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Cronicas-->Com o Mundo nas Mãos -- 14/11/2001 - 16:08 (ANGEL DRAVEN) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Com o Mundo nas Mãos

(1981)

"Os personagens aqui retratados são fictícios. Qualquer semelhança com a maldita realidade
é uma merda de coincidência!"

Eu, como bom aluno que sou e como todo aluno, estava estudando na quase pré-véspera da ante-sala da prova. Estava a menos de três semáforos da escola e a muito menos de trinta minutos da prova de geografia. Estudando dentro do ónibus que nós, amigos de classe e labuta, chamávamos "selva do meio-dia", um lugar inóspito, aonde se vai pendurado de barra em barra, grita-se para receber o troco corretamente, e de onde se sai sempre coçando como um mico.
No meu colo, quase toda a matéria da famigerada prova de geografia, que aconteceria dentro de poucos pontos e minutos. Era um livro grande, repleto de nomes e mapas coloridos. O assunto principal seria a América, e eu vou, nos instantes e faróis que me restam, tentando decorar (confesso) mais uma ou duas capitais da América Central. Onde fica mesmo Barbados?
Levanto os olhos para o teto, pareço rezar.
Olho mecanicamente para as casas que passam, repetindo mentalmente os nomes, quase balbuciando. Qual a capital da Costa Rica? Por vezes, um ou outro nome escapa, em voz alta. Nem noto, tão concentrado estou. Ilhas Virgens, heim?
- É aí que tá o trabalho do meu pai!?!
Ouvi algo assim, sem prestar muita atenção, misto de afirmação e pergunta.
- É aí, é?
Agora a pergunta (pareceu uma afirmação inicialmente) veio acompanhada de um puxão na manga do meu avental branco, o uniforme da época. Notei que a garotinha estava nos braços de sua mãe, sentada ao meu lado. A miúda e curiosa menina dirigia-se a mim com os olhos arregalados e um sorriso meigo. Apontava com o dedinho um mapa da América do Norte, na altura dos Estados Unidos.
Saí de meu transe decorativo e olhei confuso para a menina e sua acompanhante. Depois sorri, quando a mãe já tentava dizer para que a filhinha não "atrapalhasse o moço" e que me deixasse estudar.
A garotinha curiosa me olhava como que esperando uma resposta positiva, e repetia:
- Ë aí a casa do meu pai, não é?
- Onde mora o seu pai? Perguntei.
- A mãe falou que era aí!
Afirmava convicta, colocando o dedinho onde dizem ser o Canadá.
- Ele mora aí, é? Perguntei.
- Otro dia a mãe pegou um livro desse, na loja, e disse que o pai tava trabaiandu pra nóis ai no Ricifi e...
- Fia... deixa o moço estudá.
A mãe disse gentilmente, acariciando a filha.
- E aí eu falei, que quandu eu crescê, eu vou lá, vê o pai, sabe, e...
A menina não parava mais de falar, entusiasmada, feliz, sonhando e ao mesmo tempo, já realizada. Falava sobre o Recife e apontava o mapinha desenhado no livro. Agora já com certeza que se tratava do mapa com o endereço e paradeiro do seu pai.
A mãe, e só agora eu notava, estava envergonhada, embora se esforçava e tentava não demonstrar. Notei também que ela não usava uma aliança.
- O sinhó conhece o meu pai, moço?
- Não, mocinha, eu... acho que não...
- Eu também não. Mas eu vou conhecê, quando eu crecê, e a mãe diz que ele é bonito, grandão... e...
Ela continuava a falar, olhando para o infinito, imaginado. Estava feliz, parecia, por um momento, ser a dona do mundo, o mapa parecia diminuir frente a sua alegria.
Agora, outras pessoas pareciam prestar atenção ao empolgado quase monólogo da menininha. Muitos demonstravam curiosidade e interesse em tudo que ela estava dizendo.
Olhando em volta, muitos pareciam copiar e acompanhar o olhar para o infinito da menininha. Como se a estória de um fosse a história de todos.
- Ei, cara, vai descer ou não vai?
Era um colega de classe. Tínhamos chegado ao ponto próximo ao colégio, para mim um ponto final. Despedi-me.
- Tchau, mocinha! Boa sorte.
- Chau moço.
Ela também se despediu, embora fosse para ela somente mais um ponto, talvez até o inicial...
Desci da "selva" e caminhamos para a escola. Durante aqueles instantes, pensando agora, senti que estava feliz, tinha me contagiado pelo entusiasmo e sonhos da menininha.
Pensei também que queria conhecer os nomes das capitais que "cairiam" na prova. Gostaria de ser feliz também por conhecer tudo que queria.
Ou talvez, pensando melhor agora, por não conhecer nada...
Parece que quanto mais somos conscientes, mais sofremos. Como se o conhecimento e a conscientização fossem, antes de uma benção, uma maldição.
Pensando agora, queria poder achar que Washington é a capital do Brasil, que Greenwich fica em Brasília e que Recife fica mesmo em Montreal.
Agora talvez, pensando melhor, como seria feliz, se por alguns faróis, minutos ou pequenos momentos, pudesse ser alegre e inocente como uma criança, que tem o mundo na ponta de seus dedos.

Angel Draven
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