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Contos-->Valeu Guerreiro -- 29/01/2002 - 21:07 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Valeu Guerreiro

Em frente ao cinema, numa morna sexta-feira treze de agosto, observo os cartazes dos filmes programados para o final de semana. Após alguns instantes de hesitação concluo que o meu destino é a cama. Quem sabe o som do Pink Floyd, um cálice de vinho e uma longa noite de sono.
Isto mesmo, uma boa música, um tinto macio e uma confortável cama.

Não chego rodar um quarteirão duas moças, uma negra e uma clara colocam-se em frente ao meu carro. Aterrorizadas, desesperadas pedindo por socorro, estavam sendo perseguidas. Freio bruscamente. Ao baixar o vidro para atende-las um revólver aponta para minha cabeça. Ouço uma voz: - Desça e passe para o banco traseiro.
Olho para frente e vejo que as moças sumiram, procuro por elas ligeiramente e as vejo caminhando, tranqüilamente, pelo corredor central da Avenida. Pareciam esbeltas, graciosas, bonitas, ingênuas...
Para quem procurava emoções nas telas dos cinemas, a “aventura” estava recém começando. E seriam fortes e inesquecíveis emoções na madrugada metropolitana.
Neste meio tempo já estou no banco traseiro do automóvel. Três brutamontes me acompanham dentro do carro. Todos morenos. Um revólver engatilhado aponta para mim, o carona também esta armado. O motorista colocou o seu “três oitão” entre os dois bancos. Saímos em alta velocidade, eu sem saber o meu destino e já imaginando que aquela noite seria muito longa e com um possível final trágico.
Não estava em pânico, ainda não tinha assimilado a gravidade da situação, pois tudo fora muito rápido e inesperado. Dou-me conta que em situações difíceis ou de conflito, consigo manter a calma e controlar-me emocionalmente.

Já havíamos andado vários quilômetros e ninguém conversava. O carro não respeitava sinaleiras e nem limites de velocidade. Resolvi perguntar: - Para aonde estão me levando?
O motorista, totalmente descontrolado respondeu com um berro.
- Fica quieto ou leva chumbo!

O homem que estava à minha direita, que parecia ser o chefe da quadrilha e o mais sensato do grupo, responde.
- Estamos indo para além de Ipanema. Temos um serviço por lá.
- Ipanema é para o outro lado! Nós estamos indo para o morro ...
- Apaga este cara!
- Cala a boca e toca este carro.
Estamos em uma favela, ruas estreitíssimas, mal dava para cruzarmos o veículo. Ruelas íngremes e pessimamente iluminadas. Andamos algumas quadras favela adentro. De repente, paramos. O motorista desligou o motor e apagou os faróis. O carona desceu e foi se encontrar com outros dois, uns vinte metros adiante de nós. Estavam em frente a um casebre cor-de-rosa com janelas verdes. Um cinamono em frente ao chalé camuflava a pequena reunião. Confabulavam e gesticulavam muito. Em poucos minutos surgiu clarão numa dobra de esquina, com luzes piscando em cima do carro.
- É a polícia!
Os dois moradores do casebre somem pela favela e o carona volta rapidamente para o carro que desanda ladeira abaixo. Voltamos para o asfalto e estamos nos dirigindo para o centro da cidade, em seguida estaremos, em disparada em direção a zona sul, no rumo de Ipanema.
- Desengatilha este revolver, tu não precisas disto, eu não estou armado, mesmo que eu quisesse tentar alguma coisa, os teus companheiros da frente terminariam comigo. Eu não vou fazer nada só estou querendo sair vivo desta.
- Apaga este cara já falei.
- Fui com a tua cara, Guerreiro. – Falou o cara à minha direita, o que estava armado.
Desengatilhou o revólver e acomodou-o entre suas pernas. Enquanto isso o motorista fazia uma curva extremamente forçada para desviar o canteiro central de um trevo.
Tive uma sensação de alívio, só o fato de não ter uma arma apontada em minha direção já era motivo de avanço nas minhas negociações com os assaltantes. Minha única condição: sair vivo. – Pensei.
- Por que vocês não me largam e vão fazer o negócio. Vocês não precisam de mim, só do carro. Comentei a esmo.
- Termina com este cara. – Gritou o motorista, o mais desequilibrado dos três.
- Te soltamos e tu vai ligeiro para o primeiro tira. Em meia hora eles nos pegam, Guerreiro.
- Bem se eu fosse vocês também não acreditaria em mim.
Toda vez que ele afirmava a palavra Guerreiro eu me sentia bem. Ficava estimulado a falar, conversar até convencê-los. Como o motorista dirigia velozmente, logo passaríamos pelo ginásio de esportes, teríamos pela frente, um longo aclive seguido de um sinuoso declive e finalmente estaríamos em Ipanema, com todo o seu bucolismo matutino.
- Tenho uma sugestão. Vocês me amarram em uma árvore lá em Ipanema, assim poderão fazer o negócio e eu não poderia contar à polícia.
- Tu já é presunto, cara.
- Boa idéia, Guerreiro. Nada mau.

Em Ipanema paramos num lugar muito escuro, as ruas estavam totalmente desertas àquela altura da madrugada. Alguns fracos clarões dos postes de luz, um aqui outro acolá.
Amarraram-me em uma árvore. Pelos meus parcos conhecimentos florestais verifiquei que era um frondoso e florido jacarandá.
- Estes livros e estas pastas aí no porta-malas não terão utilidade para vocês, se quiserem deixar comigo... eu agradeceria.
- Tudo bem, Guerreiro.
Colocaram as pastas e livros no chão, perto da árvore em que eu estava amarrado. Puseram uma pedra em cima.
- Para o vento não levar, Guerreiro.
- Obrigado. Vocês foram muito camaradas.
- Guerreiro, se não houver tiroteio tu vai receber teu carro inteirinho. Valeu. Tchau, Guerreiro.

E se foram, queimando pneu, para além de Ipanema. As luzes do dia ameaçavam a noite no horizonte, um pequeno nevoeiro na lagoa, que logo o sol dissipará, me fez lembrar um antigo filme de terror. O que não foi motivo de desespero.
As 6 horas da manhã, um sonolento e desavisado vigia, que tinha encerrado seu turno da noite numa empresa de ônibus, me encontra. Desloco-me imediatamente para um posto policial onde faço o registro da ocorrência. Por alguns instantes o único ruído dentro da delegacia era o som da jurássica máquina datilográfica do plantonista.
O comentário do policial de plantão, resumiu-se em uma frase.
- Muita sorte. Muita sorte mesmo. Raramente, em situação semelhante, alguém sai com vida.

Dois dias após o agente do posto policial, comunica-me por telefone que o meu carro havia sido encontrado em uma rua pouco movimentada em Petrópolis. Logo seria liberado pelo guincho.
- Conhece alguém chamado Guerreiro? Pergunta-me o policial.
Não sei porquê, mas veio em minha mente o assimétrico bigode do presidente do Grêmio. Minha resposta foi demasiada curta. - Não. Por quê?
- Deixa pra lá. – e desligou o telefone.
“Valeu Guerreiro”.
Estava escrito, com tinta branca, no vidro dianteiro do carro.
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