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Artigos-->IO, MEDEA -- 06/10/2001 - 13:23 (eva braun) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meu pai faleceu em 1977, poucos dias após a morte de Maria Callas em Paris. E daí? Pura coincidência,vc diria. Mas esta conclusão talvez caísse por terra se eu dissesse que ele era apaixonado pela diva e dedicou toda a sua vida a persegui-la em suas apresentações pelo mundo. Acho que não perdeu uma ópera: La Traviata, Medea, Norma, Carmen, a Tosca, La Gioconda, Lucia, La Sonnambula, Sansão e Dalila, e sei lá mais o quê. E minha mãe nesta história? Bom, ela ficava em casa cuidando dos filhos e jogando com o orçamento doméstico para não prejudicar a família diante destes gastos com as viagens de meu pai. Durante suas constantes ausências, ela sonhava que era a própria Callas soltando seus trinados em um Scala totalmente vazio e às escuras, onde ela só ouvia os Bravos de meu pai, fora do seu campo de visão. Quando eu era criança, ele contratou uma professora de canto lírico pois achava que eu tinha jeito para a coisa. Talvez por que eu me esgoelasse para fazer valer meus direitos, que menininha insuportável, ele deve ter achado que poderia canalizar minha histeria infantil para os palcos do bel-canto. Que bobalhão, eu mal tinha fôlego para soprar vela de bolo. Não preciso dizer que botei a professora para correr na terceira aula. "Ela é rebelde demais", disse a mestra a meu pai, mas quem me distribuiu uns tapas foi minha mãe. Ela não admitia que eu o decepcionasse. Depois disso, resolveram me deixar de lado e eu pude voltar para os meus álbuns do Black Sabbath. Cantora de ópera é o cacete. Eu odiava ver aquela gente de olhar esgazeado com cara de tragédia gritando numa língua que eu não entendia. Aquelas roupas cheias de babado espanando cenários rebuscados. Pra mim ópera era coisa de velho e Maria Callas, a bruxa má do leste. No final da vida, quando a Callas começou a perder a voz, deprimida com a perda de seu grande amor, Onassis, meu pai começou a definhar também. Nessa época eu nem parava em casa pois estudava o dia inteiro e no tempo de sobra participava do movimento estudantil, a ditadura militar agonizava mas ainda se contorcia com perigo, feito Jason. Eu me preocupava mais com o país do que com meu pai. Não deixaria de ir a uma passeata para ficar na sua cabeceira, além do que minha mãe tinha mais "star quality" de Plantão Médico do que eu.

Fim da história: meu pai morreu, a emancipação do proletariado deu na praia e a ditadura militar metamorfoseou-se em neoliberalismo. Hoje, vivo longe do meu país, sou feliz dia sim dia não e aprendi a reconhecer na voz de Callas os tons da presença de meu pai em mim.

É só.
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