Em 1905, quiçá de noite, à hora em que a pena alimentada pela tinta negra contida num frasquinho sobre a estreita mesa, iluminada por trémula candeia a petróleo, na mão do proscrito escritor Albino Forjaz Sampaio, simulando um prodigioso cínico que naturalmente tinha lido o código juvenil de Kipling, rabiscou: Pratica sempre o crime, consciente, reflectido, dissimulado. Sê sempre mau e faz sugerir aos outros que és bom, sê sempre torpe, dizendo-te honesto. Nada de violências. Hipócrita, cauteloso e subtil, conseguirás tudo, serás tudo, terás tudo: uma hora de amor duma casada, uma condecoração, um emprego, a confidência dum segredo que compromete, dum vício que aviltece. Para isso é necessário saberes insinuar-te, que a questão está em ter manha. Dissimula rindo, ri ferindo. As tuas ambições, os teus egoísmos, os teus vícios e as tuas qualidades, tudo isso se mascara. Chama-se fidalguia à ambição, ao egoísmo desinteresse e ao vício honradez. É só trocar os rótulos ao sentimento. |
In "Palavras Cínicas" - 48 edições
- Apre, Albino, invisível, parece que estás aqui a empurrar-me a cabeça para dentro do computador. Ena pá, estão cá todos, todos sem excepção, reencarnaram-se uns nos outros. Mas, ó amigo, consideras que se deva dar um tal conteúdo a ler aos mais novos.
- Ah... Há um século!... Mas, ainda conseguem esconder-lhes o que eles de facto terão de ser se quiserem triunfar na existência ?... Ainda lhes ensinam que os caçadores têm a arma em casa só para ir à caça?... Bem, de qualquer modo, no meu tempo, já havia biliões de fechaduras e chaves e eles continuavam imparáveis. Errar é humano, mas só quando se pode!...
- Queres dizer: um tipo honesto que perca a cabeça e bata forte no exímio exemplar que descreves vai para a prisão... |