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Poesias-->O RUMO DAS SETAS -- 08/03/2002 - 12:49 (Ricardo França de Gusmão) |
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O RUMO DAS SETAS
(Ricardo França)
Obedeço as setas.
Sigo-as como um troglodita
pela bainha das estradas.
Entro no espelho
colido no aço
retorno sem imagem e destruído
do que eu era.
Será que era ?
O silêncio responde que não
e conheço-me menos.
Vou pelas arestas, intenção que conspira,
buscar oxigênio para manter a pira
que em mim respira
e arde.
Tenho na existência um gueto
de sobreviventes que me fazem parte.
Homens sombrios - seus filhos -
suas várias metades.
Tenho na aparência um medo
sempre à sombra das minhas coragens.
Um vento frio, um vazio
em minhas tantas cidades.
Tenho em transparência uma alma
revestida de luminosidade.
Nela um oceano
de calma
transporta as minhas tempestades.
Uma seta em mim vai como um cão que late,
avança sangüínea em meu campo vate.
Atinge mesmo no breu
um daqueles que sou eu.
Letras coagularam sobre a dor do poema
que pena que deu.
Tudo o que sou está no troféu da estante
e o troféu da estante
oxida palavras que desmancham desse apogeu.
O que escrevi, nem eu li, ninguém leu.
Vesti do esquecimento sua pele silêncio
e do meu lado um frio insiste - psicológico.
A perfeição, à distância, me deu um simbólico tapinha nas costas.
Dói minhas costas.
Anestésico seria a inexistência,
algo estarrecedor que me subtraísse.
Eu: 70% de água mais cálcio e sais minerais viventes.
Que a morte desmanchará
- em esplendor de átomos -
pela superfície desse planeta quente.
Nunca me pertenci
enquanto inquilino dessa casca respirante,
mesmo assim nunca abracei dogmas
ou doutrinas,
nunca tomei a fé como aspirina
e nem a fiz de pilastra contra os meus medos.
Não me rendo àquilo que me foge
mas sou passageiro de um sonho que dói.
Porque dos sentimentos
- e desses todos valeram a pena -
sinto que está a minha carne mais sensível.
Eletricidade correnteza pelas vias vermelhas das minhas
veias força imensa em partícula centelha de qualquer
coisa incrível !
Ser novamente energia
submergida
expressão sem rosto
emoção fora do corpo
esboço
liberdade em forma simples
vôo sem pássaro no último limite do incorpóreo.
Nascer das enzimas,
das emoglobinas,
dos glóbulos,
desaprender a respiração
e nunca mais exercer o processo
orgânico-maquinal da vida.
A liberdade plena longe do açoite dos emblemas:
- A vida acontece com a explosão da vida !
Vai a flecha inter-estelar
livre de estar
nascendo
das inquisições traiçoeiras
a vivenciar o mundo
em círculos
rompendo universos
sob a roupagem de um inseto
passar desapercebido
do bandido e da sintomática
enfática do caos
em profusão e alegorias,
homens loucos de loucas alegrias,
virgens prostitutas
e grávidas Aves Marias.
Em meio a cegueira da publicidade
e das manchetes em notícia
percebo que a vingança maior está por vir.
E vem após a gestação do medo
desmascarado e ridículo.
Vem desarmada para confidenciar
que os monstros habitantes das pessoas
- suas psicopatias -
não nasceram ontem à noite
porque já existiam.
É o escárnio.
Uma flecha vampira aniquila o meu inimigo
e eu me apodero de seus pertences,
de seu emprego e de sua mulher.
Até seu cão, antes seu melhor amigo,
abandona seu corpo no escritório.
A realidade cega como a luz de um crematório
onde o morto sou eu, sem família e sem espólio.
Hoje não sou pior nem melhor do que o mundo,
mas alguém que atingiu um objetivo
e vive abjeto, incurável, profissional.
Contaminado por ter compreendido, afinal de contas,
os motivos do bandido e do herói.
E das setas que cortam as nossas vidas.
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