Um homem corria na chuva, sem roupas que lhe cobrissem o corpo. Sentia a lama entre seus dedos e via entre fumaça-chuva a longa estrada a percorrer. Não sabia ao certo quanto tempo levaria no caminho, não conhecia o trajeto. Apenas corria e pensava em nada. Em suas entranhas uma fome lhe apunhalou, não havia o que comer, apenas a estrada existia. Tentou prosseguir a viagem mas a fome causou um surto em suas pernas, não mais lhe obedeciam. Sentiu medo. A chuva cada vez mais forte caia sobre suas costas e o castigavam como chicote, cada vez mais encolhido o homem teve saudades do sol e chorou. De tanto chorar e ter fome cansou-se e caiu.
Não estava acordado quando veio o sol ou mesmo quando viu-se a lua, parecia morto, jogado a beira da estrada. Quando ao longe ouviu-se uma carroça, velha, pelo ranger das rodas, arrastou-se um tanto até alcançar o homem. Do alto da carroça desceu uma gorda senhora que ao segurar o pulso do homem sentenciou: Que Deus acolha essa pobre alma! Ajoelhou e rezou alguns cantos e salves ao Deus que lhe era conveniente.
Como estava só a gorda não tinha como levar o defunto consigo e o deixou onde estava incumbindo a natureza de dar cabo ao corpo.
Uma semana depois não havia quem não reclamasse do cheiro, anos depois viam-se os ossos, e ao fim só restou a chuva.
Um homem corria, despojado das vestes, na chuva. Sentia a água banhar seu corpo, sentia seus pés afundarem na lama. Sorria, brincava como criança. Só via a chuva que caia sobre seus olhos e a alegria que enchiam suas entranham. Não havia mais nada, não havia coisa alguma além da bela chuva que logo cessou e deixou o menino, ainda agora homem, triste. Uma lágrima caiu de seu olho, depois outra e outra ainda. Veio a noite e o frio fez ranger seus dentes. Lembrou-se do calor do fogo e sentiu saudades.
Tremendo, tentou dormir e viu que o sol chegava. Logo estava quente. Correu, abraçou uma árvore e avistou lá no alto uma fruta. Lembrou-se da fome e quis comer. Lançou-se a escalar e lá do quinto galho caiu. Um velho esperto que de longe viu a cena diz que o coitado foi para os quintos, também quem mandou tentar robar o que não é de sua posse, completou.
Como tinha empregados o esperto mandou-os enterrar o malandro bem longe, vai que pensam que fui eu.
Um homem corria, tinha em sua mente um plano, tudo calculado, tinha mapa, relógio e bússola, não havia como falhar. Na chuva tomava banho, no sol tomava cor e a noite repousava. Comia o que das árvores caiam e bebia o que o rio continha. Correu por muito tempo, não há relógio que conte, e ao tempo, chegou ao fim. Viu o que tinha feito e chorou. Tinha dormido os sonhos, engolido a raiva e corrido. Teve saudades do tempo que passou, queria-o de volta, sentiu-se sozinho e de angústia morreu.