DE OLHOS FECHADOS
" Os sentidos não enganam; o que engana é o julgamento" ( Goethe )
DENIS CAVALCANTE
Uma brisa suave soprava pela orla da Estação. A escolha do restaurante não foi das
mais difíceis até porque todos almejavam os manjares e iguarias orientais. Já sentados e depois de pedidos os bebes, nem foi necessário olhar o cardápio. A escolha nesse restaurante quase sempre acaba sendo a mesma: misoshiro, tempurá de camarão e o portentoso barco de sushis e shashimis. Não é de dar água na boca?
Irão na certa pensar os leitores amigos se agora virei comentarista gastronómico. Não! Esperem o desenrolar da crónica que logo entenderão. A fome urge, o tempo passa e nada do nosso barco... E eis que finalmente surge triunfante e atraca o tão esperado barco. É realmente uma coisa de louco, só de escrever já estou de água na boca!
Em meio a uma multidão de rolinhos Califórnia, kani, sushis e shashimis de namorados, camurins, atuns, polvos, camarões, salmões e é lógico a incomparável anchova defumada. Um dia ainda vou descobrir porque tudo que é bom vem em doses homeopáticas, todo mundo gosta e dura pouco. Como somos quatro, opto por comer a minha porção primeiro.( não corre-se o risco de, no final, chapéu!). Cumprindo o ritual, espremo gotas de limão, mergulho o dourado peixe no molho soyo, acresço doses generosas de gengibre e vupt! Engulo-o como um sapo engole um mosquito. Depois de saborear outros saborosos frutos do mar termino meu lauto jantar degustando um crocante tempurá de camarão. Tem coisa melhor? Perfeito!
Enquanto sorvo satisfeito uma mineral gasosa estupidamente gelada, observo o ritual do comer totalmente diferente de meu filho. Ele, sabiamente ao contrário de mim, guarda para o final o bom bocado. Meticulosamente, corta as grossa fatias da anchova ( lembra muito o Haddock); e na hora de comer comenta: - Pai, experimenta comer de olhos fechados, verás que é muito mais gostoso... Eu cá com meus botões: - mania de garoto, coisa de menino...
Confesso que naquela hora não comeria nem o melhor manjar dos deuses, mas aquiesci e aceitei de bom grado mais uma porção da perfumada iguaria. Como ele me ensinou, fechei os olhos e deixei a iguaria derreter devagarinho pela boca, pela língua, mastigando aos poucos... Acabei descobrindo enquanto degustava, quantas coisas na vida fazemos automaticamente, de olhos abertos, sem sentir o verdadeiro sabor ,o verdadeiro prazer, quando, na verdade, deviam estar fechados, bem fechados.
Casamentos compartilhados dia após dia, e a vida a dois posta de lado, esvaindo-se pela mãos como areia molhada; Ã rotina desagradável de pagar contas e contas; beber no mesmo bar; acordar e dormir sempre a mesma hora, o mesmo caminho pro trabalho, aquela viagem planejada e sempre adiada; assistir rotineiramente o mesmo programa de TV...
Que tal de vez em quando fecharmos os olhos para abraçarmos um amigo(a), apaixonarmo-nos, saborearmos um beijo na boca, ouvirmos a voz da pessoa amada, confiarmos nas pessoas, lermos um livro e viajarmos na imaginação do autor, dar-mo-nos a mão ao próximo; soltemo-nos de olhos fechados na mão do destino, deixemos que ele nos leve para longe, bem longe...
Meu filho, com uma simples frase, um simples cerrar de olhos me fez ver que nunca é tarde para curtir e viver a vida em toda sua plenitude, para uma vez ou outra, fecharmos os olhos e sonharmos com um mundo diferente, um mundo sem guerras, um mundo de paz, um mundo melhor.
"Viver ultrapassa todo e qualquer entendimento"
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