A POESIA DE ELDER OLIVEIRA: FORÇA E ENCANTAMENTO.*
“Escapam da ávida pira só os poemas.”
Ovídio
Malungos e vapores & outros poemas é o livro de estréia de Elder Oliveira , vencedor do Prêmio de Poesia Prof.ª Zélia Saldanha, promovido pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, edição 2000.
Um conjunto de 77 poemas, o livro apresenta uma variedade de estilos e formas que vão desde os poemas em versos livres e temas cotidianos aos poemas em métrica tradicional e tom mais sublime.
Poeta lírico, sem derramamentos sentimentais, Elder Oliveira trabalha sua poesia sob a luz de uma inspiração pungente e uma técnica em constante burilação.
No poema-título Malungos e Vapores, o eu lírico aparece metamorfoseado em três figuras emblemáticas da força poética de Elder:
Mensageiro
de água das estâncias
e corpo de espelho.
Hei de polir a pedra
no limo dos caminhos
Cavaleiro
guapo de estepes
gen dos invisíveis.
Brutamonte fera
coração de seda
Violeiro
dos tangos e fandangos
e calangos e congadas.
Um mensageiro da palavra, um cavaleiro com coração de seda e um violeiro de estro firme e fluido, são imagens que perpassam todo o livro, como que afirmando a sua voz em sintonia com uma poética que dialoga diretamente com a tradição oral da cultura brasileira.
Já em Cardume, apresenta-se uma outra dicção, a de uma poesia com tonalidade surreal:
Livros atravessam séculos
Quilômetros de velhos pântanos
Onde piranhas entediadas beijam
Os pés de seus poetas preferidos
Neste poema curto, Elder consegue surpreender pela força da imagem prosaica quando quebra a solenidade dos dois primeiros versos (Livros atravessam séculos / Quilômetros de velhos pântanos ) com a presença insólita de piranhas entediadas que “beijam os pés de seus poetas preferidos”. Um poeta sem halo, como queria Baudelaire, e sem musas pálidas. Mas rodeado de piranhas (quais? as de osso ou as de espinha? ) que ainda reconhecem a voz encantadora dos poetas.
Aprofundando-se nos sentimentos, na memória, no seu eu profundo e desta viagem retornando para despertar a emoção do leitor, como disse Ruy Espinheira Filho na orelha do livro, Elder Oliveira no poema Confidência nos convida a saborear “outra cidade”:
O sabor da cidade
Não ficou na gente
Nem nos peixes
Nem nas casas
Mas no velho chafariz
Onde a gente se afogou
O poeta “confidencia” ao leitor os segredos da sua vivência humana e traz à tona o mapa lírico de uma cidade afogada em sua memória.
Eis aí a força e encantamento de um poeta da nova geração, editado e divulgado graças a um concurso literário promovido por uma instituição universitária. Essa é uma das verdadeiras funções da Universidade, estudar e publicar novos escritores que darão contínua vitalidade à tradição da Literatura Brasileira. E entreguemos à pira o nosso futuro! Sem remorsos passadistas.
Cleberton Santos
Poeta, crítico e mestrando em Literatura e Diversidade Cultural na UEFS.
* Artigo publicado na Tribuna Cultural, do jornal Tribuna Feirense. 31/10/2004, nº 115