. Dormiria boa parte da viagem, não fosse a insensibilidade do gorducho chefe de trem acordar-me com dois cutucões. - Moço, a passagem.

Antes do trem parar, saltei. Desde guri sempre foi assim, era o máximo tal façanha. Dessa vez não pela façanha e sim pela ansiedade de desembarcar logo. O trem andou mais alguns metros e parou. Ninguém desceu, ninguém subiu. Ali existia, antigamente, o depósito da Viação Férrea e o Socorro para casos de acidentes ou simplesmente descarrilamentos. Hoje, apenas ruínas, decadência e saudade nos gestos lentos e trêmulos do velho chefe da estação, o Seu Álvaro. Já havia caminhado meia quadra quando ouvi o badalo do sino liberando o trem para nova partida.
Subo calmamente a rua que cruza em frente a praça e a Igreja Santa Terezinha, quase um quilômetro de um pequeno aclive com poeira e pedriscos. Um prefeito tinha prometido calçamento para este logradouro, faz algum tempo, muito tempo. Parece que o tal prefeito já é nome de rua e o calçamento, de certo, será promessa de outro futuro nome de avenida.
Como todo e qualquer vilarejo nascido à beira de uma estrada de ferro e de um rio, há uma praça em frente a igreja, uma pracinha de brinquedos, um campo de futebol de várzea, um colégio municipal cujas professoras são normalistas e crianças brincando. No centro da praça, um busto de um barão que certa vez cruzou por ali rumo à fronteira, e que devido ao forte aguaceiro não pôde seguir viagem tendo que pousar na casa do intendente.
Cruzei com alguns transeuntes sem conhecê-los, tinha a impressão que me conheciam. Não me abordavam apenas um cumprimento de cabeça, um tapinha na aba do chapéu ou um simplesmente... - Buenas!

Sentei-me em um banco da praça embaixo de um cinamomo, lembrei de um verso do Cazuza que diz “O tempo não pára”. Será que não pára? Não sei, mas aqui neste povoado anda vagaroso, com um pouco de preguiça. Pois, por mais ligeiro que se ande, anda-se sempre devagar, tudo é feito com calma. E o tempo vai lentamente, nos causos dos bolichos, nos fuxicos de vizinhas, nas artes dos moleques, nos bate-bates das lavadeiras... lentamente.
De longe observo a Vó estendendo a roupa no varal em meio aos pés de laranjeiras e o meu tio chimarreando à sombra do abacateiro. E vou, ansioso por uma tarde preguiçosa na rede que foi do avô maragato, uma pescaria no açude dos Moreira, um chá de erva cidreira após a janta e uma prosa de fim de noite ao lado do fogão à lenha.


O nascimento de Portus Em contos.

O livro em cima da mesa Em contos.
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