Não há lembrança que me seja mais cara
E nem tão rica do que essas horas
Em que o tempo permanece inerte
E a felicidade pode ser contida
Numa pequena tigela de leite,
Onde saciam nossos egos felinos
A sua sede de brincar sobre os telhados.
É nessas horas que o pensamento me flui,
Como sangüíneo líquido negro
Da ferida aberta, em chaga,
E se coagula no tecido ebúrneo do papel.
Às vezes, esforço-me, em vão,
Tentando impedir esse fluxo,
Mas, essa rosa desvairada,
Sentinela, em transe, do meu solitário vagar,
Prefere vegetar entre musgos e limo,
Provocando-me essa sede mórbida de pântano,
E esse incontrolável desejo
De salgar a língua com o sal alheio,
E abandonando-me em triunfante delírio.
Salvador, 21 de Março de 2002. |