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Artigos-->América sem roupa e sem culpa -- 26/02/2005 - 14:31 (Fernando Jasper) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em 1980, poucos meses antes do surgimento dos primeiros casos de aids nos EUA, o jornalista Gay Talese publicava um livro de quase 500 páginas intitulado A mulher do próximo. Curiosamente, os hábitos nele descritos e pesquisados ao longo de nove anos serviriam de munição para aqueles que, nos anos 90, definiram a doença como conseqüência da tolerância sexual desatada no país a partir da década de 60 – quando teve início a Guerra do Vietnã e a máxima "faça amor, não faça guerra" tornou-se o chavão mais repetido nas manifestações hippies.



Embora o enfoque do livro esteja nos anos 60 e 70, Talese teve o cuidado de detalhar ao leitor todo o processo anterior que culminou na transformação dos costumes sociais e sexuais norte-americanos ocorrida nessas duas décadas. Aliás, a obsessão do autor pela reportagem mais completa possível é uma das responsáveis pelo tamanho da obra. Nada ficou de fora da pesquisa, desde um minucioso relato da evolução – ou, em alguns casos, involução – das leis norte-americanas sobre sexo e censura aos perfis de várias das pessoas famosas ou não que, nas palavras do jornalista, "influenciaram a redefinição da moralidade nos EUA".



As vidas e encontros – por vezes involuntários – desses personagens compõem o fio condutor da narrativa. Às vezes em primeiro plano, outras como coadjuvantes, volta e meia dividindo a mesma cama em sessões de sexo com ou sem culpa, eles aparecem, vão embora e retornam conforme a leitura do livro avança.



Entre eles estão gente como Hugh Hefner, fundador da revista Playboy; Harold Rubin, "leitor" voraz de "revistas de mulher pelada" – antes disfarçadas sob a temática do nudismo, como a Sunshine & Health, ou sob nomes inocentes como Classic Photography – que viraria dono de uma casa de massagens; Diane Webber, modelo favorita de Rubin e uma das mais fotografadas da história; e até o casal "comum" John e Judith Bullaro, cujo relacionamento teve uma reviravolta após conhecerem John e Barbara Williamson, idealizadores de Sandstone, talvez a mais próspera comunidade de amor livre dos EUA.



Como reunir em um só volume e fazer interagir tantas histórias – que, sozinhas, renderiam excelentes livros – é ofício a ser aprendido com Gay Talese, um dos maiores expoentes do "novo jornalismo", corrente que prima pela narração literária de histórias reais e pela imersão do autor em seus temas. Talese, que se demitiu do New York Times a fim de ter mais tempo para produzir longas reportagens – algumas das melhores reunidas em Fama e Anonimato – e clássicos como O reino e o poder (ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras) não foge à regra: para poder escrever com propriedade, arriscou seu casamento ao freqüentar clínicas de massagem a ponto de se tornar gerente de uma delas e participou de animadas noites em Sandstone. Detalhe: seu casamento sobreviveu e está prestes a completar 45 anos.



- A saga de Hugh Hefner



Nascido em uma família puritana, mas cultivando ideais opostos aos dela, Hugh Hefner é inevitavelmente um dos personagens mais importantes de A mulher do próximo. Como mostra Talese, o sucesso inicial de Playboy tinha muito menos a ver com a revista em si do que com os homens que a compravam, com quem Hefner identificava-se fortemente. Ele sabia, como ninguém, o que seus leitores queriam.



O primeiro número foi editado em 1953 na mesa da cozinha do apartamento em que Hefner morava com a esposa e uma filha pequena. Em 1955, já separado da mulher, ele comandava uma equipe de trinta pessoas em um edifício de quatro andares quase no centro de Chicago. Dos 60 mil exemplares iniciais, a circulação da revista pulou para 400 mil ao final desses dois anos. Milionário já nessa época, Hefner podia desfrutar intensamente seu sonhado hedonismo, com todo luxo (e luxúria) que sempre desejou. O que, dizem, faz até hoje: nunca se contentou com as fotos, sempre buscou possuir as fotografadas.



Mesmo considerando Hefner a pessoa mais importante para a sexualidade norte-americana no século XX, Talese fez questão de mostrar que o criador de Playboy deve muito a editores obscuros que, entre as décadas de 20 e 50, perseveraram em meio à perseguição de bastiões da moral e dos bons costumes. Com uma coleção de dezenas de prisões e derrotas judiciais – muitas por violar o estatuto dos correios dos EUA, que proibia o envio de "obscenidades" –, o filho de camponeses judeus ortodoxos Samuel Roth se gabava de ter sido o primeiro editor a desafiar os censores de Ulisses. Foi graças à persistência dele que, em 1930, um juiz de bom senso derrubou a proibição ao livro de James Joyce, que deixou de ser classificado como "obra obscena" e foi elevado à categoria de "obra de arte".



Mesmo sendo um pouco cansativo em alguns pontos, o longo trecho que conta a história das leis sobre erotismo nos EUA é, em vários momentos, hilariante – especialmente quando transcreve opiniões dos mais aguerridos círculos moralistas. Um crítico inglês, por exemplo, chamou O amante de Lady Chatterley, último livro de D. H. Lawrence, de "a produção mais perniciosa que jamais enodoou a literatura de nosso país. O esgoto da pornografia francesa seria dragado em vão para encontrar algo semelhante em bestialidade".



- Valores morais



Apesar de seu assumido gosto por histórias mais picantes, Samuel Roth contribuiu não apenas para a liberação de publicações eróticas mas também para o surgimento de uma verdadeira liberdade de expressão nos EUA – que, desde o início da era George W. Bush, parecem estar declinando do posto de país mais democrático do mundo. A reeleição do texano, que faz a alegria dos conservadores e fundamentalistas religiosos, foi apontada por alguns analistas como resultado da preferência dos eleitores pelos "valores morais" por ele defendidos.



Valores muito semelhantes aos pregados trinta anos atrás por Richard Nixon, outro presidente republicano, que, na ânsia por eliminar os efeitos dos anos de liberalismo do mulherengo John Kennedy, encomendou um relatório para conhecer os supostos problemas causados pela leitura de revistas e obras eróticas.



O relatório não encontrou dano algum, mas Nixon não desistiu: "Enquanto eu estiver na Casa Branca, não haverá relaxamento do esforço para controlar e eliminar a pornografia da vida nacional. A comissão sustenta que a proliferação de livros e peças imundas não representa uma ameaça duradoura e danosa ao caráter do homem. Séculos de civilização e dez minutos de bom senso dizem-nos o contrário. Não se deve zombar da moralidade americana".



O sucesso da cruzada de Nixon, no entanto, parece não ter chegado nem perto da de Bush. É o que conclui a jornalista norte-americana Dian Hanson, que se auto-intitula "antropóloga erótica" e recentemente lançou nos EUA e na Europa os dois primeiros volumes da enciclopédia History of Men’s Magazines. "Pelo conteúdo das revistas é fácil notar que os americanos eram bem mais liberais, saudáveis e felizes há trinta anos do que são agora". Talese assinaria embaixo.
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