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Poesias-->Rio Negro da cidade -- 26/03/2002 - 04:46 (Alberto Nunes Lopes) |
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Rio Negro da cidade
1984
o rio que corre
o rio que une
o rio que separa
antes de tudo - do além mar
o rio da frente
para ser exigente
o qual transpassa o tempo
logo parece disforme
aqui e ali largo e cinzento
parece até cobra grande
se essa ainda existisse...
parece o espelho de escuma
ou simplesmente é desalmado.
Ufa! quanto corre estando parado
entre as falsas impressões
quantos caminhos foram trilhados
por práticos de chatas e navios
que trouxeram e levaram
damas irrequietas
homens sérios
crianças barulhentas,
ainda estão lá atracados
com suas lâmpadas acesas
acenando para o futuro
rindo com os dentes de piranha,
ninguém se engane com as histórias deste rio
ele lembra o império e a república
lembra vinténs e mil réis
nas suas águas turvas e remansos
leva barrancos, árvores, feito continuidade
sem perder de vista sua eterna monotonia.
Porque tu és negro & negro
a cidade deu as costas para ti
fugiu rumo à mata racionalizada
propriedades, inquéritos, produção
e quando menos esperam,
lá se vai o rio encarapinhado
desbotando os seus mistérios...
então, para falar do rio
primeiro olhar a cidade inteira
a todos parece mutilada
há sempre uma reclamação
cheia de aventureiros
buracos profundos
árida
fétida
suja
empalidecida
sufocada
empoleirada nas palafitas
invadida por seres supostamente superiores
grande quantidade de ET s da periferia...
nas vias da fome come-se cachorro quente
sinistros contatos imediatos do planeta Taylor
mesmo assim porfiam resistentes
depois
over night in the jangle... ficar pensando
e os jacarés locomovem-se lentamente
igual aos polichinelos à corda
moviendo la cola y la cabeza,
a selva toda funciona a bateria
a bateria acende e apaga o vaga-lume
depois fica fraca
apaga
recordações
silêncio
vai ficando longe...
outras vezes está perto
zumbe em watts o carapanã
a cidade se /louco/loco move
em brinquedo eletrônico
dentro da pasta presidente 007
os mais novos na vã ausência
nunca mais se afogarão nas águas
não mergulharão em seus cabelos
negros e lisos de iara
como dizer a eles que é preciso acreditar em alguma coisa...
mesmo que seja...
no tamanho do rio doce
não menos comprido, largo, fundo
neste rio que serve de motivo
para as poesias barrocas
para os discursos políticos
água que ameniza a dor
refresca todas as angústias
fazendo chover dilúvios
enchendo - vazando
menstruação de meses
então
a cidade inteira é sorumbática
todos saem de suas tocas
para uma conversa amena
acordar as antigas toadas em serenata
saber que há um rio na frente da cidade
correndo
mas que não passa de uma vez
sem perder de vista sua monotonia
um rio para além da abstração
um rio que escaramuça
com a vida dos afogados,
o que os mais velhos não entendem
porque somente as peixarias fazem questão
de se exporem de frente para o rio
talvez
para emprestar ao peixe
o verdadeiro gosto do rio
ou ao rio
devolver a idéia original do homem
e ao homem ensimesmado fugindo da cidade
a toa não se exponha a falar do mar
por ver bem menos seu rio
correndo negro em seu coração
e então acreditar quando dizem
que o rio parece doce
os que naufragaram em seu leito
foram encontrados nos olhos dos peixes
candirus dentro dos ouvidos
salgado, dizem os mortos
via fluvial
fé‚ em junho
a procissão aquática de São Pedro
o cais flutuante com as mãos inglesas
as tartarugas gigantes
a cidade tem o seu rio inconfundível
no início habitam as casas caneludas
lado a lado
cinzentas
o rio, as águas caudalosas
novamente o rio negro
que fala das tristezas de uns
da alegria de outros
incontrolável
sem perder de vista sua monotonia.
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