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Artigos-->MARVIN E O CARACOL DO TEMPO(CAPÍTULO 11 AO 130) -- 04/03/2005 - 17:45 (Almir Correia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CAPÍTULO 11

A DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS

“ Nenhuma morte me pegará,

só eu tenho todo o tempo do mundo.”

(Altropolicanto – criatura do Pântano Nevoento que possui

cinqüenta dedos em cada uma das dez patas

e uma imensa boca crocodilante e linguaruda.)

-- Marvin! Marvin!

-- Quem está aí?

-- Sou eu!

-- Eu quem??

-- O seu amigo Elvis Presley!

-- Elvis? É você? Mas a sua voz...

Nisso Elvis saiu da escuridão e Marvin pôde conferir com um susto...

Não esperava ver o amigo daquele jeito. Do dragão imenso e poderoso, Elvis mantinha apenas a cor e a forma. Estava agora com no máximo 10 centímetros de “tamanho”.

-- Marvin, infelizmente, as minhas pílulas não estão mais fazendo efeito. Não para mim... Tentei também alguns chás e mandingas. E nada. Até comi duas terríveis pimentas gigantes enfeitiçadas... Só não tenho muito tempo. Preciso recuperar com urgência as minhas cinco bolas de remorso...

-- Elvis, você ficou assim por causa delas???

-- Isso mesmo, Marvin! Só não tenho tempo para lhe explicar tudo...

-- Mas pelo menos deixe eu ajudar!!

-- Sem “pelo menos”, Marvin! Infelizmente ninguém pode me ajudar... E não se esqueça que você precisa salvar Lenora antes que seja tarde demais.

-- Mas, mas, Elvis...

-- Nada de “mas”. Eu trouxe aqui algumas mini-pílulas para a sua viagem.

-- Viagem?

-- Sim! Viagem à terrível Dimensão das Trevas Sólidas.

-- Mas Elvis... E a Lesma Gigante?

-- Ela ou ele não está mais aqui. Assim que soube da vitória da espada Excalibur sobre os lobisomens azuis, o Caracol do Tempo desapareceu, fugindo para as Trevas Sólidas. Lá onde já se encontra também sua amiga Lenora... Bem lá onde nenhuma criatura em sã consciência vai de livre e espontânea vontade. Lá onde somente a coragem que é luz pode derrotar a morte que é a escuridão.

-- E o que é que eu faço então?

-- Pegue estas cinco mini-pílulas! Tive de diminuí-las para conseguir carregá-las... Cuidado para não perdê-las!

Com cuidado, Marvin segurou as “pequenas ervilhas” na palma da mão, enquanto Elvis “Puxa, como estou cansado!” pousava sobre o Livro de Carne iluminante.

-- Preste atenção, menino! Preste muito atenção! Você terá que engolir as mini-pílulas de acordo com as minhas instruções. E na seqüência que eu vou lhe passar. Entendeu, menino?

Esta era, se não me engano, a primeira vez que Elvis chamava Marvin de “menino”. E esse “menino” tinha um tom de “eu ainda sou maior que você, apesar de meu momentâneo diminuto tamanho”. “Lei da Compensação” possivelmente: diminuir os outros para se sentir maior. Ou “menos pequeno”.

-- A mini-pílula transparente, duas em uma, vai lhe dar um bom banho. Afinal, você está precisando mais do que ninguém. Em seguida ela irá lhe vestir decentemente... Já a mini-pílula amarela lhe transformará no menino cápsula.

-- Humm???

-- Calma! Não se preocupe em entender agora! Nem há necessidade. A mini-pílula amarela vem com uma “bula mental”.

-- ???

Elvis fingiu não ver as interrogações nos olhos de Marvin e continuou sua fala:

-- A mini-pílula verde irá transportá-lo até a Dimensão das Trevas Sólidas. Essa viagem deverá levar alguns minutos de noventa segundos... possivelmente não mais de meia hora. Tudo depende do trânsito de criaturas mortas... Antes de chegar lá no seu destino, engula a mini-pílula vermelha. Sem ela você não conseguirá respirar. Por último a mini-pí...lu...la... bran...ca... que...

Antes que terminasse a explicação, Elvis foi desaparecendo como se estivesse indo embora para sempre: Talvez também para a Dimensão das Trevas Sólidas.

PORÉM COM CERTEZA, NÃO DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE.

-- Elvis!!!???

Assim que Elvis sumiu, Marvin começou a sentir uma forte dor que o fez cair no chão (mas de mão bem fechada para não perder as mini-pílulas): era Excalibur, agora mini-espada, entrando fumegante em seu peito “manteiga” para descansar e aguardar até o momento de...

Desta vez, Marvin não gemeu, não gritou, não urrou, não lacrimejou, não desmaiou... Agüentou a dor... E a dor que doeu já não doeu tanto quanto da primeira vez.

ESTRATÉGIA DA ESPADA EXCALIBUR.

Alguns minutos depois, Marvin já se sentia mais vivo do que antes.

NADA COMO UMA “BOA DOR” PARA NOS MOSTRAR QUE ESTAMOS REALMENTE VIVOS.

Marvin que já havia gravado a seqüência das mini-pílulas tentava mesmo assim reforçar sua memória. Nada podia dar errado, sabia ele. Qualquer erro poderia significar a maldição de cem anos nas Trevas Sólidas para Lenora e para ele também.

UMA DAS TÁTICAS MAIS USADAS PARA SE RETER UMA INFORMAÇÃO É A REPETIÇÃO EXAGERADA.

Marvin certamente não precisava mais disso. Depois daquele tratamento anti-estresse mágico do Mago Merlin Nostradamus, sua memória já estava boa novamente... Melhor do que nunca... Mesmo assim ele resolveu se garantir pelo excesso:

“Deixe-me ver... pílula transparente, pílula amarela, pílula verde, pílula vermelha, pílula branca... Essa é a ordem. Transparente, amarela, verde, vermelha, branca. Transparente, amarela, verde, vermelha, branca... Transparente, amarela, verde, vermelha, branca... Transparente, amarela, verde, vermelha, branca... Transparente, amarela, verde, vermelha, branca...”

Antes de guardar “Torresmo-lanterna” dentro da mochila, Marvin engoliu a mini-pílula transparente e ficou esperando a reação que demorou 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 segundos para começar.

Primeiro Marvin sumiu dali, mas todos os seus pertences teimaram em ficar: a mochila com o livro de carne, as mini-pílulas e sua “roupa” ensebadamente azul que já nem podia ser chamada assim.

COIN COIN: Marvin caiu pelado nas Cataratas de Foz do Iguaçu e assim começou o seu banho-pesadelo de quinze segundos.

BANHO-PESADELO É AQUELE QUE ATÉ PODE MATAR.

Os quinze segundos mais longos da vida de Marvin: nesse tempo todo ele tentou nadar para vencer as águas que eram muito mais poderosas do que ele e sua vontade.

O som ensurdecedor da Foz gritava nos ouvidos de Marvin: “Nós vamos te engolir! Nós vamos te engolir!”

Enquanto as águas diziam que iriam engolir Marvin, era Marvin quem engolia as águas. Mas mesmo no desespero, ele sabia que iria se salvar. Sabia também que aquilo ali era apenas algum tipo de “problema técnico” da mini-pílula-transparente. Elvis estava doente e pelo jeito também a sua doença havia colocado algo de ruim e defeitoso em suas últimas “invenções de se engolir”.

MARVIN SÓ ESPERAVA AGORA QUE AS OUTRAS PÍLULAS NÃO TROUXESSEM SURPRESAS TÃO OU MUITO DESAGRADÁVEIS.

Passados os longos quinnnnnnnnnnnnnnnnze segundos: COIN COIN: totalmente limpo e já de cabelos verdes, Marvin caiu pelado pingando em uma imensa LOJA DE DEPARTAMENTOS.

COIN COIN QUE MAIS PARECE PORCO FALANDO E NA VERDADE O SOM QUE SE FAZIA QUANDO MARVIN “PASSAVA” DE UM LUGAR PARA OUTRO.

Meio tonto ainda, ele vomitou três copos d’água (sem os copos é claro).

APESAR DE NÃO SER NADA AGRADÁVEL, VOMITAR FAZ BEM DE VEZ EM QUANDO. QUE DIGA ISSO A BRUXA MARICOTA URTIGONA. AO CONTRÁRIO DE MUITAS CRIATURAS QUE SÃO OBRIGADAS A ENGOLIR SAPOS, ELA OS VOMITA, DE VEZ EM SEMPRE, TRÊS VEZES AO DIA.

Assim que abriu bem os olhos para realmente ver as coisas, Marvin se surpreendeu com o gigantismo daquilo que parecia ser realmente uma imensa loja de vestuários.

Mais tarde, ele descobriria se tratar de uma loja de departamentos...

Até o teto e inclusive no próprio teto, havia roupas, roupas, roupas, roupas, roupas e mais roupas... montanhas e montanhas de roupas sufocadas umas sobre as outras.

Marvin foi caminhando nu entre elas, junto com a estranha sensação de que estava sendo observado o tempo todo.

Vez por outra, pequenos risos e gargalhadas mínimas faziam-no procurar com os olhos, ali, lá, acolá, por alguma criaturinha que pudesse estar “brincando de se esconder”.

De repente “VUMPT” um susto: uma calça preta passou voando bem na frente de Marvin, quase acertando o seu nariz... Já em seguida, uma toalha bem felpuda veio freneticamente enxugar-lhe “VAPT VUPT” o seu cabelo.

O que se viu na seqüência foi um DEU A LOUCA NAS ROUPAS.

Meias, cuecas, luvas, calças, vestidos, capas, sobretudos, suéters, camisetas, calcinhas, ternos, calções, macacões... passaram a voar divertidamente diante de Marvin.

Algumas calças e vestidos chegaram inclusive a dançar valsa no ar, mesmo sem música alguma.

A festa das roupas foi atraindo cada vez mais peças, mas Marvin resolveu sair de fininho daquele tumulto animado.

Mais a sua frente, um corredor de roupas pretas.

SILENCIOSAS E DESANIMADAS.

Marvin sentiu um calafrio. Eram todas capas de vampiros. Todas em seus respectivos cabides que iam até o teto que ficava mais ou menos nove metros do chão.

Um cheiro de mofo e naftalina tomava conta do ar...

Marvin apressou os passos pelados.

Antes que chegasse ao fim do corredor, uma capa preta voadora o envolveu como se ela fosse um morcego gigante e Marvin a sua vítima indefesa.

Não havia como gritar.

Não havia como escapar.

Marvin ficou se debatendo... lutando dentro da capa.

Ficaria assim até perder suas energias.

Ficaria assim até não conseguir mais respirar.

Só depois de perder forças e fôlego é que Marvin se lembrou de Excalibur. FINALMENTE. E assim se concentrou em um pensamento suplicante:

“EXCALIBUR, ME AJUDE, POR FAVOR!!!”

Uma forte e luminosa dor no peito veio em seguida, indicando que a espada ouvira seu pedido e já estava vindo ajudar...

Primeiro Excalibur cortou a capa para que Marvin pudesse sair e respirar... Depois continuou lutando até estraçalhar a vestimenta vampirística em centenas de pequenos pedaços. E olha que nem foi preciso Excalibur aumentar de tamanho...

Nenhuma outra capa teve coragem de se manifestar.

ALGUNS PODEM ESTAR SE PERGUNTANDO POR QUE A ESPADA EXCALIBUR NÃO ENTROU EM AÇÃO ANTES. TALVEZ PORQUE NA MAIORIA DAS VEZES ELA NÃO GOSTE DE SER UMA ESPADA INTROMETIDA E PREFIRA ESPERAR SER CHAMADA...

“Refeito da luta”, Marvin continuou andando nu pelos corredores daquela loja de roupas “sem etiquetas”. Agora com a “pequena” Excalibur em seu encalço.

Marvin passou por mais e mais corredores, cheios de roupas e mais e mais roupas... E continuou andando pelado (afinal não estava com frio e nem com disposição para vestir qualquer coisa. Até agora todas as roupas lhe pareciam estranhas, extravagantes, mórbidas, feias, velhas, ridículas, desconfortáveis, etc, etc, etc.).

“Vamos logo, Marvin! Lenora precisa de você com urgência!”

Fazia um bom tempo que Marvin não ouvia sua voz interior. Pelo jeito ela tinha ido tirar umas férias lá no REINO DAS VOZES INTERIORES.

Marvin dobrou um corredor, decidido agora a escolher sua roupa. Porém antes que escolhesse... um batalhão de calças, camisas, capas, sobretudos, macacões, agasalhos e até vestidos veio voando em sua direção sob a trilha sonora de uma toda animada sanfona voadora tocando TICO-TICO NO FUBÁ.

Foi pela música que Marvin percebeu estar sendo seguido...

Correu, mas as roupas voaram-correram mais...

NAS LOJAS BLOOMINWITCH, QUEM NÃO ESCOLHE SUAS ROUPAS, ACABA SENDO ESCOLHIDO POR ELAS.

E foi justamente isso o que acabou acontecendo com Marvin.

As roupas passaram a atacá-lo (pelo menos era assim que ele, a princípio, estava vendo-entendendo a situação).

Uma calça lhe passou rasteira e Marvin caiu.

No chão não teve mais como vencer as centenas de roupas obcecadas...

Umas brigando contra as outras para ver quem iria conseguir se vestir no menino...

O que se via era uma montanha viva de “trapos”se engalfinhando em uma batalha aparentemente mortal e Marvin “escondido” no meio do “bolo”...

ENTRE MORTOS E FERIDOS, SALVARAM-SE TODOS...

As roupas, algumas um pouco rasgadas, retornaram as suas prateleiras e cabides e Marvin ficou ali no chão todo vestido pela roupa vencedora: coincidentemente um traje branco, típico de Elvis Presley.

Faltavam agora os sapatos... Marvin não estava disposto a enfrentar mais uma batalha e por isso pegou o primeiro par que viu em sua frente...

SAPATO VERMELHO LUSTROSO, CANO FINO, TAMANHO ADAPTÁVEL AO PÉ DO CLIENTE. UMA MARAVILHA PARA AQUELAS CRIATURAS QUE NÃO CONSEGUEM CHEGAR NEM PERTO DE UM BOM GOSTO MÍNIMO.

E agora???

A mochila com asas, o livro de carne e as mini-pílulas ainda estavam na caverna do Caracol do Tempo sem o Caracol do Tempo.

“As coisas poderiam ser mais simples, inclusive nos Mundos Mágicos!”—pensou Marvin.

Poderiam. Bem que poderiam. Mas infelizmente uma das características dos seres humanos e não-humanos é complicar os mundos e suas próprias “existências”.

E agora???

Marvin não tinha a mínima idéia de como retornar à Caverna do Caracol para pegar seus pertences de primeira necessidade mágica.

Andar um pouco, às vezes, ajuda a se ganhar idéias. E foi isso que Marvin resolveu continuar fazendo pelos corredores completamente vazios da Loja Bloominwitch.

NENHUMA CRIATURA FAZENDO COMPRAS. NENHUMA ALMA PENADA OU DESPENADA. PELO JEITO DEVIA SER FERIADO.



Alguns feriados em alguns Mundos Mágicos:

-- Dia das Bruxas (Feriado em mais de duzentos mundos)

-- Dia da Magia ( Feriado em mais de mil mundos)

-- Dia dos Mortos-Vivos (Feriado nos mundos dos mortos-vivos)

-- Dia das Mães de Vampiros (Feriado apenas no mundo onde os vampiros têm

mãe)

-- Dia dos Dragões (Feriado em vários mundos com dragões em grande quantidade)

-- Dia das Pedras Falantes (Feriado no Reino das Pedras Falantes)

-- Dia dos Lobisomens (Feriado em trinta mundos)

-- Dia da Sorte (Feriado em cem mundos)

-- Dia do Azar (Feriado em quinhentos mundos)

-- Dia dos Monstros Desdentados (Feriado em mais de duzentos mundos

monstruosos)

-- Semana das Fadas (Feriado em Avalon e em mais alguns reinos de fadas)

-- Semana dos Magos Merlins (Feriado em todos os mundos de que se tem notícia)

-- Dia da Rapadura Mágica (Feriado apenas no Reino dos Comedores de Rapadura

Mágica).



A Loja Bloominwitch nunca fica mais de uma lua na mesma localidade. Vive viajando, a esmo, pelos Mundos Mágicos. Azar dela. Desta vez acabou indo parar justamente onde era feriado.

FERIADO DE UM DIA OU DE UMA SEMANA???

Marvin continuou andando por mais e mais corredores...

O silêncio foi então interrompido por um conjunto de conversas e gargalhadas.

VOZES DE CRIANÇAS???????????????????????????

Por um instante, Marvin ligou as vozes a um passado que já parecia distante: aos colegas da escola, às brincadeiras na hora do recreio, às peladas na praça...

Que nada! Assim que virou o corredor e viu quem eram as criaturas falantes, ficou boquiaberto. E olha que Marvin não ficava boquiaberto há um bom tempo.

As criaturas falantes não eram criaturas falantes, e sim, pasmem, sapatos. Sapatos falantes. Sapatos contadores de piadas:

-- Você conhece aquela piada da sandália com hemorróidas?

-- Não!

-- Nem eu!

E assim-assim um par de mocassinos caía no riso rasgado.

Outros sapatos conversavam assuntos e besteiras diversas... E riam, como riam...

Marvin continuou andando. Dava para pegar um pedaço de fala aqui que se misturava com outro pedaço de conversa ali e outro lá e outro acolá e outro e outro e outro...

OS SAPATOS NAS PRATELEIRAS QUE TAMBÉM IAM ATÉ O TETO ALTO LEMBRAVAM, MESMO QUE VAGAMENTE, ARQUIBANCADAS FALANTES.

No final do corredor, Marvin ouviu alguns sapatos anônimos se dirigirem a ele.

-- Já vai, gostosão?!

-- Ah! Fique mais!!!

-- HUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!!!!!!!!

Sem dar bola, Marvin continuou seguindo em frente...

E mais à frente já estava na Seção das Vacas Empalhadas. Centenas delas: vacas azuis, vacas amarelas, vacas verdes, vacas vermelhas, vacas laranjas, vacas arco-íris, vacas cor-de-rosa, vacas cor-de-vaca... Vacas empalhadas para enfeitar jardins de ervas venenosas.

EM MUITOS MUNDOS MÁGICOS, AS VACAS EMPALHADAS SUBSTITUEM OS ANÕES DE JARDIM.

A Loja Bloominwitch parecia também não ter fim... Marvin já estava ficando cansado daquilo tudo, afinal a sua missão era salvar Lenora e não ficar caminhado, feito bobo, em uma loja de departamentos.

O TEMPO URGIA E O LEÃO RUGIA...

“Mas como? Como eu saio daqui??” – era a pergunta-pensamento que não queria calar.

MARVIN VIAJOU COM OS OLHOS PELAS VACAS COLORIDAS DE OLHOS DE VIDRO BRILHANTE.

“Mas como? Como eu saio daqui??” – era a pergunta-pensamento que não queria calar.

Para chegar até a próxima seção de alguma coisa, Marvin caminhou entre as vacas coloridas e uma delas lhe chamou atenção. Não pela cor ou por sua cara de vaca. O que intrigou Marvin foi um monte de bosta amarela no chão.

“Vacas empalhadas não fazem isso!” – pensou ele – “Ou será que aqui fazem?”

Marvin cutucou a vaca e ela continuou desanimadamente empalhada...

NO FINAL DA SEÇÃO, UMA MÁQUINA DE REFRIGERANTES.

Depois de muito tempo sem sede, Marvin sentiu sede.

Auto-sugestão???

Nu sem a mão no bolso, Marvin não tinha moedas.

Quando chegou bem próximo da máquina, o aviso:

COLOQUE AQUI UM DENTE.

Marvin não tinha dentes. Pelo menos nenhum disponível.

Por sorte no chão havia dois. Dois dentes cariados e sujos de sangue seco.

Marvin pegou um deles e colocou no orifício “BRIMPTRIMPT” da máquina.

Próxima etapa: escolher um dos oito tipos de refrigerantes: Coca Urtiga. Soda Picante. Bloody Cola. Black Sprite. Fanta Mórbida. Cactus Cola. Cola Ardida. Cola Arroto.

ENTRE TANTAS OPÇÕES, PRATICAMENTE NÃO HAVIA OPÇÕES.

As marcas e os rótulos afugentariam muitas sedes humanas. Não a de Marvin que já estava atiçada... E assim ele escolheu e apertou um dos botões.

“TRUUUUUUUUUUUMPT-BLOPT”

E lá veio a latinha.

Marvin bebeu tudo de uma vez só.

Ah! O gosto no final era suave e refrescante: uma mistura de abacaxi com menta e mais vinte e sete ingredientes secretos.

“GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!”

Marvin havia escolhido a Coca Arroto.

COCA ARROTO, VOCÊ BEBE UMA VEZ E ARROTA POR UM MÊS.

Mais à frente, Marvin ficaria sabendo disso.

Por enquanto, pelo menos a sede estava mortinha da silva.

PARA QUEM NÃO SABE AINDA, “MORTINHA DA SILVA” SIGNIFICA COMPLETAMENTE MORTA. TÃO MORTA QUE ATÉ SOBRENOME TEM.

Mais uma informação: Mortinha da Silva é também o nome de uma bruxa que mora lá no Mundo de Almíscar.

Mas retornando ao Marvin, ele continuou andando pela loja. A próxima seção era a de Cabeças Decepadas. Última moda entre muitos bruxos que só se preocupam com coisas da moda: enfeitar a casa com cabeças humanas decepadas.

CABEÇAS HUMANAS DECEPADAS, MAIS UM PRODUTO EXCLUSIVO DA LOJA BLOOMINWITCH.

Muitas eram personalidades famosas no Mundo Humano.

DEZ MIL CABEÇAS MORTINHAS DA SILVA.

“Ei você aí!!!”

“????”

“É, você mesmo que está escrevendo essa história. Peço-lhe o favor de não ficar usando o meu nome em vão! Se isso continuar acontecendo, eu vou me zangar, e você não vai querer sentir as terríveis conseqüências!”

....................................................................................................................................

POR MOTIVOS DE FORÇA MAIOR, A EXPRESSÃO “MORTINHA DA SILVA” NÃO SERÁ MAIS USADA A PARTIR DE AGORA.

....................................................................................................................................

Marvin conseguiu identificar as cabeças mais próximas de seu ângulo de visão. Não estava a fim de continuar andando entre tantas: morbidamente humanas, conhecidas ou não. Não era medo, mas dava uma sensação desagradável no peito.

George W. Bush ironicamente aparecia pendurado entre Sadan Hussen e Bin Laden. Michael Jackson mais ao lado, junto de Tony Blair. Algumas cantoras famosas: Madona, Britney Spears, Enya, Barbra Streisand, Lisa Mineli estavam próximas... O jogador de basquete Michael Jordan vinha ao lado de Pelé, Ronaldinho, Guga, Maradona e Michael Schumacher...

CABEÇAS DECEPADAS COM CERTIFICADO DE GARANTIA E PROCEDÊNCIA.

Marvin identificou ainda as cabeças das atrizes Cameron Dias, Sandra Bulock, Julia Roberts... e as cabeças dos atores, Jim Carrey, Eddie Murphy, Jack Chan, Steve Martin, Silvester Stalone e Jean Claude Van Damme.

--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!



UMA QUESTÃO PARA FICAR NO AR ATÉ QUE ALGUM DIA, QUEM SABE, CAIA NO CHÃO: SERÁ QUE AS PESSOAS FAMOSAS PERDEM A CABEÇA MAIS FACILMENTE QUE AQUELAS NÃO FAMOSAS???



Enquanto Marvin ainda encarava as cabeças, George W. Bush começou a tremer, suar, fazer caretas... Até parecia que várias moscas e aranhas invisíveis estavam perturbando sua cabeça e o “penteado laquê”. Era engraçado ver alguém que já se achara tão importante naquela condição reles ridícula.

George W. Bush mexia o nariz e as orelhas, retorcia os lábios finos, vez por outra cuspia no chão... Acostumado a “mandar” e “controlar” as situações, agora era totalmente tomado por forças poderosas de fato... Assim que sua cabeça (e isso era agora a única coisa que ele tinha) começou a rodopiar feito um pião, suas duas orelhas foram arremeçadas para longe. Em seguida o seu nariz...

Quando o “pião’ parou de rodar, George W. Bush já sem maquiagem, sem orelhas, desacompanhado de seu nariz e de cabelos despenteados nem mais parecia George W. Bush.

Eta coisinha feia ficou ele. Não que antes parecesse alguma maravilha da natureza humana.

De sua boca então saiu-caiu um rato branco no chão:

-- Marvin! Até que enfim eu te encontrei!!!

UM RATO FALANTE DE LABORATÓRIO???

-- Carambolas! Nunca tinha visto antes tantas cabeças decepadas juntas!

-- Etecétera??? É você mesmo???

-- Claro que sou eu!!! Quem mais poderia ser, ora bolas??!!

-- Depois de tanto tempo, não estou nem acreditando que é você.

Para não deixar dúvidas, o rato Etecétera já foi se transformando em um pato que já virou um gato que já virou um cachorro que já virou um canguru que já virou um urso que já virou um sapo que já virou um coelho que já virou um leão que já virou uma coruja que já virou um leopardo que já virou um pingüim que já virou um lêmure que já virou um rinoceronte que já virou um ornitorrinco que já virou um chipanzé...

--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!, Desculpe-me, Etecétera!

Aqui no contexto de Marvin, a frase “não estou nem acreditando que é você” não significava realmente “não estou nem acreditando que é você”. Indicava muito mais uma mistura de surpresa com alegria em reencontrar um amigo de muitas aventuras mágicas. Etecétera não entendera a sutileza.

-- Marvin, será que ainda sou seu presente, seu amigo de estimação?

-- Claro, claro que sim! Mas vem cá e me dá um abraço!

Etecétera já foi se aproveitando da situação e pulou-se-agarrou no ombro de Marvin. COISAS DE CHIMPANZÉ!

-- Puxa, Etecétera! Você é um chimpanzé bem dos pesados.

-- Posso virar outro bicho se você quiser. Que tal um amigo crocodilo?

-- Não! Não! Você de amigo chimpanzé está muito bem! Muito bem mesmo!

E RIRAM OS DOIS...

--GRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!, Desculpe-me de novo, Etecétera! Mas não consigo controlar.

-- Marvin, você não precisa ficar se desculpando por isso. Aliás, em quase todos os mundos mágicos arrotar nunca foi falta de educação. Muito pelo contrário. É saudável. Gostoso. Existem até concursos de arroto em vários mundos. Só não vale arroto artificial.

-- Arroto artificial????

-- Tipo o seu assim. Arroto da Coca Arroto não vale nos Concursos de Arroto.

--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!, Então não vou mais pedir desculpas, Ok?!

Já que Marvin não perguntou, alguém possivelmente deve estar se perguntando, o que Etecétera fazia dentro da boca de George W. Bush... A resposta é simples, deveras simples. Muitos seres mágicos ao se transportarem de um mundo a outro podem acabar caindo nos lugares mais inesperados, estranhos e esdrúxulos.

Cheio de aventuras novinhas em folha, Etecétera estava ansioso para começar a narrá-las em seus pormenores.

-- Marvin, tenho tantas coisas para te dizer. A minha vida, nesses últimos tempos, esteve recheada de acontecimentos...

-- Etecétera, eu quero muito ouvir suas histórias, mas agora não posso. Preciso salvar Lenora, já nem sei mais se ainda há tempo para isso. Preciso das mini-pílulas do Elvis, da minha mochila com asas, do livro de carne... E tudo ficou lá no Mundo Azul, mais precisamente na Caverna do Caracol do Tempo. GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOO OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!

-- Caverna do Caracol do Tempo! Infelizmente já ouvi falar. Mas não sei se posso ir lá, Marvin. Você é meu amigo, mas esse caracol, a lesma carnívora monstruosa e sanguinolenta, os lobisomens azuis... É demais para mim. Vou ser sincero, já estou quase morrendo de medo.

“Quase morrendo” era um exagero, mas que Etecétera estava tremendo, isso estava. Tremendo da cabeça de chimpanzé até os pés de pato.

PÉS DE PATO???

Isso mesmo. O medo era tão grande que havia tornado Etecétera um ser quase híbrido: um quase CHIPATO.

-- Etecétera, só você pode me ajudar agora.... E não se preocupe, o caracol do tempo já não está mais lá na caverna. E os lobisomens azuis foram destruídos pela espada Excalibur.

-- Por que você não me disse isso antes??? Se é assim, se a pressa é tanta, eu já vou e já volto antes que você conte até seis.

“CLICK” (foi o som que se fez assim que Etecétera sumiu)

UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS, SETE, OITO, NOVE, DEZ, ONZE, DOZE, TREZE, QUATORZE, QUINZE, DEZESSEIS, DEZESSETE, DEZOITO, DEZENOVE, VINTE, VINTE E UM, VINTE E DOIS...

“CLOCK” (foi o som que se fez assim que Etecétera apareceu)

-- Tá vendo?! Já estou de volta!

-- É, mas eu contei até vinte e dois! – brincou Marvin, mas Etecétera também não entendeu a sutileza da brincadeira.

-- Este é o seu problema. Você conta rápido demais. E além de tudo, não pense que é fácil assim achar coisas em uma caverna escura. Mas aqui estão elas.

Marvin pegou primeiro a mochila com asas (com o Torresmo dormindo dentro) e já foi colocando-a nas costas. Em seguida, Etecétera lhe passou as quatro mini-pílulas.

-- Marvin, tenho uma reclamação a fazer sobre a sua mochila com asas. Ela não estava querendo vir comigo e eu tive que dar-lhe uns bons safanões. Aí ela se acalmou. Não sei se ela já tem nome, mas se não tiver... que tal você chamá-la de Avoada? Avoada é um bom nome, não? Penso eu que todas as coisas deveriam ter nome próprio, pelo menos aquelas que nos são mais íntimas, mais especiais. Avoada deve ser especial pra você. Apesar de eu não ir muito com a cara dela e ela também não ir muito com a minha... Uma pedra especial não é apenas uma pedra. Uma árvore especial não é simplesmente uma árvore especial. Uma roupa especial não pode ser apenas uma roupa especial. Todas essas coisas precisam de nome, de um nome especial também...

Enquanto Etecétera falava e falava, Marvin já foi engolindo a mini-pílula amarela e ficou aguardando os seus efeitos:

PRIMEIRO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: em dezoito segundos Marvin desapareceu, deixando Etecétera falando para as paredes, ou melhor dizendo, deixando Etecétera falando para as cabeças decepadas.

“Já que fiquei aqui sozinho, acho que vou aproveitar para fazer umas comprinhas.” (para Etecétera não existia loja “fechada” e o que ele queria ele levava mesmo, sem nenhuma cerimônia)

SEGUNDO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: Marvin entrou pelo cano. Não por um cano comum, mas por um imenso tubão de plástico.

Um verdadeiro tubão escorregador cujo destino final não era uma piscina refrescante, cheia de gente brincando....

Marvin foi escorregando, escorregando, até despencar num abismo de nada. Lá embaixo, acabou caindo em uma cápsula transparente que aos poucos foi se aderindo a seu corpo.

TERCEIRO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: completamente desconfortável, Marvin virou o menino cápsula. Com foguete na ponta dos pés.

Talvez parecesse mais um menino-foguete. Mas isso é apenas questão de terminologia. E como o foguete parecia mais uma cápsula do que um foguete e já que uma cápsula pode ser também um foguete, vamos ficar com ela.

Sem condições para movimentar: nem mãos nem braços nem pernas nem pés nem nariz nem orelhas... NEM QUASE NADA... Marvin só ficou aguardando o próximo efeito da pílula amarela.

Apesar de todo “capsulado”, Marvin conseguia respirar normalmente. Coisas da magia. COISAS DA MAGIA.

QUARTO EFEITO DA PÍLULA AMARELA:

Diante de seus olhos, apareceram palavras vermelhamente luminosas, indicando o que ele então devia fazer... Estava ali o dito “Manual de Instruções” mencionado por Elvis:

-- Pisque bem forte os dois olhos para dar a partida;

--Pisque três vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula verde;

-- Pisque uma vez o olho direito para ir para a direita;

-- Pisque uma vez o olho esquerdo para ir para a esquerda;

-- Pisque duas vezes o olho direito para ir para cima;

-- Pisque duas vezes o olho esquerdo para ir para baixo;

-- Pisque três vezes o olho direito e duas vezes o olho esquerdo para fazer um

“parafuso”;

-- Morda uma vez língua bem forte para ganhar mais e mais velocidade;

-- Morda a língua duas vezes ou mais para desacelerar;

-- Pisque quatro vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula vermelha

antes de:

-- Piscar cinco vezes o olho esquerdo para inicializar a “descapsulação”;

-- Pisque seis vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula branca.



Para Marvin não se esquecer de todos os tipos de piscadelas, as palavras luminosas permaneceram diante de seus olhos, mais ao canto da “tela”, ou melhor dizendo, mais ao canto de seu campo de visão... Quase nem dava para ler direito, era preciso fazer um bom esforço. Marvin não precisou... sua memória, agora bem esperta, já havia gravado todas elas.

Assim que ele piscou bem forte os dois olhos: muitos cavalos invisíveis de força mágica fizeram com que a “turbina” da cápsula-foquete, abaixo de seus pés, entrasse em ação.

E MARVIN COMEÇOU A GANHAR O VÔO SUPER-SUPER-SUPER-SUPER-SÔNICO.

Em seguida, ele piscou três vezes os dois olhos e a mini-pílula verde apareceu juntinho de sua boca. Aí foi só colocar a língua para fora, isso ele ainda conseguia fazer bem, e engolir a dita.

O efeito da verdinha começou a formar um túnel-redemoinho verde alguns quilômetros de distância dos olhos de Marvin.

PARA SE CHEGAR ATÉ A DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS, PRIMEIRO É NECESSÁRIO ATRAVESSAR O “ESPAÇO MÓRBIDO”.

Marvin mordeu então a língua para ganhar velocidade.

O túnel-redemoinho foi ficando cada vez mais próximo e cada vez maior.

GIGANTESCO.

Marvin entrou no túnel verde como entraria a nave Interprise do filme Jornada nas Estrelas... Devido a velocidade super-super-super-super-sônica, os “objetos-asteróides-meteoros” que passavam por ele pareciam manchas e riscos.

Marvin ia se desviando de todos com suas piscadelas direcionais: direita, esquerda, esquerda, para baixo, desacelerar, esquerda, direita, direita, acelerar, para baixo, parafuso, direita, etc, etc, etc.

De repente, um “piripaque” mágico e a velocidade super-super-super-super-sônica começou a perder seus superlativos:

...super-super-super-sônica.

...super-super-sônica.

...super-sônica.

...sônica.

...sôni...

...sô...

...

Marvin mordeu a língua até sangrar, mas não adiantou nada. E assim ele ficou à deriva no Espaço Mórbido, enquanto corpos e mais corpos, cadáveres e mais cadáveres (de todos os tipos, espécies e tamanhos) passavam próximos dele.

Vez por outra um-corpo-humano-ou-não lançava seu jato de líquido estomacal podre sobre Marvin-cápsula.

CADÁVERES LUMINOSOS SUBSTITUÍAM ESTRELAS.

ASTERÓIDES FANTASMAGÓRICOS ERAM ZUMBIS GIGANTES COM ATÉ TRÊS QUILÔMETROS DE EXTENSÃO.

Apesar das horripilantes imagens, muitas certamente proibidas para menores de 18 anos, Marvin não tinha mais medo algum. Era como se todo o seu estoque de medo tivesse chegado ao fim.

O MEDO É LÍQUIDO. E nem uma gota restava.

O MEDO CORRE NAS VEIAS... ÀS VEZES SE FAZ DE SUOR E TRANSPIRA... O MEDO URINA NAS CALÇAS. O MEDO CHEIRA. O MEDO FEDE. O MEDO FAZ CRESCER AS UNHAS, OS PÊLOS E OS CABELOS. O MEDO DÁ DOR DE DENTE.

Sem medo do medo, sem medo de morrer, Marvin tinha suas chances de se salvar diminuídas drasticamente.

O MEDO PODE SER NOSSA PERDIÇÃO. O MEDO PODE SER NOSSA SALVAÇÃO.

Restava Excalibur para ajudar.

Não. Melhor não. Qualquer buraco ou mesmo furo na cápsula e Marvin estaria morto em menos de um minuto. Portanto, era melhor que a espada permanecesse quieta dentro de seu peito.

Segundo uma das leis do filho de Murphy: “Quando certas situações desesperadas parecem não mostrar a luz no fim do túnel é porque não há luz e nem fim do túnel.”

FELIZMENTE, CERTAS LEIS NÃO VALEM PARA TODOS OS MUNDOS.

Marvin tinha ainda os cabelos verdes e, com certeza, milhares de Magos Merlins da Távola Redonda Mística torcendo anonimamente por ele. Cada qual em seu mundo mágico.

Sem poder se movimentar, o menino-cápsula acabou dormindo... Dormindo profundamente... Efeito colateral das mini-pílulas??

TALVEZ.

Cadáveres, cadáveres e cadáveres, um mais estranho que o outro, continuavam passando... até que, para interromper a monotonia mórbida, um zumbi de dois quilômetros de comprimento abriu sua bocarra, engolindo tudo, ou melhor todos, num raio de cem metros...

ENQUANTO ISSO, na Loja Bloominwitch, Etecétera se deliciava com um sorvete de máquina, sabor: chocolate azul com rum exotérico.

ENQUANTO ISSO, Tipo Assim viajava de mundo em mundo à procura da Misteriosa Criatura da Caixa Preta: “Esse cara me passou pra trás... Esse desgraçado me passou pra trás... Mas ele ainda me paga, mesmo que seja a última coisa que eu faça...”

ENQUANTO ISSO, o agora mais minúsculo ainda dragão Elvis Presley também viajava pelos mundos mágicos atrás de suas bolas de carniça.

ENQUANTO ISSO no Mundo de Almíscar, os seus habitantes liam “Entrevista com o Vampiro”.

ENQUANTO ISSO...

Chega de tanto “enquanto isso”... e voltemos a... onde nós estávamos mesmo?

Ah! Sim! O Zumbi gigantesco.

Zumbis gigantescos só existem no Espaço Mórbido. Zumbis gigantescos são também gigantescos cemitérios ambulantes.

E Marvin estava agora totalmente adormecido dentro de um deles, bem mal acompanhado de milhares e milhares de cadáveres.

MAIS PODRE QUE UM ZUMBI POR FORA, SÓ MESMO UM ZUMBI POR DENTRO.

Marvin continuou dormindo por horas a fio. Parecia não estar “disposto” a acordar tão cedo. Talvez tivesse contraído alguma DOENÇA DO SONO MÁGICO.

DOENÇAS DO SONO MÁGICO SÃO MUITÍSSIMO MAIS DURADOURAS QUE AS DOENÇAS DO SONO CONVENCIONAL. ALGUMAS PODEM DEMORAR A ETERNIDADE DE MIL ANOS.

Excalibur precisava fazer alguma coisa. E fez: a única coisa não perigosa que estava a seu alcance...

E assim uma forte queimação no peito acordou Marvin.

Dentro do zumbi gigantesco alguns pedaços de carne podre caíam vez por outra do “teto”. Ao longe, cinco criaturas monstruosas reuniam-se junto a uma fogueira, assando o que parecia ser uma perna humana.

Marvin piscou bem forte os dois olhos para dar a partida.

Nada aconteceu.

Marvin insistiu mais três vezes até que a “turbina” da cápsula-foquete resolvesse também acordar e entrar finalmente em ação.

Poucos segundos depois, o menino-cápsula já havia atravessado a carne podre do zumbi gigantesco. E novamente no espaço Mórbido, ia desviando os cadáveres do caminho.

Mesmo com a língua toda machucada e dolorida, raio e relâmpagos em sua frente fizeram Marvin desacelerar, desacelerar, desacelerar...

Ninguém escapa dos raios do Espaço Mórbido. Marvin não sabia disso. Ficou um tempo parado, esperando que aquela tempestade luminosa terminasse ou, ao menos, diminuísse...

Enquanto esperava, um longo raio-chicote o acertou em cheio, lançando-o na direção da boca da tempestade.

A CÁPSULA-FOGUETE POSSUÍA UM ESCUDO ANTI-RAIOS.

Mais raios e raios e raios chicotearam-surraram o menino-cápsula...

Já não adiantava piscar os olhos ou morder a língua.

Marvin acabou então sendo sugado por um chupão espacial...

CHUPÃO ESPACIAL É UM BURACO NEGRO QUE ENGOLE TUDO, INCLUSIVE A LUZ.

Marvin foi engolido... e mais à frente... desengolido no abismo das Trevas Sólidas.

“BLOPT!”

A queda até que foi suave. Bem em cima de um cemitério.

Não. Nas Trevas Sólidas não existe “um cemitério”. Melhor dizendo, lá quase tudo é cemitério. Um cemitério infinito que segue planícies, sobe montanhas, desce precipícios...

Marvin sentiu que já era “hora” de se descapsular. Antes disso porém, ele piscou quatro vezes os dois olhos: a mini-pílula vermelha saiu rapidinho de seu bolso e em poucos segundos, por baixo da ROUPA-ELVIS-PRESLEY, ela veio chegando, chegando até o pescoço e depois já estava em seus lábios se prontificando para ser engolida.

Na Dimensão das Trevas Sólidas, sem a mini-pílula vermelha, Marvin enlouqueceria. O mau cheiro insuportável vai comendo as narinas por dentro. Depois toma conta do corpo todo e da alma também.

Já com a mini-pílula engolida, Marvin podia respirar normalmente. O ar-cheiro de urubus-cadáveres-fossa-e-de-todas-as-coisas-podres-juntas parecia agora feito de flores.

FLORES DE CEMITÉRIO. FLORES MURCHAS. FLORES PODRES. E FLORES DE PLÁSTICO QUE NÃO MORREM NUNCA...

Agora sim. Marvin já podia piscar cinco vezes o olho esquerdo para a descapsulação acontecer.

E assim ele fez.

O seu corpo foi então todo descapsulado dos pés até a cabeça em ligeiros segundos.

Ah! Restava ainda engolir a mini-pílula branca.

Marvin piscou seis vezes os dois olhos e ela, do jeito da vermelha, veio por baixo da ROUPA-ELVIS até sua boca.

Marvin engoliu a última mini-pílula, mesmo não sabendo no que ela iria ajudá-lo. Mas com certeza iria.

A MINI-PÍLULA BRANCA NÃO SE MANIFESTAVA DE IMEDIATO. SEUS EFEITOS APARECIAM AOS POUCOS, DE ACORDO COM AS NECESSIDADES PSICOLÓGICAS DO MOMENTO.



Na Dimensão das Trevas Sólidas, para todo lado que se olhasse, havia lápides e mais lápides e mais lápides... Com escritas conhecidas e símbolos estranhos.

O céu era sempre negro devido às nuvens pretas feito breu. Vez por outra, elas se dissipavam e aí milhões de urubus e corvos vindos delas tomavam conta do ar, da terra, de tudo.

Havia também nuvens de moscas varejeiras. Super-moscas ferozes, do tamanho de pardais. Super-moscas famintas e tão ou até mais barulhentas que as aves pretas.

Infelizmente Marvin havia chegado em má hora (se é que se pode dizer isso em um lugar onde só existiam horas más).

HORA DA TEMPESTADE DE URUBUS-CORVOS-E-SUPER-MOSCAS.

No começo dava a impressão que o céu estava escorrendo feito uma pintura.

O céu pingava milhões de pingos pretos.

E os pingos iam crescendo à medida que se aproximavam... E os pingos se “transformavam” em urubus, corvos e super-moscas.

Marvin se escondeu dentro de um túmulo semi-aberto... Entrou no caixão vazio e fechou ligeiramente a tampa, deixando apenas um pequeno friso para ver e “urubuservar”, ou melhor dizendo, observar.

Ainda bem que os urubus-corvos-e-super-moscas se cansavam ligeiro...

LIGEIRO, AQUI NO CASO, SIGNIFICAVA MAIS OU MENOS UMA HORA DE SESSENTA MINUTOS COM MINUTOS NORMAIS DE SESSENTA SEGUNDOS.

Uma hora zanzando pelos ares. Vôos rasantes. Excrementos sobre as lápides. E um mal cheiro ampliado... Melhor dizendo, um fedor enlouquecedor: quente, de penas e de piolhos e de fezes e de vermes e de carne podre e de tudo o que é terrivelmente mal cheiroso.

Marvin não sentia nada disso graças a mini-pílula vermelha. Mas se sentisse, vocês já sabem o que iria acontecer...

O barulho de milhões e milhões de criaturas voantes também não era nada agradável. Mas aí não morava o perigo. Nada de tão ensurdecedor. Nada de mortal quanto o fedor.

Uma hora de espera pode significar quase a eternidade. Tirando o exagero, uma hora de espera, cansa, como cansa...

Marvin já estava com medo de que aquela “voação” não tivesse mais fim.

Medo. A pílula branca havia dado ao menino dos cabelos verdes novamente esse sentimento tão necessário a todos os animais.

MEDO É PROTEÇÃO.

O MEDO NOS SEGURA. O MEDO NÃO NOS DEIXA PULAR DE UM PRÉDIO ALTO, NEM DE UM BAIXO. O MEDO NÃO NOS FAZ BRINCAR COM COBRAS VENENOSAS E OUTROS BICHOS PEÇONHENTOS. O MEDO NÃO NOS ATIRA NA FRENTE DE CARROS EM ALTA VELOCIDADE...

O MEDO PODE SER NOSSO MELHOR AMIGO.

Marvin quase dormiu dentro do caixão carcomido por vermes.

PARA AQUELES QUE NÃO SABEM AINDA, INCLUINDO AQUI ATÉ CIENTISTAS RENOMADOS: O MEDO PODE DAR SONO. O MEDO PODE DAR MUITO SONO.

Quando o barulho da “voação” cessou, Marvin despertou com o silêncio.

Agora já dava para sair da “tumba” e enfrentar os novos perigos que certamente viriam pela frente...

Em poucos segundos, Marvin já estava voando com sua mochila à procura de Lenora e do Caracol do Tempo.

Entre tantas lápides, não ia ser nada fácil encontrar a menina loira...

Em compensação, um caracol gigante não conseguiria se esconder tão fácil.

NAS TREVAS SÓLIDAS, AS COISAS NUNCA PERMANECEM MUITO TEMPO COMO SE APRESENTAM...

Marvin voou quilômetros acima das lápides... E depois acima de túmulos e Mausoléus...

De repente, esqueletos de luz passaram a surgir do nada: três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito...

Marvin parou no ar como fazem os beija-flores.

...Vinte esqueletos luminosos. Vinte esqueletos ‘humanos” e não-humanos.

Todos juntos formaram um círculo de luz.

Talvez estivessem fazendo algum tipo de reunião.

ALGUM TIPO DE MAGIA PARA ESCAPAREM DAS TREVAS SÓLIDAS?????????

Ledo engano.

Todos juntos os esqueletos foram se aproximando do centro do círculo... E então uns “engoliram” os outros até restar apenas um.

UM IMENSO ESQUELETO DE LUZ.

Marvin sentiu medo.

A mini-pílula branca estava desempenhando bem o seu papel. E por enquanto sem efeitos colaterais.

E AGORA????

Agora sim era hora da espada Excalibur dar o ar de sua graça, ou melhor dizendo ainda, DAR O AR DE SUA DESGRAÇA para os inimigos de Marvin.

E assim foi: Excalibur despertou rapidinho, logo que sentiu o coração do menino verde batendo rápido e aflito de medo...

Agora a espada já saía por si própria sem esperar pelo “pedido oficial” de Marvin. Afinal depois de “conviver” intimamente com o menino, ela já sabia o que ele sentia, quando, como e porquê...

Em poucos segundos, Excalibur atravessou o peito de Marvin para crescer, crescer, crescer, mais do que nunca... Desta vez ele não sentiu dor alguma.

Já a visão da super espada Excalibur, maior que uma cruz em tamanho natural, fez com que o super esqueleto de luz repensasse suas estratégias de ataque: ao invés de lançar jatos de luz fedorenta, ele resolveu emitir pela boca cadavéricas bolas de fogo piolhento.

FOGO PIOLHENTO. NÃO EXISTE NADA PIOR DO QUE ISSO. PELO MENOS É O QUE DIZEM AQUELES QUE JÁ O EXPERIMENTARAM E CONSEGUIRAM SAIR “VIVOS”, OU MELHOR, UM POUCO “MENOS VIVOS” DA HISTÓRIA.

Excalibur cortou todas as bolas no ar.

Insistente, o super esqueleto de luz lançou uma rajada delas. Ele até parecia trããrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrããrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrã uma boca metralhadora.

Excalibur, muito mais veloz ainda, conseguiu estraçalhar todas as bolas de luz que se desintegraram no ar sem deixar vestígios piolhentos. Enquanto isso Marvin só observava, mantendo uma distância de mais ou menos cinqüenta metros.

Agora era a vez de Excalibur atacar.

Antes que o super esqueleto tentasse outra estratégia, se é que tinha ainda alguma, a espada mergulhou velozzzzzzzzzzzmente em sua direção... Não deu tempo de pensar nada.

“TROMPTRUM!!!”

E Excalubur explodiu o super esqueleto de luz. Seus ossos caíram apagados sobre lápides, túmulos e no chão negro da morte. Mas não ficariam assim por muito tempo. Na verdade, não ficaram assim por tempo algum.

A FACE OCULTA DO SUPER ESQUELETO DE LUZ ESTAVA PARA SER REVELADA.

Feito lagartixas, os ossos começaram a andar-se-arrastar pelo chão, todos “caminhando” na mesma direção.

Aos poucos uma grande montanha ossuda foi se formando... E assim que o último osso do esqueleto se uniu aos seus “colegas”, todos eles começaram a derreter, dando origem a uma enorme poça de líquido branco viscoso e espumante.

Mas a poça gosmenta não ficou quieta não. Começou a crescer e crescer e crescer como se tivesse muito fermento em sua composição. De poça virou bolha...

Uma bolha gigante que foi se moldando na forma de um caracol.

Isso mesmo. O super esqueleto de luz era na verdade o Caracol do Tempo disfarçado. Só que agora com a lesma sanguinolenta morta.

Finalmente Marvin podia salvar a amiga Lenora.

MAS COMO?

Por enquanto ele ainda não tinha a menor idéia.

Era como ter uma máquina do tempo nas mãos e não saber usá-la.

INSTINTIVAMENTE, DEPOIS DE MUITO TEMPO, MARVIN COÇOU OUTRA VEZ A CABELEIRA VERDE.

E nada aconteceu. Nenhuma idéia. Nem maior nem menor. Nem mesmo a sombra de alguma coisa que pudesse ajudá-lo.

SOMBRAS GOSTAM DE FREQÜENTAR CÉREBROS. MUITAS VEZES SÃO A ORIGEM DE GRANDES INVENÇÕES, DE NOVOS FEITIÇOS, DE MÁGICAS INÉDITAS E PODEROSAS.

Excalibur que, por enquanto, já havia feito o seu trabalho diminuiu-se e retornou ao peito de Marvin.

AH! E a roupa de Elvis. Marvin já não estava mais se sentindo bem com ela (na verdade nunca realmente estivera). Ainda mais com aquele buraco queimado que atravessava o colete e a camisa branca. Com certeza, referiria sua velha camiseta e sua calça jeans. Tênis comuns também iam bem.

NOVAMENTE , MARVIN COÇOU A CABELEIRA VERDE.

E novamente nada aparente aconteceu.

Marvin pousou então no imenso Caracol Gigante, enquanto lá embaixo a cabeça da Lesma Carnívora ia aos poucos se derretendo como se tivessem jogado sal sobre ela.

Tudo se manteve em silêncio sepulcral por alguns minutos.

E então: BLUM, BLOMPT, PROMT, TRUMP, FLOBT, TROCT, TRAMPT, TRUNCT, RAMPT...

... Cadáveres humanos e sobrehumanos começaram a chover do céu escuro.

Marvin levou um susto.

Marvin ficou com medo. Um medo terrível.

A mini-pílula branca estava funcionando bem.

...BLUM, PROMT, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, BLUM, BLOMPT, TRUMP, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, BLUM, BLOMPT, PROMT, TRUMP, TROCT, RAMPT, BLUM, BLOMPT, TRUMP, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, RAMPT, PROMT, FLOBT, TROCT, TRUNCT...

Antes que algum cadáver caísse sobre ele, Marvin voou-correndo para dentro de um mausoléu e ali ficou... Tremendo todo... Da cabeça até os pés.

A mini-pílula branca estava realmente funcionando bem.

...BLUM, PROMT, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, BLUM, BLOMPT, TRUMP, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, BLUM, BLOMPT, PROMT, TRUMP, TROCT, RAMPT, BLUM, BLOMPT, TRUMP, FLOBT, TRAMPT, TRUNCT, RAMPT, PROMT, FLOBT, TROCT, TRUNCT...

A chuva de cadáveres continuou pela eternidade de meia hora...

Até se perder de vista, corpos e mais corpos haviam “inundado” as lápides, os túmulos... Tudo.

A ÚNICA VISÃO ERA A DA MORTE QUE LEMBRAVA UMA GUERRA SEM FIM.

Dentro do mausoléu, Marvin estava agora preso, soterrado pelos cadáveres.

Depois da “chuva’... algo tão ou mais tenebroso começou a se formar. Primeiro: BRONDROUNHOUNDROMNHAMBRUMBRUMBRUM... veio o som, ou melhor, o barulho... Bem das entranhas do chão da morte... Uma mistura de dor de barriga gigante com marretadas em paredes de concreto.

E ENTÃO ondas de piche foram surgindo... Ondas com até vinte metros de altura, levando montanhas de corpos podres... Ondas e mais ondas de piche, engolindo também túmulos, lápides e...

Inexplicavelmente apenas “o mausoléu de Marvin” permaneceu intacto diante a fome devoradora das ondas.

NA DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS, ONDAS DE PICHE SURGEM GERALMENTE DEPOIS DE UMA BOA CHUVA DE CADÁVERES.



ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Diga “A”!

-- Ã!!

-- Diga “A”!

-- Ã!!

-- Diga “A”!

-- Ã!!



...UMA GORDA VELHA TODA PELUDA SE CONSULTAVA COM O DOUTOR MAXIMILIAN TRAPUTINUS, UM “QUASE” FAMOSO CORUJOMEM FORMADO EM MEDICINA MÁGICA MILENAR POR CORRESPONDÊNCIA.



--Mas afinal, a senhora não consegue dizer um simples A?

-- Decupe, dotô! É esã minhã linguã que nã dexã!

-- Só por causa desses pêlos bobos aí ???

-- Pois é, dotô!

-- Calma! Calma! A senhora não precisa mais se desesperar! Eu tenho aqui comigo uns supositórios de urtiga-pimenta que são uma maravilha. Curam praticamente tudo.

-- Supo-si-tó-ri-o de utigã pimentã, doto ???

-- Não se preocupe! Eles não ardem e nem queimam tanto assim. Eu mesmo já experimentei várias vezes... Use dois ao dia... Em pouco tempo a senhora estará praticamente curada. AH! Eu vou deixar aqui com a senhora algumas amostras grátis...



A velha peluda era mais de noventa e cinco por cento peluda: mãos peludas, dedos peludos, unhas peludas, corpo todo peludo. SÓ A CARA DA VELHA NÃO ERA PELUDA... E pelo menos os seus longos cabelos brancos estavam penteados para trás.

A velha peluda podia ficar tranquilamente pelada em qualquer lugar. No máximo iam achar que ela era irmã de algum Pé Grande.

A cabeça da velha peluda parecia ter sido batida no liquidificador. Sua pélvis facial, se é que aquilo podia ser chamado de pélvis, lembrava uma massa de carne molengona, ou melhor dizendo, “molenguenta”... Algum feitiço mal feito colou as coisas nos lugares errados. A boca da velha era no lugar olho esquerdo e o olho esquerdo no lugar do nariz e o nariz no lugar da boca e no queixo ficava a orelha direita e no lugar da orelha direita não ficava nada.



























CAPÍTULO 12

A TÃO ESPERADA VIAGEM

“Que cada um procure as verdades

que moram em seu coração

e além das montanhas azuis.”

(Frurbal Gruinhorth, poeta saskatchuano)



-- A senhora me chamou?

-- Chamei sim! Preciso muito, muito mesmo de seus préstimos.

-- Préstimos, o quê?

-- De seus favores!

-- Favores eu faço, mas não faço de graça.

-- Disso eu já sei. Mas não se preocupe. Eu tenho aquilo de que você mais gosta: diamantes. Muitos diamantes. Enormes diamantes.

-- Aí já é outra história, Madame!

-- Madame? Esta é a primeira vez que alguém me chama de madame. Madame.... Madame.. Gostei. Pode me chamar a partir de agora sempre assim: Madame, Madame.

-- Pois não, Madame-Madame?! Mas em que eu posso servi-la?

-- Tenho alguns planos e preciso de você para me ajudar.

-- Então a Madame-Madame chamou o sujeito certo.

-- Um amigo meu me falou muito bem de você. Disse que não há em todos os mundos duende mais esperto, rápido e competente.

-- Bem, já que a senhora está aqui na Caverna do Caixa, então deduzo que esse seu amigo só pode ser ele mesmo, o Caixa.

-- Sim! Eu e o Ma... quero dizer, eu e o Caixa já somos amigos há um bom tempo.

-- Safado! Ele sumiu sem se despedir e sem pagar parte do que me devia. Onde está ele agora?

-- AH! Isso não posso dizer! (na verdade Madame-Madame não sabia) Jurei que não contaria para ninguém nem o seu verdadeiro nome e nem o seu paradeiro.

-- Para... o quê?

-- Paradeiro!

-- Nossa que palavra bonita! Paradeiro! Paradeiro! Paradeiro!

-- Significa apenas lugar onde alguém se encontra.

-- Paradeiro! Gostei! Amei! A partir de agora a Madame-Madame pode me chamar de Paradeiro.

-- Tem certeza?

-- Mais certeza do que nunca.



ENQUANTO ISSO NA DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS:

Marvin já podia sair do Mausoléu. As ondas de piche haviam levado toda a inundação de cadáveres para as profundezas... Milhares e milhares de lápides e túmulos também foram junto...

Assim que abriu a porta, tudo estava aparentemente mais suave, calmo, claro... Menos terrível e menos feio também.

“Depois da tempestade, a calmaria.”

E ENTÃO MILHARES E MILHARES DE ESQUELETOS DE LUZ FORAM SURGINDO NO CÉU CINZA PARA DANÇAR. À distância dos olhos nem pareciam esqueletos, mas apenas pontos luminosos, quase estrelas.

Inesperadamente um tiro. E um dos pontos de luz veio caindo, caindo... até se tornar realmente esqueleto de luz. “PLOFT” no chão - a dez metros do susto de Marvin.

“Só espero que esse aí não resolva se unir a outros e virar um só!” -- pensou ele.

Poucos segundos depois: outro tiro... e outro... e outro... e outro.

Excelentes miras e mais quatro esqueletos atingidos.

PELO JEITO ESTAVA INICIADA A TEMPORADA DE CAÇA...

Mais tiros... e tiros... e tiros... e tiros... E os tiros vinham de muitos lados.

Marvin conseguiu identificar um atirador-zumbi escondido atrás de uma lápide trincada. E depois outro mais adiante...

Nisso tudo uma pergunta ficou no ar: “Por que será que estão atirando nos esqueletos de luz?”

Entretanto outras perguntas mais importantes tinham prioridade na mente de Marvin:

- Onde foi parar o Caracol do Tempo?

- Como chegar até ele?

- Como viajar no Caracol?

- Como salvar Lenora?

- Como? Como? Como?



ERAM MUITOS “COMOS FAMINTOS” E NENHUMA RESPOSTA PARA ALIMENTÁ-LOS.

A resposta talvez viesse de onde Marvin já não mais acreditava que pudesse vir. Dentro da mochila com asas, o livro de carne começava a se debater sem parar...

Assim que Marvin o pegou, Torresmo se abriu na página C&*&&TYYF$
3333.

Ali estava um estranho mapa. Cheio de ossos e mais ossos e um ponto vermelho marcado.

De repente, outro mapa substituiu o anterior. Agora dava para ver o desenho de um menino e uma legenda abaixo: “Marvin”.

Ao lado do desenho uma linha amarela começou a se formar e foi-foi subindo e descendo colinas até chegar em um grande X branco. Aí apareceu uma instrução escrita: enterre-se 50 metros”.

“Enterre-se 50 metros???????????”

Primeiro Marvin achou aquilo tudo estranho e sem sentido. Depois, pensando melhor, a lógica se estabeleceu.

“Mas como??? Como eu vou chegar até lá??? Se ao menos eu fosse um tatu???”

Em seguida, a observação de Marvin fez com que Torresmo mudasse rapidamente de página para apresentar algumas informações sobre o tal animal mencionado:



TATU-PELUDO

FILO: Chordata

CLASSE: Mammalia

ORDEM: Carnívora

FAMÍLIA: Edentata

NOME CIENTÍFICO: Euphractus villosus

CARACTERÍSTICAS:

Comprimento; até 40 cm, mais 30 cm, para a cauda.

Peso: até 8 Kg

Dentes cilíndricos, sem raízes



O tatu é um animal bem protegido por uma carapaça córnea, ou casco, que lhe dá o aspecto de guerreiro medieval. Seu tamanho é diminuto se comparado com seus ancestrais pré-históricos, que chegavam a ter o tamanho de um pequeno elefante. Algumas espécies possuem nove faixas articuladas no meio do corpo. Isso lhes permite enrolar-se sobre si mesmos quando ameaçados. Sua cabeça e cauda são bastante protegidas por escamas sobrepostas que funcionam como um carro blindado.

Nas Américas humanas há 21 espécies. Entre as principais estão o desdentado noturno, diferente no tamanho e no habitat e o tatu de nove faixas, também conhecido como tatu galinha (cujo habitat vai dos Estados Unidos humanos até a América do Sul humana).

O tatu galinha cava profundos túneis nos solos leves das florestas e neles passa o dia. Cada toca tem várias aberturas e abriga diversos tatus. Eles saem à noite para procurar alimento, que consiste principalmente em insetos e cobras venenosas. O tatu é rápido em terra firme, mas também pode nadar. O acasalamento ocorre em julho ou agosto. Os filhotes nascem em 9 meses e vão endurecendo aos poucos.





--Torresmo! Não é isso que eu quero!

-- Eu posso ainda lhe mostrar muitos outros tatus!

-- Torresmo! Eu não quero tatu nenhum!

-- Mas eu pensei que...

-- Por favor, não pense!

E então num “VUPT” só, um vento marrom e fedorento, trazendo as fossas de todos os mundos, passou por Marvin que não sentiu mau cheiro algum. Afinal ainda estava protegido pelos efeitos da mini-pílula vermelha (só não se sabe até quando).



Na passagem do vento, algumas escamas afiadas esbarraram no braço de Marvin, mas ele não sangrou desta vez...

O VENTO APRESSADO ESTAVA LEVANDO JUNTO ALGUMA CRIATURA INVISÍVEL TAMBÉM APRESSADA...

Por quase dois minutos, até se dissipar, o ar marrom impedia que se visse a distâncias maiores de dois metros. Enquanto isso Torresmo insistia em mostrar outras páginas... Não queria passar a idéia de ser um livro incompetente.

-- Não, Torresmo! Eu não quero saber sobre caracóis...

-- Mas, mas... Talvez um desses caracóis seja uma pista para...

-- Algo me diz que não.

Marvin já estava ficando cheio de Torresmo. Um livro com bilhões e bilhões de informações e ao mesmo tempo um livro que só servia, no momento, para aborrecê-lo.

-- Pelo menos volte até a página do mapa! – ordenou Marvin.

E assim Torresmo fez.

-- Não esse mapa! O segundo!

E assim Torresmo fez outra vez.

Marvin, então, observou bem mais atentamente o mapa até memorizá-lo. Não foram necessários muitos segundos... Marvin estava ficando bom nisso. Pelo menos nisso.

Infelizmente a cabeleira verde ao invés de ampliar os poderes de Marvin havia restringido-os. Na verdade, não ela, talvez os Merlins da Távola Redonda Mística... Ou sabe-se lá o quê...

A ÚNICA CERTEZA AQUI É QUE EXISTEM MUITO MAIS MISTÉRIOS ENTRE OS MUNDOS MÁGICOS DO QUE PODE SONHAR QUALQUER FILOSOFIA: VÃ OU NÃO.

Agora sim, Marvin podia guardar Torresmo na mochila e seguir até o X...

Dez minutos de vôo e ele já estava no ponto exato...

No que pisou no chão duro sentiu um pequeno abalo sísmico.

Algumas rachaduras começaram a aparecer...

Marvin preferiu ficar uns três metros acima do solo da morte.

...E as rachaduras foram se ampliando, se ampliando, se ampliando...

Marvin preferiu subir nove metros acima do solo da morte.

Os riscos tornaram-se sulcos e valetas... E então tudo desmoronou ao som de um barulho ensurdecedor.

A TERRA ESTAVA COM FOME.

Em pouco tempo um abismo se formou. Nem dava para ver o fim lá embaixo.

Marvin esperou a poeira descer...

E então desceu...

Paredes de ossos acompanharam o seu trajeto vertical: crânios e mais crânios, humanos se misturavam com crânios e mais crânios não humanos.

Fêmurs, costelas, tíbias, clavículas, vértebras, medulas ósseas, perônios, metacarpianos, metatarsianos, falanges, escápulas, sacros, úmeros... As paredes do abismo eram agora um imenso ossuário.

Marvin nem precisou descer até o fim... Na “baixura” dos quarenta metros, lá estava ele: o Caracol do Tempo. Não ele por inteiro, ou melhor dizendo, dava apenas para ver uma pequena parte que o identificava. A “porta de entrada” assim como o resto “enterraram-se” entre crânios e mais crânios, costelas e mais costelas, clavículas e mais fêmurs...

E agora? O que fazer?

Marvin teve a idéia de colocar seu ouvido direito junto à parede do Caracol para ver se ouvia algum som. Talvez algo que lhe servisse de pista...

E assim ele fez.

Lá do fundo do Caracol primeiro veio um pequeno gemido suplicante... Depois o som de um coração batendo, batendo, batendo...

Cada vez mais alto, mais alto, mais alto...

“Lenora!!!” – pensou Marvin.

MAS COMO PODIA SER SE A MENINA LOIRA JÁ ESTAVA MORTA E ENTERRADA ALI MESMO EM ALGUM LUGAR DA DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS?

“Sim, é isso!!! Só pode ser mesmo! O gemido é de Lenora! O coração batendo também! Mas não de Lenora agora e sim do que já foi Lenora... Acho que já sei o que tenho que fazer!”

E assim Marvin fez:

Com a ajuda de um crânio petrificado de lobisomem, ele começou a bater na parede do Caracol do Tempo.

E O CORAÇÃO DE LENORA CONTINUAVA PULSANDO FORTE.

Depois de umas vinte batidas, finalmente a parede do Caracol começou a trincar e depois rachar e depois “PROFT”, um buraco se fez...

Mais algumas batidas e o buraco foi se tornando um buracão...

Marvin passou por ele e já escorregou em suas lisas paredes internas... “UAUUU!!!”

E lá se foi o menino dos cabelos verdes descendo naquele frio tobogã “caracolístico”.

O CORAÇÃO DE LENORA CONTINUAVA PULSANDO FORTE.

Quando terminou de escorregar (isso significava que Marvin já havia chegado bem lá dentro do Caracol) bolas flutuantes começaram a surgir... bem em sua frente.

Eram várias: dez... quinze... dezoito... vinte...

BOLAS DE LUZ DO TAMANHO DE GRANDES BOLAS DE SABÃO.

Cada uma delas trazia um pequeno filme da vida de Marvin:

-- Marvin jogando futebol com os colegas do colégio;

-- Marvin entrando na Cidade da Redoma de Vidro;

-- Marvin abrindo portas e mais portas;

-- Marvin flutuando no Corredor Sem Fim;

-- Marvin conversando com as siamesas Fama e Fema;

-- Marvin sendo “desflutuado” no córrego perto de sua casa;

-- Marvin almoçando com Vovó Pangaré;

-- Marvin-dragão na Taverna dos Dragões Anões;

-- Marvin andando pelo “Castelo Invisível”;

-- Marvin fugindo de seu próprio túmulo;

-- Marvin na Biblioteca Infinita;

-- Marvin “duelando” com o Mago Dito Cujo;

-- Marvin dançando na Távola Redonda Mística;

-- Marvin desmaiando depois de comer parte de uma maçã azul;

-- Marvin voando em direção a Avalon;

-- Marvin recebendo uma pizza macabra;

-- Marvin e seu amigo dragão Elvis Presley;

-- Marvin acendendo um fósforo mágico;

--Marvin-gigante conversando com o “minúsculo” duende amarelo Ruspernaltron Prunforgran (que depois se chamou Pirralho, Safadinho, Tchau, Tipo Assim... e mais recentemente Paradeiro);

-- MARVIN ABRINDO A PORTA DO QUARTO DE LENORA...



AS RARAS CRIATURAS QUE CONSEGUEM ENTRAR NO CARACOL DO TEMPO ACABAM TENDO SUAS VIDAS E SUAS MORTES REVISTAS.

Marvin se emocionou com as imagens... Mas o momento não estava para emoções. Muitas vezes elas atrapalham, atrasando sonhos e objetivos...

O CARACOL DO TEMPO TAMBÉM PODE MOSTRAR BOLHAS DO FUTURO DE ALGUÉM... AS DE MARVIN JÁ ESTAVAM APARECENDO...

Mas Marvin não tinha muito tempo... Ou talvez agora tivesse todo o tempo do mundo... Mas ele não queria esperar para ver... Ele queria Lenora... E foi o que fez seu dedo impaciente...

Assim que tocou em uma das bolas de luz, Marvin foi chupado (e sem canudinho) para dentro dela.

AINDA DENTRO DO CARACOL, UMA VOZ CHEIA DE ECO SOLTOU O SEU LAMENTO:

-- CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE!



NUM “ZUPT” MARVIN JÁ ESTAVA NO PASSADO QUE ESCOLHERA...

E sob a trilha sonora da 5ª Sinfonia de Beethoven, no exato momento em que abriu a porta rangedora do quarto de Lenora, seus cabelos tornaram-se pretos.

O menino dos cabelos pretos???

Sim! Isto mesmo! Quando Marvin conheceu Lenora, ele ainda não tinha cabelos verdes. Lembra, os cabelos verdes foram um presente dela. A princípio, um presente um tanto rejeitado...

Sem perceber, Marvin voltara a ser o que era fisicamente, talvez para não causar algum tipo de estranhamento estressante na menina loira.

COISAS DA LÓGICA NEM SEMPRE TÀO LÓGICA DA MAGIA QUE, NA VERDADE, NÃO PRECISA DE LÓGICA ALGUMA.

Por dentro, entretanto, Marvin já havia deixado de ser quem era há muito tempo. Todas as aventuras mágicas em que se metera foram responsáveis pelo seu amadurecimento. Marvin não era mais um menino de 12 anos. E muito menos um menino de apenas 13 anos como determinava a sua biologia...



Tudo igualzinho como da primeira vez em que se conheceram. Lenora tocava piano. Tudo igualzinho. Ou quase...

VER UM FILME PELA SEGUNDA VEZ NÃO É A MESMA COISA QUE VÊ-LO PELA PRIMEIRA. AINDA MAIS NO CASO DE MARVIN. ELE NÃO ESTAVA APENAS REVENDO UM FILME, ELE ESTAVA VIVENDO NOVAMENTE O QUE JÁ HAVIA VIVIDO...

Como da primeira vez, Lenora, a menina de longos cabelos loiros, vestia o uniforme de Marvin e a “velha” mochila que havia roubado dele...

Marvin tinha tantas coisas para dizer. E esse era o problema.

MUITAS VEZES QUANDO SE TÊM MUITAS COISAS PARA SE DIZER ACABA ACONTECENDO UM BLOQUEIO DESMÁGICO E NADA SE DIZ.

Começar como? Afinal aquele era um momento especial. O momento em que os dois se conheceram. Ou melhor dizendo, o momento em que a menina loira e o menino dos cabelos castanhos passaram a se conhecer através das palavras e dos olhares...

Antes que dissesse qualquer coisa, as coisas se disseram:

-- Oi, tudo bem? Meu nome é Marvin e o seu?

Palavras automáticas foram saindo de sua boca sem ele poder controlá-las.

As mesmas palavras “daquela primeira vez”.

ATÉ PARECIA QUE MARVIN ESTAVA CONDENADO A SE REPETIR. E NÃO EXISTE NADA MAIS CRUEL DO QUE SE REPETIR PELA ETERNIDADE DOS DIAS E DAS NOITES.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora virou-se para Marvin... Mas desta vez ele não se assustou ao ver a menina loira com os lábios costurados.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, em um bloco de notas sobre o piano, ela começou a escrever o início de uma grande amizade.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora escrevia rápido. RAPIDÍSSIMO:

“Marvin, peço desculpas por pegar o seu uniforme e a sua mochila. Estive sorrateiramente em sua casa e não resisti. Sempre quis ganhar coisas assim tão bonitas. Meu mundo é muito diferente do seu. Nunca tive amigos, escola, professores...

Papai acabou descobrindo minha fuga, e por isso, estou agora pagando por isso. Meu castigo termina daqui a dois dias. Já tive piores; uma semana com os pés pregados no chão.

Marvin, sinto em seus olhos um brilho molhado de dó. Não se preocupe assim comigo. A dor aqui no nosso mundo dói bem menos que no seu.

Ah! Distração a minha! Meu nome é Lenora e gostaria muito, se você me perdoar, de ser sua amiga.”

COMO DA PRIMEIRA VEZ, Marvin leu o bilhete...

E novamente vieram as insuportáveis palavras automáticas:

-- Por fa-vor, fi-que com o uni-forme e a mo-chila.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora agradeceu com um leve baixar de cabeça.

Não demorou quase nada e:

-- LENOOOOORAA!!!

COMO DA PRIMEIRA VEZ, a voz horripilante do pai da menina loira fez com que ela fosse rapidamente desvestindo a mochila e o uniforme de Marvin. E como do nada, novamente, um majestoso vestido de sede bordado com motivos dourados foi aparecendo sobre o seu corpo.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, a mão trêmula de Lenora acariciou a cabeça de Marvin que, naquele mágico e fugaz instante, teve seus cabelos pretos mudando para verde.

COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora se despediu com um olhar azul, porém antes que sumisse junto à parede aparentemente sólida, DIFERENTE DA PRIMEIRA VEZ, algo surpreendente aconteceu.

SURPREENDENTE é pouco. Talvez o melhor fosse juntar algumas palavras para formar apenas uma grande, capaz de dizer melhor o que muitas vezes não se consegue dizer com apenas uma...

... SURPREENDENTEINESPERADOESTRANHOFENOMENAL.

Agora sim! Tudo está mais claro, mais nítido...

Será???



Antes de Lenora desaparecer junto à parede sólida, seu corpo ficou paralisado feito estátua. Até aqui nada de tão surpreendente assim.

Mas aguarde, o SURPREENDENTEINESPERADOESTRANHOFENOMENAL já já está por vir...

Marvin ficou imaginando o que poderia ter acontecido.

“Etecétera?! Élvis?! Não! Eles jamais fariam tal coisa. Se fosse para ajudar, apareceriam logo e...”

Marvin ficaria ainda pensando em outras possibilidades para aquele fato, caso seu corpo não começasse a sentir fortes dores...

Primeiro foram dores estomacais que o fizeram se contorcer no chão, segurando a barriga... Depois começou a dor no peito e depois na cabeça e depois no corpo todo ao mesmo tempo... Marvin passou a sentir as dores do mundo. Só não se sabe bem ao certo de que mundo.

-- LENOOOOORAA!!!

FELIZMENTE ELE NÃO ERA MAIS APENAS UM MENINO. ESTAVA AGORA CARREGADO DE ENERGIA MÁGICA. CARREGADO DAS EXPERIÊNCIAS QUE JAMAIS OUTRO MENINO PROVOU OU PROVARIA.

Em três minutos as dores cessaram. Mas aqueles três minutos pareceram uma eternidade. Marvin ficou todo suado.

-- LENOOOOORAA!!!

A primeira coisa que fez em seguida foi olhar para Lenora-estátua. E lá continuava ela: completamente linda.

Nisso tudo, uma questão ficou no ar, no chão e nas paredes do castelo.

AFINAL SE TODAS AS COISAS TÊM O SEU SIGNIFICADO, O QUE AQUELA DOR QUERIA DIZER? SERIA APENAS UMA DOR OU MARVIN HAVIA ADQUIRIDO ALGUMA DOENÇA MÁGICA?

Ao se levantar, veio uma pontada no coração. E então a FOME.

MARVIN COMEÇOU A SENTIR A FOME DE UM MUNDO TODO.

-- LENOOOOORAA!!!

Sua boca foi aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando ...



CINCO, DEZ, VINTE, TRINTA VEZES O TAMANHO ORIGINAL.



E então num “CHILOPPP”, sua recente longuíssima língua envolveu o corpo imóvel de Lenora que foi todo engolido de uma só vez... Com roupa e tudo.

Irreconhecidamente deformado, Marvin caiu no chão e começou a dormir um imenso sono...

...UM IMENSO SONO DIGESTIVO DE MAIS DE UMA SEMANA.

-- LENOOOOORAA!!!

Como uma cobra Marvin ficou deglutindo “aquela refeição” que duraria exatos NOVE dias.

NESSE MEIO-TEMPO E TEMPO-INTEIRO MUITAS COISAS ACONTECERAM:

Um porco azul voador, “fossador” oficial do castelo, surgiu de uma das janelas para comer as roupas rasgadas de Marvin...

Bem quando o terrível pai de Lenora já estava para entrar no quarto da filha a fim de castigá-la, um golfinho também voador apareceu (todo “fashion” com seus óculos de sol e lua, surrupiados da Loja Bloominwitch). Era Etecétera que adquirira tal forma recentemente, um pouco antes de se apaixonar por uma golfinha também voadora...

Um truque básico, mas poderoso, selou a porta do quarto de Lenora até o pai dela “desistir” momentaneamente de tentar entrar lá.

“Acho melhor eu ficar por aqui vigiando! Nunca se sabe o que pode acontecer num lugar destes! Talvez fosse melhor levar o Marvin para uma outra parada... Se o Elvis não tivesse sumido sem deixar pistas mágicas... Afinal não quero usar a sua toca sem permissão... Acho isso abominável... Mas num caso de emergência como este, acho que ele não se importaria... Não! Melhor não... E afinal existem tantos outros lugares por esses mundões...”

ATÉ NOS PENSAMENTOS, ETECÉTERA CONTINUAVA NÃO SENDO LÁ MUITO SINCERO CONSIGO MESMO...

O barulho do relinchar de cavalos e ruflar de asas fez com que ele parasse sua “reflexão” e voasse curioso até uma das janelas...

CAVALEIROS AZUIS EM SEUS AZUIS CAVALOS ALADOS JOGAVAM PÓLO AO LUAR.

Etecétera ficou com vontade de jogar pólo também. Mas ele não tinha cavalo alado e nem era cavaleiro azul.

Detalhes. Detalhes. Meros detalhes. Nada que não pudesse ser resolvido num passe de mágica... Afinal graças a seus poderes extras conseguidos recentemente, Etecétera podia agora até se transformar em humano, apesar dos Cavaleiros Azuis serem apenas imagens sem essência, corpos sem alma.

DEVIDO A SEUS PRÉSTIMOS, NA ÚLTIMA REUNIÃO DOS MERLINS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA, ETECÉTERA FORA PRESENTEADO COM O DOM DE FAZER UMA DÚZIA DE MÁGICAS PODEROSAS.

“Não! Não devo pensar só em mim. Não seria justo com Marvin. Ele ali todo deformado, deglutindo Lenora, e eu me divertindo... Epa! Pensando melhor, que diferença poderia fazer... Ele vai ter que ficar assim um bom tempo e eu aqui só pajeando... É, mas os Merlins da Távola Redonda Mística foram bem específicos... Até agora estou com aquela frase insuportável em meu ouvido sensível: Não tire os olhos de Marvin! Não tire os olhos de Marvin! Ok, não vou tirar os olhos dele então... AHÁ ! Mas tive uma idéia!”

E assim a idéia se fez realidade...

Etecétera retornou voando até Marvin e então cuspiu sobre ele dois olhos de águia. Cada um tinha, coincidentemente, o tamanho da bola de pólo.

DOIS OLHOS FLUTUANTES SEMPRE ATENTOS.

“Aí estão! Os olhos que tudo vêem! E eu vejo Marvin através deles e ainda me divirto. ” – pensou Etecétera, já se dirigindo à janela e de lá para o jogo.

Todos os jogadores azuis tinham a face risonha do personagem Charada, mas não riam em momento algum. Eram apenas marionetes, robôs, criaturas... sem a essência original da vida e de seu livre arbítrio...

Etecétera resolveu entrar no jogo com a cara de golfinho mesmo e os óculos de sol e lua. O corpo ele adaptou àquela circunstância, já que seria um pouco complicado um golfinho andar a cavalo.

O HOMEM-GOLFINHO OU O GOLFINHO-HOMEM TEVE QUE RETIRAR UM DOS PARTICIPANTES PARA TOMAR O SEU LUGAR.

Nada que um toque sugador não desse conta do recado.

TOQUE SUGADOR????

Isso mesmo. Esse era um dos mais importantes poderes extras conseguidos por Etecétera.

UM TOQUE SUGADOR FAZ COM QUE QUALQUER CRIATURA E ATÉ ALGUNS OBJETOS POSSAM SER SUGADOS E TRANSPORTADOS MAGICAMENTE PARA O MUNDO DAS COISAS PERDIDAS.

E assim Etecétera ficou jogando pólo durante toda a longa digestão de Marvin.

Através de vários estratagemas, o pai de Lenora bem que tentou mais algumas vezes entrar no quarto da menina... Porém Etecétera “estava” lá e ali ao mesmo tempo, justamente para não deixar que tal fato acontecesse.

Até agora, uma coisa deve estar intrigando muita gente: Marvin voltou no tempo e pelo andar dos acontecimentos dá-se a impressão de que Etecétera também fez o mesmo trajeto.

COM CERTEZA. Depois da Loja Bloominwitch, Etecétera esteve na Reunião dos Merlins da Távola Redonda Mística... De lá já “recauchutado” com mais poderes, foi fácil-fácil entrar na Dimensão das Trevas Sólidas, escondido atrás da orelha direta de Marvin...

Assim completamente incógnito, Etecétera viajou travestido de pulga dourada saskatchuana...

E PULGAS DOURADAS SASKATCHUANAS NÃO SE IMPORTAM COM OS MORTAIS CHEIROS FÉTIDOS DAS TREVAS SÓLIDAS.

Ser pulga é um pouco monótono. Ficar pulando de um lugar para outro não despertava em Etecétera nenhum interesse. Ficar só cuidando de Marvin sem, por enquanto, poder se manisfestar... sem poder aparecer realmente... sem poder dizer uma palavra sequer, deixava as coisas mais enfadonhas ainda. Mas afinal eram ordens.

E ORDENS DOS MERLINS NÃO DEVERIAM SER DESCONSIDERADAS EM HIPÓTESE ALGUMA. OU...

Mesmo assim, uma fugidinha só daria a Etecétera o tempero-sabor necessário para continuar seu trabalho com muito mais presteza e afinco. E foi isso o que ele fez, afinal precisava namorar um pouco. Já havia brigado com a leoa Jesebéu e agora procurava uma outra parceira.

A VIDA PRECISA DE TEMPEROS E O AMOR É O MAIS IMPORTANTE DELES.

De pulga para borboleta e então gaivota...

Sempre com seus óculos de sol e lua, surrupiados da Loja Bloominwitch.

ÓCULOS BONS ESTAVAM ALI: ELES SE ADAPTAVAM MAGICAMENTE AO TAMANHO DA CRIATURA QUE OS USAVA.

No mar, vinte golfinhos com asas nadavam festeiros...

Etecétera ficou com vontade... E em pleno vôo ele se transformou em um golfinho azul, também com asas.

Seu mergulho foi aplaudido por todos os outros.

Um deles lhe chamou a atenção do coração: era ela, uma linda golfinha, ainda adolescente...

E aí o que aparentava ser uma grande e nova paixão começou...

UMA PAIXÃO MOLHADA, AQUÁTICA, MARÍTIMA, SALGADA, AÉREA CHEIA DE ONDAS, SOL, ESTRELAS, LUA E MARESIA...

Do mar para cima...

Todos os golfinhos com asas resolveram nadar no ar.

Etecétera foi junto...

Quando se “apaixonava”, Etecétera geralmente esquecia as outras coisas importantes que tinha por fazer... Não desta vez... Bem que ele queria... Seu coração dizia isso. Mas sua razão estava ali também com ele, mais firme do que nunca.

E assim, após muitas brincadeiras coletivas e carinhos a dois, ele retornou as suas obrigações.

MUITO DO QUE ACONTECEU DEPOIS DISSO JÁ FOI CONTADO. ENTÃO VAMOS EM FRENTE...

Assim que Marvin despertou nu de seu longo sono digestivo, ele estava maior, mais alimentado, mais forte... Havia crescido de tamanho... Não lembrava mais um menino de apenas treze anos. Agora parecia ter vinte... E um corpo com músculos aparentes.

APENAS SUA VOZ CONTINUAVA A MESMA.

“O que aconteceu comigo? Acho que tive um pesadelo!? Não, acho que foi alucinação mesmo!? Não! Não foi alucinação! Quem eu estou querendo enganar, afinal? Foi real sim! Foi muito real! Terrivelmente real! Eu engoli Lenora! Eu...”

Antes que Marvin continuasse se condenando, Etecétera veio voando até ele, já sabendo que não ia ser nada fácil acalmá-lo.

-- Marvin, há quanto tempo! Sou eu, seu amigo Etecétera!

-- Etecétera??? O que você está fazendo assim vestido de golfinho?

-- Uma longa história, Marvin! Uma longa história!

-- Etecétera, não sei como te dizer, mas uma coisa terrível aconteceu. Eu engoli Lenora.

-- Eu sei disso!

-- Como?

-- Eu estou aqui com você o tempo todo. Passei um gel para você não sentir a minha presença... Não podia aparecer no momento errado. E o momento certo é este agora...

-- Etecétera! Eu vou repetir uma coisa terrível: eu engoli Lenora! Eu engoli Lenora! Você está me ouvindo??

-- Marvin! Não se preocupe! Você ganhou o dom de engolir criaturas! E isso é uma coisa super super surpreendente!!!

-- Etecétera, estou ficando enjoa...

Antes de terminar a palavra, Marvin vomitou três jatos de uma baba azul...

Etecétera “providenciou” uma toalha para ele se limpar... E também algumas roupas...

-- Etecétera, o que vai acontecer comigo? Por favor, me ajude!!!

-- Calma, Marvin! Eu estou aqui justamente para isso! Para te ajudar. Para que você não enlouqueça com seus poderes.

-- Poderes???

-- Sim! Poderes!!! O primeiro deles já se manifestou. Você engoliu Lenora.

-- Na verdade, eu matei Lenora!

-- Muito pelo contrário. O dom mágico de engolir criaturas não é algo ruim como parece. Lenora está agora dentro de você. Não se preocupe, ela vai sair no momento certo!

-- Sair??? Momento certo???? Que momento certo é esse???

-- Não sei exatamente, só sei que o momento certo existe e vai chegar quando você menos espera.

AQUELA VEZ EM QUE ESTEVE NA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA, MARVIN RECEBEU DOS 13 MIL MERLINS INFORMAÇÕES IMPORTANTES QUE FICARAM GUARDADAS EM SEU SUBCONSCIENTE... TAIS INFORMAÇÕES GERMINARAM E CRESCERAM EM SOLO FÉRTIL... DENTRO DA MENTE DO MENINO DOS CABELOS VERDES, ELAS SE TORNARAM PODERES INCALCULÁVEIS, ADORMECIDOS POR UM TEMPO E QUE AGORA COMEÇAM A SE REVELAR AOS POUCOS...

-- Etecétera, não estou me sentindo bem! Acho que vou vo...

Marvin vomitou mais três jatos de baba azul.

-- Tome outra toalha!

Desta vez Marvin viu Etecétera tirando o pano felpudo de sua boca de golfinho (este era outro dos poderes adquiridos por ele: desengolir coisas de primeira e segunda necessidades).

-- Não se preocupe, esta toalha está tão seca e limpinha quanto a outra.

-- Etecétera, eu engoli Lenora!

-- Eu sei. Você já disse isso um monte de vezes.

-- Eu engoli Lenora! Eu engoli Lenora! Ela está toda dentro de mim... Ela me fez crescer de tamanho... Ela está no meu corpo e mais ainda em minha alma... Sinto Lenora em minha pele... Sinto Lenora correndo em minhas veias... Sinto Lenora em meus pulmões... Sinto Lenora em meu coração...

“As coisas estão ficando mais difíceis do que eu imaginava.” – pensou Etecétera.

-- Etecétera, me faça um favor!

-- O quê?

-- Por favor! Tire Lenora de dentro de mim! Por favor!

-- Marvin, as coisas não são sempre como a gente quer... Você já devia saber disso... E muitas mágicas não acontecem simplesmente como e quando nós queremos.

MUITAS MÁGICAS ACONTECEM QUANDO ELAS TÊM QUE ACONTECER. MUITAS MÁGICAS, MESMO PERTENCENDO A SEUS DONOS, AGEM COM SABEDORIA E VONTADE PRÓPRIA.

-- Etecétera, por favor!

-- Acho melhor nós irmos embora daqui...

-- Etecétera, por favor! Tire Lenora de dentro de mim!

Não havia mais como dialogar com Marvin. Ele estava agora totalmente tomado pelo fato de ter engolido Lenora... Etecétera precisava de muita paciência para vencer o trauma que se instalara na mente do rapaz dos cabelos verdes.

Na viagem do tempo, Etecétera conseguiu capturar umas das bolas flutuantes. Uma que Marvin não havia visto e que já mostrava o seu futuro. Não era lá um futuro muito interessante... Mas antes um futuro na mão do que nenhum...

Antes que Marvin fosse chupado pela bola do passado, Etecétera lançou um raio invisível (com seus então olhos de pulga) e foi trazendo-diminuindo a bola do futuro para junto de si... Até que ela pudesse caber dentro de sua minúscula boca (terceiro poder de Etecétera: miniaturizar qualquer criatura ou objeto).

Agora chegava de hora de desengolir e desminiaturizá-la...

E assim Etecétera fez.

E assim a bola ficou flutuando em frente dele e de Marvin.

Agora não dava mais para ver nada dentro dela. Tudo tornara-se nevoeiro espesso.

-- Vamos, Marvin! De volta para o futuro!!!

-- Etecétera, eu não posso!

-- Marvin! É só apontar com o dedo para a bola como você fez da outra vez!

--Eu não posso! Eu não posso! Lenora morava aqui. Eu preciso ficar aqui no castelo.

“Ah! Se o doutor Elvis não tivesse sumido... Uma simples pílula anti-trauma já teria resolvido esta situação desesperadora... Ironia do destino: eu já posso desengolir tantas coisas, mas não posso desengolir pílulas e remédios mágicos ” -- lamentou Etecétera.

A VOLTA PARA O FUTURO ESTAVA FICANDO CADA VEZ MAIS COMPLICADA.

Marvin caminhou então até uma das janelas como quem não queria nada com nada... E antes que Etecétera pudesse perceber sua intenção, ele pulou lá de cima em direção a um abismo mortal.

SUICÍDOS TAMBÉM ACONTECEM NOS MUNDOS MÁGICOS.

Etecétera voou correndo atrás...

No caminho vertical se transformou em um dragão anão azul e assim pôde ganhar mais velocidade.

O ABISMO MORTAL PARECIA NÃO TER FIM.

Etecétera conseguiu agarrar Marvin através de suas garras de dragão.

-- Agora, você não me escapa mais!

Marvin ficou calado enquanto era trazido de volta ao Castelo.

A bola do futuro esperava por eles...

Etecétera tocou nela e os dois foram chupados...

...EM DIREÇÃO AO NEVOEIRO ESPESSO...



AH! ETECÉTERA NUNCA MAIS ENCONTROU SUA GOLFINHA VOADORA. ELA FICOU EM UM TEMPO DISTANTE... LÁ NO TEMPO EM QUE LENORA CONHECERA MARVIN.

















CAPÍTULO 13

O FIM DE ALGUNS MISTÉRIOS

E O COMEÇO DE OUTROS

“Aquele que combate monstros deve se cuidar

para que não acabe se tornando um.”

(Friedrich Nietzche, filósofo e bruxo,

atualmente morando em Avalon )



-- Acho melhor nós irmos andando... Não gostaria de trombar no ar com alguma criatura voadora – observou Etecétera, segurando Marvin para que ele não pudesse fugir.

O nevoeiro continuou espesso durante mais de dez quilômetros de caminhada... Nesse tempo todo, os dois mantiveram-se em silêncio.

Marvin ainda vomitou mais três vezes, três jatos de baba azul.

Quando o nevoeiro começou a se dissipar, um estreito caminho de pedras foi ganhando sua comprida e ondulada forma, colina acima...

Mesmo ainda bem à distância... já dava para ver um suntuoso castelo se impondo na paisagem permeada por árvores amarelas e um rio cheio de pedras brilhantes...

Etecétera pensou em voar... Ao perceber sua intenção, depois de tanto tempo de silêncio, Marvin abriu a boca:

-- Eu prefiro ir andando mesmo!

Etecétera não queria contrariar o rapaz que estava ainda perturbado pelos últimos acontecimentos. E então andando em silêncio eles continuaram...

ANDAR FAZ BEM, DISPERSA O PENSAMENTO DOLORIDO. ANDAR DEIXA AS COISAS MAIS LEVES. ANDAR É UM MÁGICO REMÉDIO. ANDE DEZ QUILÔMETROS POR DIA. ANDE CEM QUILÔMETROS QUANDO PERDER ALGUÉM QUERIDO...

Já quase no castelo, mais especificamente duzentos metros antes, uma placa de ferro fundido (dois metros por três) trazia em letras garrafais:

Hospício de Villaregum

Etecétera ficou intrigado. O futuro de Marvin apresentava-se muito estranho para ele.

“Será que Marvin está enlouquecendo mesmo e terá que passar um tempo neste lugar? Os Merlins da Távola Redonda Mística bem que podiam ter me contado sobre isso... AH! Mas como eles gostam de uma surpresa!”

A SURPRESA É UM DOS TEMPEROS DE TODOS OS MUNDOS, MÁGICOS OU NÃO.

A porta do castelo-hospício devia ter mais de dez metros de altura...

Não foi necessário bater... ela se abriu ruidosamente sozinha.

Um longo corredor branco, cheio de luz, “convidou” os dois a entrar...

Marvin caminhou mais de cem passou, enquanto Etecétera economizou os seus, andando apenas trinta e três...

ALGUMAS POMBAS BRANCAS VOAVAM PRÓXIMAS A ELES.

Nas paredes brancas do corredor, frases em alto relevo, também brancas, acompanhavam os dois. Mesmo sem querer era impossível não lê-las... Elas se repetiam até a exaustão dos olhos mais distraídos.

DO CHÃO ATÉ O TETO:

1- Só é louco quem quer.

2- Louco é quem me diz.

3- Sou louco, mas sou feliz.

4- Loucura me faz bem.

5- A razão é o imperfeito equilíbrio de todas as faculdades.

6- Tudo é insânia, só insânia.

7- Os normais são mais anormais.

8- Nunca diga: eu não sou louco.

9- Patologia deve ser coisa de pato.

10- Vim, vi e fiquei.



Mais à frente (ATÉ QUE ENFIM!) os verdadeiros personagens daquele lugar apareceram... E apareceram quase todos ao mesmo tempo... Em um imenso salão branco, cheio de cadeiras brancas, poltronas brancas e sofás brancos também...

PELO JEITO A COR BRANCA ERA A FAVORITA ALI.

Os loucos, todos brancos e vestidos de branco, ficavam em sua maioria no teto: andando de ponta-cabeça, dançando sem música, contando piadas sobre não-loucos, dormindo, lendo revistas brancas, namorando outros loucos, declamando poemas sobre a brancura das coisas, conversando sobre brancas questões filosóficas...

... E TOMANDO “CHÁ DE LEITE” QUE CONTRARIAVA A LEI DA GRAVIDADE.

Alguns “grudavam-se” no teto feito lagartixas, rastejando como elas.

Assim que viram o rapaz dos cabelos verdes, acompanhado de um dragão anão todo azul, os loucos mais curiosos e ávidos por visitas começaram a descer suavemente do teto.

-- Sejam bem-vindos a nossa humilde mansão!! – gritou o branco louco Barnabé, ainda a dois metros do chão.

Em seguida apareceu um velho branco, de chapéu branco estilo Napoleão Bonaparte, cabelos brancos e roupas de época brancas também.

A PARTIR DE AGORA TENTAREI NÃO MAIS MENCIONAR A COR BRANCA. AFINAL TUDO, TUDO MESMO DENTRO DO HOSPÍCIO DE VILLAREGUM ERA BRANCO. APENAS BRANCO.

-- Eu sou o Marquês de Sade! E vocês quem são? Qual o número de suas carteirinhas de vacina contra ódio crônico? E qual o número da identidade de vocês? E da conta bancária? Trabalham com o quê? Quanto vocês ganham por mês ou por semana? Moram em que mundo? Gostam de mexerica? Já assassinaram alguém? Vão ficar quantos séculos em nossa companhia? AH! Já ia me esquecendo, vocês tem telefone? E qual é o número? Espero que apreciem nossa morada... Mas se não apreciarem, não há motivo para preocupação. O tempo muda todas as coisas... AH! Já ia me esquecendo de novo. Quantos anos vocês têm?

Diante de tantas perguntas descabidas para o momento, nenhuma foi respondida. E o Marquês de Sade nem insistiu. Afinal para ele o importante era perguntar.

-- Sejam muito bem-vindos! O pessoal aqui me chama de Bigodinho, mas o meu verdadeiro nome é Charles Chaplin... Possivelmente vocês já viram alguns dos meus filmes... Tenho certeza que aos poucos podemos nos tornar ótimos amigos. Afinal quem vem aqui, vem para ficar indefinidamente... AH! Tenho tantas histórias para contar...

APESAR DE TER DITO QUE IRIA DEIXAR DE MENCIONAR A COR BRANCA, UMA OBSERVAÇÃO AQUI SE FAZ NECESSÁRIA. SÓ PARA FRISAR: O BIGODINHO DE CHARLES CHAPLIN ERA BRANCO TAMBÉM, ASSIM COMO SUA CARTOLA E ELE TODO.

“Ficar indefinidamente? Será que esse louco não está louco? Não, isso não pode ser! Eu não sou louco e o Marvin só está um pouco fora de sua normalidade, mas isso é perfeitamente aceitável diante do que lhe aconteceu...” -- inquietou-se Etecétera.

-- Façam deste nosso simples lar o seu lar espetacular... E sejam felizes! Acho que isso é o mais importante. A felicidade é sempre o mais importante, desde que você não tire a alegria de viver das outras criaturas – comentou Aristóteles, um dos filósofos do hospício.

-- Amigos e visitantes, eu descobri um novo método para analisar o nível de loucura das pessoas e das criaturas que não se acham loucas... Segundo as minhas últimas pesquisas, tudo vem a corroborar com aquele velho ditado: de louco todos têm um pouco. Alguns um pouco pouco, outros um pouco bastante, e outros um pouco mais ainda... Infelizmente aquilo que era pouco pode com o tempo vir a tornar muito. Aí a loucura já tomou conta do indivíduo... Em minha última viagem a Caleidoscópio, descobri que no reino vegetal a loucura também se manifesta. Principalmente nas árvores de grande porte. E isso acontece geralmente durante tempestades muito fortes. As árvores ficam estressadas e alguns chegam à loucura, lançando seus galhos e troncos contra outras árvores e criaturas.

-- Cale-se, Simão Bacamarte! Eu não agüento mais essas suas complicações, isso pra não dizer coisa pior! – gritou uma louca que tinha a cara da rainha da Inglaterra, Elisabeth II, com coroa e tudo.

Em seguida, mais loucos desceram do teto para conhecer “melhor” e de perto os “dois visitantes”.

-- Eu sou Albert Einstein – falou um deles.

-- Meu nome é Jesus Cristo – comentou o seguinte.

-- Mentira! – disse um outro – Eu não tenho filho desse tamanho!

Mais e mais loucos foram descendo do teto e uma roda deles se formou ao redor de Marvin e Etecétera.

DE TANTO OLHAREM PARA O BRANCO, MARVIN E ETECÉTERA TAMBÉM FORAM FICANDO BRANCOS.

E aí um outro louco fez o seu protesto:

-- Eu não agüento mais a cor branca! Abaixo o branco! Vamos fazer greve! Uma grande greve contra o branco! Greve já! Greve já! Greve já!

-- Não ligue para o que esse louco diz! A cor branca acalma! O branco faz bem à alma! Anjos são brancos! Nós precisamos respirar, ver e comer o branco! E assim continuaremos sempre brancos! – outra intervenção “teorística” de Simão Bacamarte.

TODAS AS TEORIAS TÊM UM POUCO DE LOUCURA, JÁ QUE DIFICILMENTE CONSEGUEM SE RELACIONAR DE MANEIRA EFETIVA COM A PRÁTICA.

-- HORA DO RANGO!!! – gritou um outro louco e os loucos que ainda estavam no teto desceram.

Enquanto Etecétera assistia a tudo aquilo com certa curiosidade, Marvin continuava um “morto-vivo”, indiferente a tudo.

AH! O BRANCO DO HOSPÍCIO ERA MAIS BRANCO DO QUE QUALQUER SABÃO EM PÓ PROMETE...

A SE TODO BRANCO FOSSE ASSIM!!!

-- ABRAM A BOCA! -- gritou o mesmo louco.

Todos abriram com exceção de Etecétera e Marvin.

BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT BLOFT...

Sessenta BLOFTS caíram do teto.

Sessenta BLOFTS brancos e nojentos.

Sessenta BLOFTS que pareciam arroz mastigado com ranho.

Etecétera e Marvin não abriram a boca e por isso ficaram com a cabeça toda lambuzada de BLOFT.

“Os BLOFTS fazem muito bem aos loucos. Eles ficam mais calmos e felizes por um bom tempo. Penso eu que seja devida a presença do amido e de mais algumas substâncias que não só enchem o estômago, mas também revigoram a mente” -- primeira teoria nutricionista de Simão Bacamarte

TRÊS BLOFTS AO DIA E TUDO É ALEGRIA.

De repente uma surpresa inesperada...

Epa! Surpresa inesperada?

Mas toda surpresa já é inesperada, do contrário não seria surpresa. Ou será que alguém já viu alguma surpresa esperada?

Certamente não.

Em todo caso, vamos manter a surpresa inesperada, já que ela aqui parece querer dizer muito mais do que apenas reforçar a ignorância de quem a usa.

Voltemos então ao DE REPENTE:

DE REPENTE UMA SURPRESA INESPERADA ARREBENTOU O TETO.

Fez um buracão e todos os loucos saíram correndo para seus aposentos...

A surpresa inesperada tinha a forma de uma imensa mão, igual ou até maior que a do gorila King Kong... Era verde, mas sem nenhum parentesco com o incrível Hulk.

Além do tamanho monstruoso, o que também chamou atenção foi o fato de cada um dos cinco dedões possuírem um olhão na ponta.

Etecétera até pensou em agir antes que tivesse que reagir diante de um possível ataque. Pensou e já “despensou”, achando melhor aguardar... Talvez aquela mãozona ainda despertasse Marvin de sua triste condição!

POR ALGUNS SEGUNDOS, A MÃOZONA ERA TODA OLHOS PARA ELES.

Assim que esses alguns segundos se gastaram, ela deu o bote, agarrando os dois em um aperto só.

Etecétera, se quisesse, podia facilmente se livrar daquela situação “espremida” . Era só se transformar em uma pulga ou formiga ou carrapato ou coisa e tal... Mas ele não quis.

“Vamos ver só onde tudo vai dar!”

Já o Marvin, pobre Marvin. Mesmo todo apertado, continuava apático e indiferente.

E a mãozona verde já ia saindo pelo buraco do teto...

ENQUANTO ISSO EM UMA DAS CELAS DE Villaregum... LÁ PERMANECIAM OS PAIS DE MARVIN: MARMELADA E DOCE-DE-LEITE. DOIS PALHAÇOS COLORIDOS, PRESOS SÓ PORQUE NÃO MUDARAM DE COR NAQUELE MUNDO DE UM BRANCO SÓ...



FORA DO HOSPÍCIO, MARVIN E ETECÉTERA GANHARAM SUAS CORES ORIGINAIS.

Durante todo o caminho de nuvens brancas acima e deserto rochoso abaixo, a mãozona verde (nada autônoma) foi sendo puxada por um fino e desproporcional braço quilométrico...

Mais à frente, já dava para se ver um imenso paredão de pedra... E chegando mais perto, o responsável por aquele seqüestro, enrolado em seu próprio braço “mangueira-de-bombeiro”...

Etecétera ficou todo interrogação.

O que estaria por trás, ou melhor dizendo, o que estaria por dentro daquela caixa preta?

Sim! O responsável por aquilo tudo era a Misteriosa Criatura da Caixa Preta.

Com relação ao Marvin, ele não ficou nada. E por isso mesmo vou deixar de mencionar seu nome até que sua total apatia desapareça ou pelo menos diminua.

-- Mas olha o que eu tenho aqui!!! -- exclamou Caixa. -- Peguei dois gurugunguns com um só amuleto.

PARA QUEM NÃO SABE, GURUGUNGUNS SÃO PEQUENOS PÁSSAROS INVISÍVEIS QUE SÓ APARECEM AOS OLHOS DAS CRIATURAS QUANDO ESTÃO SE ALIMENTANDO... DIFICILMENTE SÃO CAPTURADOS. E TAL FEITO SÓ PODE SER OBTIDO COM A AJUDA DE ALGUM AMULETO DE ALPISTE E COM MUITA PERSISTÊNCIA.

-- Agora vou finalmente poder me vingar de um dos meus maiores inimigos e de seu amigo também... Gosto muito de amassar, esmigalhar, cortar, furar, enterrar vivos todos os meus inimigos e também aqueles que são amigos de meus inimigos.

-- Isso então é comigo!!??

-- Acho que sim! Ou será que tem mais alguém aqui??? Só se for um outro amigo invisível do Marvin?

Bem seguro pela mãozona verde, três metros acima do chão, Etecétera tentou então se transformar em um inseto.

Etecétera fez força e força... E nada.

-- AH! Esqueci de lhe dizer. Essa mãozona verde anula os poderes de quase todas as naturezas mágicas.

Etecétera continuou fazendo força... e nada.

--Nossa! Vejo que o Marvin cresceu bastante deste a última vez que tivemos o desprivilégio de estarmos juntos...



APESAR DE SUA AINDA TOTAL APATIA, SINTO AGORA NECESSIDADE DE VOLTAR A MENCIONAR O RAPAZ DOS CABELOS VERDES. A FALA ANTERIOR DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA PRECISA SER ELUCIDADA... CAIXA JÁ TINHA VISTO MARVIN ATRAVÉS DOS OLHÕES DE SUA MÃOZONA, ENTÃO SUA FALSA SURPRESA MOSTRA SÓ COMO ESSA CRIATURA É FINGIDA E MENTIROSA TAMBÉM.



--... E olha que isso não faz tanto tempo assim! Mas como você sabe, falar sobre o tempo é uma coisa muito relativa. Ainda mais em certos mundos. Então vamos deixar tais lucubrações de lado... Será que o Marvin andou tomando algum tipo de anabolizante mágico? Pena que agora ele não me pareça nada disposto. Pobre coitado! Nem se mexe! Qualquer um ficaria com pena dele. Pena que eu não tenho pena alguma de meus inimigos... Só me tira um pouco o prazer da vitória ter um moribundo desses para derrotar. Nunca lutei contra mortos-vivos. Disseram-me inclusive que dá um azar imenso e por prazo indeterminado... Porém eu não tenho medo do azar. Eu sou o próprio azar! Eu sou o azar dos mundos!!!

-- Lute contra mim então... seu, seu...

-- Seu, seu o quê?

Etecétera já não conseguia respirar. Muito menos falar.

A mãozona estava apertando-o intensamente. E Marvin, é claro, sendo apertado junto.

Etecétera continuava “tentando lutar” contra algo que parecia ser maior que ele. Mas só parecia, por enquanto.

UM GRANDE PODER, ÀS VEZES, SÓ É GRANDE POR ALGUNS MOMENTOS. ALGO IMPOSSÍVEL, ÀS VEZES, SÓ É IMPOSSÍVEL ATÉ ENCONTRAMOS A CHAVE DAS POSSIBILIDADES.

-- Humm! Que coisa mais sem graça! Daqui a pouco meus inimigos serão apenas laranja espremida... E eu?! Não! Não posso continuar com isso! Acabar com eles assim! Acabar com o Marvin sem ele saber que sou eu quem o está derrotando. Não! Isso não! Ele precisa saber! Ele precisa acordar!

E então a mãozona parou de apertar-espremer.

-- UUUFFA!!! – manifestou-se Etecétera enquanto Marvin não se manifestou coisa alguma.

-- Acorde!!! Acorde, infeliz!!! Vamos, acorde!!!

Só com tais palavras gritadas, com certeza Marvin não “acordaria”... E não “acordou”... A Misteriosa Criatura da Caixa Preta precisava fazer muito mais...

E fez, lançando um bafo quente e fedorento em cima do rapaz.

O bafo não resolveu nada. Pegou Etecétera de resvalo e Marvin continuou na mesma indiferença.

“Se esse meu novo bafo não está surtindo efeito, preciso pensar em algo ainda mais poderoso.”

E assim a Misteriosa Criatura da Caixa Preta fez, lançando seu também novo super vômito-fumegante em Marvin...

O SUPER-VÔMITO-FUMEGANTE NÃO ERA TÃO TERRÍVEL QUANTO O NOME FAZIA SUPOR. CONSISTIA DE MINÚSCULAS LARVAS INCANDESCENTES QUE, NO MÁXIMO, PENETRAVAM PELA PELE DAS CRIATURAS COM POUCO OU NENHUM PODER MÁGICO, DEIXANDO-AS “ELÉTRICAS” POR UM BOM TEMPO. NÃO ERA O CASO DE ETECÉTERA E NEM DE MARVIN.

-- Cara! Esses verminhos só me dão cócegas! – comentou Etecétera, enquanto tentava assoprar algumas larvas incandescentes que haviam caído em seus ombros.

Marvin continuou apático... Mas seu “corpo fechado” não deixou que elas entrassem...

SEM OUTRA ALTERNATIVA, TODAS SE LANÇARAM AO CHÃO, EM UM SUICÍDIO COLETIVO.

“Eu preciso é me livrar desse dragão, de uma vez por todas!” – pensou Caixa já arquitetando um novo ataque.

Então foi a vez GLUBT GLUBT GLUBT dele soltar algumas “bolas de sabão” pela boca, só na direção de Etecétera...

A terceira acertou o dragão azul que simplesmente sumiu...

-- Ahá!!! Eu sabia que daria certo! Eu sabia... Agora o Marvin é todo meu!!!

Caixa precisava ainda acordá-lo. Restavam estratégias. Talvez a melhor fosse a mais simples de todas. E foi essa justamente a que ele resolveu utilizar.

Suavemente a mãozona colocou o rapaz dos cabelos verdes no chão... Caixa então estalou os dedos de sua outra mão e a mãozona “desapareceu”, ou melhor, retornou ao tamanho original, junto com o braço quilométrico.

“Pronto! Agora já posso me apresentar.”

Fazendo um pouco de força, aquela típica de quem está no banheiro, Caixa arrebentou sua caixa preta...

Feito uma explosão, centenas de pedaços foram lançados ao longe...

E então sua verdadeira identidade se revelou...

PASMEM!

Caixa era o Mago Dito Cujo!

Mago Dito Cujo Fechacadabra. Sim! Aquele mesmo que já infernizara terrivelmente a vida de Marvin, chamando-o de ladrão e exigindo seus fósforos mágicos de volta... Aquele mesmo baixinho e franzino. Magro feito uma tábua de passar roupa. Com o bigode de Adolf Hitler. Aquele mesmo. Só não trazia mais a ridícula gaiola dourada enfiada na cabeça...

“Finalmente encontrei uma mágica que impede os meus olhos de fugirem de mim. Eu sei que eles ainda me odeiam e vão me odiar por toda a eternidade. Azar deles... As outras partes do meu corpo também me odeiam. Mas digamos que com um pouco menos de intensidade. Vez por outra costumavam também se rebelar contra mim. Agora não mais. Elas estão novamente cem por cento sob meu controle. E como é bom a gente ser dono da gente mesmo. Uma grande vitória começa assim.”

SIM, O MAGO DITO CUJO. Aquele mesmo, cabelos pretos grudados com gel de lesma. Aquele mesmo com enormes e puxados olhos vermelhos. Aquele mesmo que aparecia agora todo vestido de penas multicoloridas (retiradas do pobre e despenado Pássaro da Juventude).

AQUELE MESMO QUE SE DESFEZ EM AREIA E PEDAÇOS DE ÓLEO QUEIMADO, DEPOIS QUE MARVIN RISCOU UM FÓSFORO MÁGICO TRÊMULO...

NEM SEMPRE AQUILO QUE PARECE MORTO ESTÁ REALMENTE MORTO. PRINCIPALMENTE QUANDO ESTAMOS FALANDO DOS MUNDOS MÁGICOS.

Nisso tudo uma questão permanece no ar... Uma questão toda feita de dúvida, acompanhada de seu minúsculo-invertido “cabo de guarda-chuva”: como é que esse Mago Areia conseguiu retornar a sua aparente insignificância “humana”? Sozinho seria impossível.

NUNCA FOI FÁCIL PARA UM MAGO RECOMEÇAR DO NADA... PRINCIPALMENTE DA AREIA... SORTE QUE DITO CUJO TINHA UM “AMIGO PODEROSO” E MUITOS TESOUROS ESCONDIDOS PARA COMPRAR OUTRAS ESPÉCIES DE “AMIGOS”...

Mesmo diante do inimigo, Marvin continuava apático. Mal conseguia ficar em pé. Não estava bêbado, mas parecia... Não estava “doente”, mas parecia... Não estava nem isso nem aquilo, mas parecia...

Dito Cujo chegou junto do rapaz e o chacoalhou várias vezes.

“Vamos! Desperte para o mundo! Vamos, seu desgraçado! Acorde! Vamos lutar outra vez! Vamos! Desta vez eu vou vencer! Eu vou vencer! Eu preciso vencer.

E Marvin não despertava.

“Eu vou acordar esse sujeito, nem que seja a última coisa que eu faça!.. Talvez se eu... ”

Dito Cujo começou então a puxar os cabelos verdes de Marvin... COISA MAIS RIDÍCULA... E mesmo assim o rapaz não “despertou”.

“Agora bem que eu precisava daquele duende... Tipo Assim poderia me ajudar e muito. Ele tem várias mutretas e artimanhas mágicas... Só ele é capaz de... Não, acho melhor não. Afinal eu saí sem pagar o que devia e não tenho mais cara para chamá-lo... Espera aí! A não ser que eu mude de voz, já que de cara, ou melhor sem a caixa preta, ele nunca saberá quem eu realmente sou... Será que assim será? Será mesmo? Não! Acho melhor não! Ele é muito esperto e se descobrir a minha farsa... Tipo Assim seria capaz até de me vender ingredientes mágicos estragados e vencidos ou coisa pior como venenos no lugar de.. Melhor não! Tipo Assim é pra lá de matreiro, muito mais do que todos os outros duendes juntos.”

ESTRATÉGIA ABANDONADA, UMA NOVA PRECISAVA TOMAR O LUGAR DA ANTERIOR.

Enquanto Dito Cujo pensava em “algo promissor”, Marvin já estava sentado no “chão da indiferença”.

“Eu podia tentar chamar o... Não! Não! Não! Se outros tão poderosos quanto ele descobrirem, eu estou frito, frito, frito em óleo de baleia voadora!... E se eu levasse Marvin de volta pro Hospício... Sim! Por que não pensei nisso antes! Pode ser que dê certo.”

Dito Cujo que havia adquirido muitos “PLIPTS” em suas últimas empreitadas mágicas (graças ao duende Tipo Assim, atualmente Paradeiro) tinha ainda uns trinta “PLIPTS” para usar...

PARA QUEM NÃO SABE, “PLIPTS” SÃO ESTALOS DE DEDOS. ESTALOS MÁGICOS QUE REALIZAM FEITIÇOS BÁSICOS. NADA DE MUITO PERIGOSO OU FATAL. “PLIPTS” NÃO PODEM MATAR NEM FAZER GRANDE MAL A OUTRAS CRIATURAS. DIGAMOS QUE ELES SÓ FAÇAM UM MAL “BÁSICO”... PARA SE GANHAR “PLIPTS” É PRECISO FICAR COM AS DUAS MÃOS MERGULHADAS EM UMA POÇÃO ESPECIAL POR MAIS DE UM DIA E UMA NOITE... E AQUI VAI MAIS UMA OBSERVAÇÃO: SÓ AQUELES QUE TÊM MÃOS PODEM CONSEGUIR “PLIPTS”.

A magia nunca esteve no sangue do Mago Dito Cujo. A magia não nasceu com ele e portanto logicamente não faz parte de sua ancestralidade... Mesmo assim, ele se auto proclama um dos maiores magos de todos os mundos e de todos os tempos, conseguindo enganar seus escravos e outras criaturas fracas e ignorantes... Dito Cujo já pensou até em abrir uma rede de igrejas no Mundo Humano... “AH! Se não existissem os terríveis invisíveis delatores espiões, eu até que tentaria!”

“Mago Alpinista”, isto sim é o que ele é. Consegue quase tudo através do famoso TOMA-LÁ-DÁ-CÁ. Trocas, favores, fraudes, roubos, maracutaias, corrupção, assassinatos encomendados, contrabando de produtos mágicos proibidos... Poucos mundos estão livres dele e de seus seguidores. E nisso Dito Cujo é muito bom. Talvez o melhor que já surgiu...

Mas voltemos aos “PLIPTS”, já que eles são os responsáveis pela continuação desta narrativa.

Dito Cujo estalou, ou melhor “pliptou”, quatro vezes os dedos de uma das mãos. Quatro “PLIPTS” foram gastos assim... Tudo para que aquela mãozona olhuda voltasse a fazer parte do próprio mago.

Agora ele podia levar Marvin de volta ao Hospício Villaregum sem sair do lugar.

E assim ele fez.

Primeiro agarrou o rapaz com a mãozona. Daí o seu braço foi se encompridando encompridando encompridando...

Já em Villaregum, a mãozona que podia entrar por uma das janelas do hospício preferiu bater na porta... Nem era necessário, mas assim ela procedeu... E a porta se abriu ruidosamente como se abriria mesmo sem ser avisada...

Então a mãozona passou pelo corredor branco das frases brancas e das pombas brancas com seus cocôs brancos... Depois veio o imenso salão branco dos loucos brancos e aí um outro corredor branco ainda inédito...

Como da vez anterior, Marvin foi ficando todo branco também... Só a mãozona verde continuou verde.

No final do corredor branco inédito, várias celas brancas mantinham criaturas coloridas, uma delas era aquela com os palhaços pais de Marvin.

Só com um dos dedos verdes, a mãozona puxou-arrebentou as grades para depois colocar Marvin dentro da cela.

E ASSIM FINALMENTE a visão de Marmelada e Doce-de-leite despertou outra vez o rapaz para os mundos e para um grande abraço a três.

-- Mas você cresceu, meu menino! Como o tempo passa! Está um belo de um rapagão! Daqui a pouco você vai ficar tão alto quanto o seu pai e tão forte quanto eu aqui. – disse Marmelada ainda dentro do abraço.

-- Até agora não sabemos como viemos parar neste lugar. A última coisa que a gente se lembra é que estávamos dentro do Algodão Doce que havia parado por falta de gasolina. – observou Doce-de-leite também ainda dentro do abraço.

-- Agora já chega de melodrama saskatchuano! – gritou Dito Cujo, observando tudo na distância que não permitia ser ouvido.

QUALQUER SEMELHANÇA AQUI COM MELODRAMA MEXICANO NÃO É MERA COINCIDÊNCIA.

E assim a mãozona agarrou Marvin, separando-o cruelmente dos pais:

-- Mãe!! Pai!!! Eu ainda vou tirar vocês daí! Eu ainda vou tirar vocês daí!

Não adiantava lutar contra a mãozona, ela era muito mais forte que um, dois, três, quatro... dez... quinze... vinte Marvins juntos.

Sem saber disso, Marvin tentou...

Tentou e tentou se livrar dela durante todo o caminho de volta... Infelizmente para ele e felizmente para Dito Cujo, os dedões verdes cheios de olhões eram “sólidos” mesmo, até pareciam músculos de concreto...

Marvin deu um soco em um dos olhões, mas a única coisa que aconteceu foi o dito sangrar algumas gotas de líquido verde... “Nessas alturas”, Marvin já havia deixado de ser branco...

A alguns metros do baixinho cara de Hitler, a mãozona verde colocou o rapaz dos cabelos verdes no chão... Então Dito Cujo estalou, ou melhor “pliptou”, quatro vezes os dedos de sua mão “normal”. Outros quatro “PLIPTS” foram gastos assim... Tudo para que aquela mãozona olhuda fosse diminuindo, diminuindo, diminuindo até voltar ao seu tamanho mínimo, já sem os olhos e a cor de Hulk... Ao mesmo tempo o fino braço quilométrico foi encurtando, encurtando, encurtando...

Marvin ficou todo acreditando-desacreditando-acreditando-desacreditando no PESADELO que via diante de si.

--AH! Então aqui está novamente um dos meus inimigos favoritos!!! Há quanto tempo a gente não tem uma conversa desamigável! Eu já estava com saudades!

-- Dito Cujo??!! Você??!! Mas... Mas você não tinha virado areia???!!!

-- Pois é! Veja como são as coisas! Virei areia e depois desvirei!

-- Não! Isso não é possível!

-- Tudo é possível! Até o impossível é possível, principalmente quando se tem amigos... Afinal não se esqueça que assim como você tem os seus, eu também os tenho. Não os mesmos, é claro. – E riu o Mago.

-- E a minha avó! O que aconteceu com vovó Pangaré?

-- Felizmente não tenho a menor idéia. Aquela velha louca só me deu azar... Seja lá o que aconteceu com ela, espero que fique bem longe, senão eu...

-- O que você quer de mim afinal? Ainda aquela história dos fósforos mágicos?

-- Aquilo é coisa do passado. Não estou mais interessado em fósforos. Quero só lutar contra você até a morte. E veja que a coisa não é tão ruim assim. Ao vitorioso, no caso eu: louros, ouros e fama. E ao derrotado, no caso você: cem anos nas Trevas Sólidas... Veja pelo lado bom. Lá você vai ficar juntinho de sua amiga Lenora! Talvez possam até jazer lado a lado, ou abraçadinhos... Não é uma boa idéia?

-- Lenora não está mais nas Trevas Sólidas!

-- O quê? Você está brincando comigo! Fui eu que ajudei a colocá-la lá. Fui eu que transformou o pai dela em um monstro. Fui eu que tive um trabalho daqueles para montar o meu super plano.

-- Super plano??!! E por acaso eu estava incluído nele?

-- Já que você está perguntando... Sim! Você esteve e está incluído nele.

-- Mas afinal por quê? O que eu lhe fiz de tão grave?

-- Além de roubar meus fósforos mágicos e eu achá-lo um pouco prepotente, praticamente nada...

-- Mas então toda aquela história dos fósforos... Tudo aquilo era uma desculpa para...

-- Digamos que sim!

-- Digamos???

-- Sim! Era um desculpa! Eu precisava derrotá-lo. E ainda preciso.

-- Precisa! Por quê?

-- Puxa! Como você gosta de fazer perguntas! Preciso porque preciso e pronto.

O MAGO DITO CUJO SABIA QUE NÃO ERA DE BOM TOM REVELAR TODO O SEU PLANO. AFINAL SUA VITÓRIA ESTAVA EM JOGO, APESAR DE ELE SE VANGLORIAR DE QUE ELA ERA DADA COMO CERTA.

-- Voltemos à Lenora. O que você quis dizer com “ela não está mais nas Trevas Sólidas”?

-- Isso mesmo! Ela não está mais nas Trevas Sólidas!

-- E como você, suponho que não sozinho, conseguiu tirá-la de lá?

-- Nem te conto! Afinal todos nós precisamos manter certos segredos! Não é mesmo?

OS SEGREDOS EXISTEM EM TODOS OS MUNDOS... SEGREDOS ALIMENTAM A MAGIA...

-- Segredos!!! Você está me deixando nervoso!

-- Desde a última vez que nos encontramos, muita coisa mudou...

-- As coisas sempre mudam, porém a essência delas permanece a mesma...

-- Lenora está comigo!

-- O quê? Como “está comigo”???

-- Se você é mesmo aquele que se auto-proclama o mago todo poderoso, descubra por si próprio.

-- Marvin, você está ficando cada vez mais pedante e insuportável. Tenho até saudades daquele menino que você era.

-- Acho que há muito tempo eu deixei de ser um menino... E mesmo que eu estivesse agora naquele corpo de treze anos, minha mente não é mais a mesma... A magia me transformou e sinto que agora ela faz parte de mim, sinto isso mais intensamente do que nunca...

-- Chega de lero-lero e tro-lo-ló, como se diz no seu mundo... Vamos à luta! Eu vou acabar com você e todos os seus segredos irão se revelar diante de mim, o Mago Dito Cujo. Sim, aquele que se auto proclama, o todo poderoso mago Dito Cujo Fechacadabra.

Nisso Dito Cujo estalou cinco vezes os dedos das duas mãos. E assim ele acabou gastando dez “PLIPTS”.

Dez “PLIPTS” aumentaram o mago muitas vezes...

E DITO CUJO VIROU UM SUPER HITLER “KING-KONG”.

King-Kong só no tamanho e força.

Marvin olhou para cima. Bem nos olhos vermelhos do mago.

-- Cresça e apareça!!! – Gritou lá de cima o mago e depois riu uma gargalhada insuportável...

Marvin fechou os ouvidos. E o seu peito começou a fumegar suavemente um calor que já não queimava e já não ardia. Apenas iluminava...

SSSSHHHHHIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII................

Era Excalibur, saindo do “peito manteiga” do rapaz dos cabelos verdes, bem em cima de sua cicatriz-espada cada vez mais saliente.

-- O que é isso aí? Não sabia que você Marvin estava aprendendo mágica barata para enganar trouxas – e riu novamente o mago.

-- Isso não é mágica barata! É poder! E poder do bem! – gritou Marvin.

Flutuando bem na frente do rapaz, Excalibur foi aumentando, aumentando, aumentando... até atingir seu tamanho original.

--Está vendo?! – gritou novamente Marvin.

-- Certamente!! Só gostaria de saber como essa espada passou para o seu lado?! Ainda vou descobrir o mago bonzinho que realizou tal feito!

Agora os olhos do Mago Dito Cujo mostravam um certo brilho vermelho de cobiça, um desejo de se apoderar da espada.

-- Excalibur veio até mim e é só o que eu sei!—gritou novamente Marvin.

-- Por favor, fale mais baixo! Eu ouço muito bem, apesar de eu estar aqui em cima e você aí em baixo... Mas retornando ao nosso assunto... Não pense que você irá me vencer com essa sua espada aí... Certamente você não sabe, mas Excalibur já pertenceu a mim e já me fez muitos trabalhos sujos... Tenho certeza que ela não se esqueceu disso... E tem mais também, tudo o que já me pertenceu, me pertence e me pertencerá...

-- Mas então foi você que assassinou o Gigante Gurumã???

-- Fui eu sim e daí? Nunca me diverti tanto. Todas aquelas milhares de criaturas chorando a morte do peão... “Buá! Buá! Buá!” Até eu que sou eu me comovi!

-- Você... Você... O que você ganha afinal com tanta maldade?

-- Ganho risos e mais e mais inimigos. AH! E isso é tão bom!!! Eu gosto muito! Eu gosto muito mesmo... Gosto de ser odiado...

NESSAS ALTURAS, BAIXURAS E PROFUNDEZAS, JÁ HÁ UM BOM TEMPO MÁGICO, ESPALHOU-SE A NOTÍCIA DE QUE O MAGO DITO CUJO FOI O VERDADEIRO RESPONSÁVEL PELA MORTE DO PEÃO GURUMÃ, LÁ NO RODEIO DOS DRAGÕES DE SASKATCHUÓ...

NO MÍNIMO, SESSENTA MIL NOVOS INIMIGOS PARA DITO CUJO.

-- Você é um louco demente!

-- Sou sim! E afinal quem não o é??? Mas chega de elogios e vamos ao que interessa... Essa espada aí ainda me pertence... Se ela está agora com você, ela está muito indevidamente... Porém não mais por muito tempo... Não mais por tempo algum... Marvin, você vai ver só... Com um “plipt”, ela já volta pra mim...

Dito Cujo estalou os dedos... e nada aconteceu.

Dito Cujo estalou novamente os dedos... e nada aconteceu novamente.

DITO CUJO PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU, PLIPTOU...

Dito Cujo gastou todos seus “PLIPTS”... e nada aconteceu.



PARA DEIXAR BEM CLARO AO MAGO DE QUE LADO ESTAVA AGORA, EXCALIBUR SE COLOCOU NA MÃO DE MARVIN, CONCEDENDO-LHE ASSIM O DIREITO DE USÁ-LA...



“Não, não pode ser, mas pelo jeito a maioria dos “plipts” já veio com o prazo de validade vencido... Sim, só pode ser isso!” – pensou, ou melhor, tentou se enganar o Mago Dito Cujo, já que para ele seria muito difícil admitir que seus “novos poderes” eram limitados diante de forças muito mais poderosas.

“Eu ainda acabo com aquele Tipo Assim de uma figa! Nunca vi duende mais cretino! Tenho certeza que me vendeu coisas estragadas... ou até mesmo falsas... AH! Quando eu pegar aquele sujeito amarelo, ele vai ver só com quantos ossos se faz um esqueleto!”

-- Pelo que está parecendo, os seus poderes já não são tão poderosos assim... Acho que entrou areia neles, não?

-- Só espere um pouco e você verá!

Dito Cujo possuía ainda alguns trunfos escondidos... Os mais importantes eram as quatro bolas de carniça “turbinadas” pelo próprio mago, tudo de acordo com uma receita secreta disponível no Livro Secreto das Receitas Secretas.

BOLAS DE CARNIÇA “TURBINADAS”? MAS O QUE AFINAL É ISSO?

Diante da provocação de Marvin, o mago que estava guardando-as para o momento-clímax da “batalha” resolveu usá-las na seqüência...

-- Agora, você vai ver só o que é bom pra mim e péssimo pra você!

Dito Cujo abriu bem os olhos de Super Hitler e lançou sobre Marvin a primeira bola “turbinada” de carniça, que estava escondida já há algum tempo dentro dele.

“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...” Este foi mais ou menos o barulho que fez a bola ao sair do olho direto do mago.

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

PARA MUITAS CRIATURAS, PRINCIPALMENTE DRAGÕES, GRANDES REMORSOS PRODUZEM BOLAS DE CARNIÇA QUE DEPOIS DE VOMITADAS FOGEM DE SEUS DONOS.

A bola aparecia agora toda incandescente... da mesma cor dos olhos vermelhos do mago... e já bem maior que uma bola de basquete...

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

“TRUBLUM!!!”

Raios e faíscas.

Marvin conseguiu facilmente acertar a bola com a espada, mas a bola não era assim fácil de ser vencida. Afinal estava toda turbinada.

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

E então ela retornou ao Mago Dito Cujo, parando-flutuando bem diante de sua cara de Hitler, como se estivesse a trocar idéias estratégicas com ele.

Dito Cujo abriu a bocarra e engoliu aquela bola confidente.

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

-- Marvin, você se acha muito esperto! Quero ver só a tua esperteza agora!

“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”

“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”

“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”

“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”

Dito Cujo então lançou as quatro bolas turbinadas de carniça sobre Marvin. Todas quase ao mesmo tempo. Duas saíram pelos seus olhos e duas pela boca...

-- Agora é que a porca voadora vai torcer o rabo azul!!! – E riu o mago. Mas não foi um riso verdadeiro. Foi muito mais um riso teatral.

Dito Cujo não sabia, mas Excalibur já havia vencido os terríveis lobisomens azuis lá da Caverna do Caracol do Tempo. Então para a espada, aquelas quatro bolas “eram fichinha” ou como se diz também por aí e lá e acolá: “sopa no melado”.

Desta vez as bolas turbinadas de carniça não vieram direto pra cima do Marvin. Apenas se aproximaram e ficaram rodando ao seu redor... Rodando, rodando tão intensamente até formar um redemoinho...

De redemoinho para mini-tornado foi um pulo, ou melhor dizendo, um rodar...

-- Agora vai ser a sua vez de virar areia, meu barato colega!



ENQUANTO ISSO NO MUNDO DOS MONSTROS CEGOS E DESDENTADOS, O MINÚSCULO DRAGÃO ELVIS PRESLEY ACABAVA DE ENCONTRAR A QUINTA BOLA DE CARNIÇA (QUE PARA ELE ERA A PRIMEIRA).

-- Nossa! Como essa bola cresceu! Ou fui só eu que diminuí tanto assim?!

REALMENTE. A bola estava maior do que nunca. Com mais de dez metros de diâmetro. E o dragão Elvis Presley, ao contrário, menor do que sempre... Quase microscópico.

Agora, pelo jeito, nenhuma mágica poderia salvá-lo de um lonnnnnnnnnnngo trabalho... Sua “insignificância” teria mesmo que comer toda aquela bola de carniça... E isso poderia demorar até meses, caso ele desempenhasse tal função pelo menos vinte horas por dia...

Depois ainda restariam as outras quatro bolas turbinadas... Será?

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

De acordo com o Livro Secreto das Receitas Secretas, para se turbinar bolas de carniça, também conhecidas como bolas de remorso e vice-versa, é necessário primeiramente os seguintes “árduos” ingredientes:

- 10 almas humanas graúdas ou 20 almas humanas miúdas e fresquinhas (fresquinhas aqui significa que foram conseguidas no máximo nas últimas 1200 horas);

- 1 e 1/2 coração humano;

- 1 punhado de cabelo da futura vítima de seu plano diabólico;

- 1 bola de remorso;

- 5 pitadas de pó de osso do dragão Dracolich;

- Uma dúzia de ovos do Terrível Pássaro Comedor de Cabeças;

- 100 quilos de banha de assassinos de baleias;

- 2 taças de vinho de abutre.



modo de preparo:



Primeiro lave bem o coração e meio e o coloque dentro da bola de carniça. Faça o mesmo com o cabelo da futura vítima de seu plano diabólico.

Em uma vasilha, bata por meia hora os doze ovos e acrescente as cinco pitadas de pó de osso de Dracolich.

Passe então a bola de carniça nesse líquido (que já deverá ter ficado mais espesso-grudento).

Por último ferva a banha de assassinos de baleias e deixe a bola de carniça fritando por, no mínino, três dias.

Assim que a bola de carniça esfriar (aí ela já vai estar de um tamanho bem diminuto), você deverá engoli-la de uma vez só...

Em seguida, beba a taça de vinho de abutre.

Pegue então as 10 ou 20 almas fresquinhas (do seu saco especial de almas) e engula-as também.

Por último, beba a segunda taça de vinho de abutre e repita as seguintes palavras mágicas: “ghtoru fhgirot vnfirudt erdfrtd pouigj nhituf furoedb voitur yoiurt dhsfetro hlyoirtdf viurtyg hassew oasjeudh vodian oierasgs eidkhgtiu ausyeo foriha oaisyqp svetsgd truhnv skweaeru rjdkit wsutrodjt roeigj eorise dieurufheury qwtrsdgetdurif oijlpnvsiwey wter xcsurydi itur iojkl”



Pronto, agora é só aguardar o seu inimigo e “vomitar”sobre ele a bola de carniça turbinada.

MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?

Resumindo em poucas palavras, uma bola turbinada de carniça nada mais é do que isso mesmo.

ISSO MESMO O QUÊ?

Resumidamente falando, nada mais é do que uma bola de remorso enfeitiçada para se vencer até os mais poderosos inimigos... Pelo menos diz isso um adendo sobre a receita, bem nas páginas finais do Livro Secreto das Receitas Secretas.

POR SER DEVERAS PRECAVIDO (JÁ QUE MARVIN NÃO ERA APENAS UM GAROTO, MAS UM PROTEGIDO DOS MERLINS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA) DITO CUJO QUADRIPLICOU A RECEITA....

NUNCA CRIATURA ALGUMA EM SÃ CONSCIÊNCIA HAVIA FEITO ISSO.

“Desta vez eu vou vencer! Eu sinto isso! Eu sinto isso! Minha derradeira vitória me deixará ainda mais poderoso, muito mais poderoso... invencível...”

Não dava para ver o que estava acontecendo dentro do mini-tornado... A hiper velocidade das quatro incandescentes bolas turbinadas formava um escudo intransponível. Nada saía... Nada entrava...

SERÁ QUE DESTA VEZ ERA MESMO O FIM DE MARVIN E DA MAIS PODEROSA ESPADA MÁGICA DE TODOS OS TEMPOS E DE TODOS DOS MUNDOS???

Dito Cujo já mostrava um leve sorriso na carona de Hitler.

“Agora sim! Eles estão acabados! Ninguém suportaria um mini-tornado desses por mais de alguns segundos e já faz quase dois minutos que eles estão lá dentro... Venci! Venci! Sinto que venci...”

NUNCA CONTE COM O OVO DO TERRÍVEL PÁSSARO COMEDOR DE CABEÇAS DENTRO AINDA DO TERRÍVEL PÁSSARO COMEDOR DE CABEÇAS. E TAMBÉM NÃO CONTE COM O OVO DO TERRÍVEL PÁSSARO COMEDOR DE CABEÇAS FORA DO TERRÍVEL PÁSSARO COMEDOR DE CABEÇAS. AFINAL MUITO POUCOS SÃO AQUELES QUE CONSEGUEM ROUBAR SEUS OVOS.

“Mas para não restar nenhuma sombra de dúvida, melhor eu ainda...”

E assim Dito Cujo olhou bem para o mini-tornado, lançando sobre ele um raio vermelho de seu olho direito...

PELO CAMINHO DE PEDRAS, PAREDÕES, PRESCIPÍCIOS, O MINI-TORNADO SAIU SE DEBATENDO EM CARREIRA DESEMBESTADA...

Conforme o que fora “telepaticamente” combinado, somente à noite, ele retornou ao seu amo, dono e senhor...

“Agora eu tenho a certeza das certezas!”

E assim Dito Cujo lançou um raio de seu olho esquerdo e o mini-tornado virou um redemoinho e depois parou por completo...

As quatro incandescentes bolas de carniça caíram exaustas no chão e se apagaram definitivamente... Próximo a elas, lá estava o que o mago mais esperara durante tanto tempo...

MUITO PLANEJAMENTO E GASTOS FINALMENTE HAVIAM SE TRANSFORMADO EM...

...Um monte de areia branca com pedaços de metal???

Sim. Era isso mesmo o que Dito Cujo ambicionara e agora conseguia.

Marvin e a espada Excalibur eram um monte de areia branca com pedaços de metal.

Restavam ainda duas coisas desagradáveis para serem feitas. Mas tinham que ser feitas. Dito Cujo sabia disso. Só assim sua vitória seria completa...

PRIMEIRA COISA DESAGRADÁVEL: ele precisava voltar ao seu insignificante tamanho normal e já não havia mais “PLIPT” algum para ser “pliptado”.

FELIZMENTE NÃO SÓ DE “PLIPTS” VIVE UM MAGO METIDO A TODO PODEROSO.

Dito Cujo tinha ainda algumas “cartas mágicas” escondidas nas mangas, ou melhor dizendo, escondidas embaixo das penas.

UMA DESSAS “CARTAS” ERA UM BESOURO DOURADO.

Dito Cujo pegou o besouro e o colocou diante de seus olhos, como se estivesse tentando conversar telepaticamente com o bicho...

E estava.

Em seguida, o mago direcionou o inseto até a “porta” aberta de sua bocarra de Hitler e o besouro dourado lançou sobre sua língua um grosso líquido também dourado.

“Agora, conforme o nosso combinado, você pode ir!” – pensou Dito Cujo e o besouro entendeu muito bem. Já não era mais prisioneiro de um feitiço do mago... Podia voar novamente até o Mundo dos Desviradores de Besouros.

Em poucos segundos, o líquido dourado começou a fazer efeito e Dito Cujo foi diminuindo, diminuindo, diminuindo até atingir o seu tamanho original.

Nisso tudo, uma pergunta pode ter ficado no ar: por que Dito Cujo precisava diminuir de tamanho para comer o seu aclamado inimigo-areia? Simples. Muito simples. Só em seu tamanho original, ele iria receber toda a força mágica de Marvin. E de “lambuja”, a força de Excalibur também.

SEGUNDA COISA DESAGRADÁVEL: com uma colher de sopa, retirada de um de seus bolsos de penas, Dito Cujo passou a comer a areia branca e a engolir os pedaços de metal.

COMA SEU INIMIGO PARA FICAR TÃO FORTE QUANTO ELE. COMA SEU INIMIGO PARA GANHAR TODA SUA FORÇA.

O monte de areia não era pequeno e pela cara do mago não ia ser nada fácil deglutir toda aquela “refeição indigesta”.

A primeira colherada até que foi fácil... A segunda já nem tanto... A terceira lhe deu um “nojo-calafrios”...

QUEM JÁ SENTIU UM NOJO-CALAFRIOS SABE MUITO BEM DO QUE ESTAMOS FALANDO... UM NOJO-CALAFRIOS ACONTECE SEMPRE QUE SOMOS FORÇADOS A COMER ALGO INSUPORTÁVEL E POR REPETIDAS VEZES SEGUIDAS.

No mínimo o mago Dito Cujo ainda tinha umas duzentas colheradas pela frente, ou melhor dizendo, pela boca.

“Se ao menos eu conseguisse transformar isso tudo em algo mais deglutível!”

BEM, NÃO CUSTAVA TENTAR... OU CUSTAVA???

E assim Dito Cujo retirou mais uma “carta mágica” escondida embaixo das penas.

A “carta mágica” era um ovo de galinha. Pelo menos assim parecia.

Dito Cujo quebrou o ovo e jogou sobre o monte de areia a gema verde.

Gema verde???

Isso Mesmo! Gema Verde!

Ovo de Galinha verde? Deve existir alguma pôr aí... Talvez várias... Talvez até o Mundo das Galinhas Verdes.

A gema verde transformou a areia em uma gosma.

E Dito Cujo passou a comer aquela coisa.

MELHOR COMER GOSMA VERDE DO QUE AREIA...

Depois da décima quinta colherada:

“Não agüento mais essa nojeira! Se ao menos fosse marshmallow!”

Dito Cujo retirou então outra “carta mágica” das penas.

A outra “carta mágica” era outro “ovo de galinha”.

Pelo jeito o mago devia ser dono de alguma granja ou galinheiro.

Dito Cujo quebrou o ovo sobre a gosma verde.

A gema azul transformou a gosma verde em gosma azul.

Dito Cujo passou a comer aquela nova coisa gosmenta.

Mais trinta colheradas e:

“Não agüento mais essa nojeira! Se ao menos fosse marshmallow!”

CADA VEZ FICAVA MAIS NÍTIDO QUE NÃO É NADA FÁCIL COMER O INIMIGO.

Se pelo menos, dito Cujo conseguisse transformar a gosma em marshmallow...

O QUE É FÁCIL PARA ALGUNS PODE SER MUITO DIFÍCIL PARA OUTROS. O QUE É DIFÍCIL PARA OUTROS PODE SER MUITO FÁCIL PARA ALGUNS.

DITO CUJO NUNCA CONSEGUIU FAZER MARSHMALLOW.

E já não havia mais “cartas mágicas” embaixo das penas.

Não restava outra alternativa a não ser engolir toda aquela gosma azul.

Dito Cujo retornou às colheradas: mais uma... mais uma... mais uma... mais uma... mais uma... mais uma... m a i s u ma... m a i s u ma... m a i s...

“Não! Não agüento mais! Acho que vou vo...!

E Dito Cujo vomitou tudo o que tinha engolido em cima do monte de gosma azul.

“Maldito Marvin! Como posso roubar toda sua força mágica assim! Eu deveria tê-lo cortado em pedacinhos, temperado bem e assado na grelha... Daria menos trabalho... E seria muito mais saboroso...”

O PLANO DO MAGO NÃO ESTAVA QUERENDO FUNCIONAR DO JEITO QUE ELE ARQUITETARA... TANTO TRABALHO! TANTAS TRAIÇÕES! TANTA CORRUPÇÃO! TANTAS MALDADES! TANTOS ASSASSINATOS! PARA ISSO?!

E ainda não era tudo.

O pior está por vir...

Do céu de multicoloridas nuvens dançarinas, vozes uníssonas iriam selar o destino de Dito Cujo:

-- Nós só estávamos querendo ver até onde você ia chegar... E realmente você chegou... Chegou no fundo do poço da mediocridade... Chegou na escuridão completa de sua alma podre... Que assim seja o seu destino, Mago Dito Cujo Fechacadabra!!!

“Xiii!!! Maldito Tipo Assim! Aquela sua poção-exotérica-anti-telepática-e-anti-visiopática não funcionou!!!” – pensou o mago.

-- Não funcionou mesmo!!! E já está mais do que na hora de você pagar os seus débitos mágicos!

-- Mas, mas, mas...

Sem mais “mas”, uma nuvem vermelha desceu do céu...

Dito Cujo tentou correu, mas a nuvem correu mais... e entrou pela boca, olhos e orelhas do mago...

Dito Cujo inchou feito um balão...

As penas caíram no chão.

O bigodinho não...

E cheio de gás, ou melhor, cheio de nuvem, o mago nu começou a flutuar...

Seu corpo balão passou por colinas, passou pelo Hospício de Villaregum, passou por montanhas, passou por três lagos, passou por uma floresta de árvores gigantes carnívoras...

Mais à frente, acima de um vulcão, a nuvem vermelha começou a sair do mago... E assim Dito Cujo foi desflutuando, desflutuando, desflutuando... caindo, caindo, caindo... até afundar completamente nas lavas ferventes...

RETORNANDO AO MARVIN, ELE AINDA CONTINUAVA SENDO UM MONTE DE GOSMA...

Bem que os Magos da Távola Redonda Mística podiam ter feito alguma coisa... E alguma coisa aqui só podia ser trazer de volta o rapaz dos cabelos verdes e a espada Excalibur... Pensando melhor: se não fizeram, era porque não havia necessidade imediata para tal...

OS MAGOS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA SÓ INTERVÊM NOS URGENTÍSSIMOS ASSUNTOS MÁGICOS PROBLEMÁTICOS.

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Durante trezentos dias e trezentas noites, Marvin continuou sendo um monte de gosma.

Só então um beija-flor apareceu...

Não! Não era um beija-flor! Era o dragão Elvis Presley do tamanho de um beija-flor. Em parte recuperado e ainda se recuperando...

-- Marvin! Eu sei que é você aí! Responda!

E Marvin não respondeu, é claro!

-- Calma! Calma! Eu já vou te ajudar!

MAIS CALMO QUE AQUELE MONTE DE GOSMA ERA ALGO PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL.

-- Vamos, Marvin! Tome um pouco deste néctar!

NÉCTAR ERA SÓ FORÇA DE EXPRESSÃO PARA QUEM AGORA TINHA UMA VOZ MIÚDA.

Marvin-gosma não possuía boca para beber. Mesmo assim o pequeno dragão Elvis jogou sobre “ele” o “néctar”: um líquido-ácido-amarelo-fluorescente.

O ácido passou a derreter toda a gosma e uma fumaça foi saindo, saindo, saindo...

A cinco metros do chão, a fumaça adquiriu forma de um rapaz com sua espada.

A cinco metros do chão, o rapaz-fumaça foi ganhando carne e ossos e músculos e pêlos e cabelos e...

A cinco metros do chão, a espada-fumaça foi ganhando seu aço mágico...

A cinco metros do chão, o rapaz-de-carne-e-osso-e-músculos-e-pêlos-e-cabelos-e... ficou flutuando nu.

A CINCO METROS DO CHÃO, O RAPAZ-FLUTUANTE E A ESPADA EXCALIBUR GANHARAM SUAS CONSCIÊNCIAS:

-- Que brincadeira é essa, Dito Cujo! Me coloque no chão! Me coloque no chão!

O DITO QUE NÃO ERA CUJO ASSIM PROCEDEU COM OS DOIS...

-- Marvin, Marvin! Finalmente nos reencontramos!

-- Elvis???

-- Sim! Sim! Eu mesmo! Mas já estive muito pior! Cheguei a ficar do tamanho de um micróbio! Agora tenho certeza que vou me recuperar completamente... Só preciso encontrar as outras quatro bolas de remorso...

Enquanto Elvis falava, ele já ia lançando sobre Marvin alguns piolhos dourados mágicos (as pílulas tinham acabado) e assim o rapaz ganhava as roupas necessárias para esconder sua nudez.

O BÁSICO DE SEMPRE: CAMISETA, JEANS, TÊNIS...

-- Marvin, você por acaso não viu minhas bolas de remorso?

AINDA MEIO TONTO DIANTE DOS RECENTES ACONTECIMENTOS MÁGICOS, MARVIN TENTAVA ARTICULAR SUA MEMÓRIA EXOTÉRICA:

-- Bolas de remorso??? A última coisa que eu me lembro foi um redemoinho... Quatro bolas incandescentes... quatro bolas vermelhas girando, girando... E o redemoinho... E eu dentro ele...

-- Sim! São elas mesmas! O safado do mago turbinou minhas bolas para destruir você.

-- Turbinou??

-- Em outras palavras, eu diria que ele realizou um feitiço poderoso...

-- Elvis, me desculpe, mas eu não tenho a menor idéia sobre onde foram parar as suas bolas de remorso... Não há mesmo outra maneira de você voltar ao seu tamanho normal???

-- Infelizmente não!!! – disse Elvis já desanimado.

-- E os chicletes de morcego prateado? Eles me fizeram crescer...

-- Infelizmente os chicletes não funcionam com dragões feito eu. – disse Elvis, mais desanimado ainda.

-- Mas deve ter um jeito. Eu sinto isso...

-- O único jeito é encontrar minhas quatro bolas...

-- Nessa história toda, eu só queria saber onde foi parar o Dito Cujo???

-- Acho que agora ele está bem longe daqui.

-- Espero que você esteja certo. Esse sujeito não desiste nunca!

-- Algo me diz que desta vez ele vai ficar um bom tempo sem nos perturbar... Pelo menos uns cem anos.

-- Será mesmo???

-- Algo me diz que sim!

ELVIS NUNCA QUIS MENCIONAR QUAIS ERAM OS SEUS REMORSOS, PORQUE ELES DIZIAM RESPEITO AO PRÓPRIO MARVIN... TALVEZ ALGUM DIA ELE AINDA “DRAGÃOBUCHE” (O MESMO QUE “DESEMBUCHE”, SÓ QUE USADO APENAS PARA DRAGÕES).



ENQUANTO ISSO NA EX-CAVERNA DA EX-MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA, OU MELHOR DIZENDO, NA CAVERNA DA VELHA PELUDA:

-- Madame-Madame, desculpe a intromissão, mas o que a Madame-Madame vai fazer com essas quatro bolas de carniça??? Já faz um tempão eu as consegui para a Madame-Madame e até agora a Madame-Madame não se decidiu...

-- Não sei ainda, Paradeiro! Às vezes fico tão indecisa. Tenho tantos livros e tantas receitas... E acabo toda confusa...

-- Madame-Madame, não me chame mais de Paradeiro! Lembra, meu nome agora é Eletrovildo!

-- Que cabeça a minha! Desculpe, Eletrovildo, Eletrovildo, Eletrovildo, Eletrovildo, Eletrovildo, Eletrovildo... Acho que agora já gravei seu novo nome...

-- Madame-Madame, se a Madame-Madame não quiser mais as bolas de carniça, eu posso dar um jeito nelas... Não, não se preocupe... Não vou jogá-las fora... Posso revendê-las por um bom preço... E nós dois dividimos a grana... Conheço muitas criaturas interessadas nelas...

-- Não! Espere! Acabo de ter uma idéia genial! Acho que vou fazer uma plástica total! Desde a cabeça até os dedões do pé... Sim, isso mesmo! Afinal, além de bruxa poderosa, preciso ser também uma mulher atraente... Numa dessas ainda consigo algum bruxo disponível por esses mundões afora...

-- Ótima idéia, Madame-Madame. Ótima idéia. – incentivou falsamente o duende Eletrovildo.

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RETORNANDO AO MARVIN E AO ELVIS:

-- Elvis, o que você vai fazer agora?

-- Preciso correr-voar atrás das minhas quatro bolas... E você precisa ir até Avalon para a Reunião Extraordinária dos Magos da Távola Redonda Mística.

-- Reunião Extraordinária dos Magos da Távola Redonda Mística?

-- Não há tempo a perder! A reunião já começou... Todos estão esperando por você.

-- Então vamos!... Mas vamos como?

-- Eu tenho comigo aqui um pouco de bruma... É através dela que você vai chegar em Avalon.

SE MARVIN NÃO PODE IR ATÉ AS BRUMAS, AS BRUMAS VÊM ATÉ MARVIN.

Nisso o minúsculo dragão Elvis soltou pela boca uma fumaça que até parecia de cigarro, mas não era... Em poucos segundos todo o ambiente ao redor foi ficando nebuloso e frio... Marvin deixou de sentir os pés sobre o chão... Mas não passou a tremer os dentes nem ficou com os braços arrepiados...

RAPAZES MÁGICOS NÃO SENTEM FRIO (PELO MENOS NÃO QUALQUER TIPO DE FRIO).

-- Elvis?! – gritou Marvin, já não enxergando Elvis algum.

-- Boa viagem, Marvin! E até breve! “Espero!”

Marvin flutuava entre as brumas e cada vez mais alto e mais alto ia seguindo o seu destino solitário... (agora sem Excalibur que ficou para solucionar alguns assuntos pendentes em outros mundos mágicos)

-- Excalibur!! – Marvin ainda gritou pela espada, mas a espada não quis mais ouvi-lo. Isso significava que, por enquanto, ele não iria precisar dela...

QUANTO TEMPO TEM A DURAÇÃO DE UM “POR-ENQUANTO”?

As brumas densas já indicavam que Marvin estava no caminho para Avalon.

AVALON VIAJA PELOS MUNDOS MÁGICOS, ESCONDIDA ATRÁS DAS NUVENS DE QUALQUER CÉU...

Depois de algum tempo, as brumas densas foram dando lugar a uma brisa suave e o branco-leite-fumaça começou a ganhar outras cores...

AS CORES VIVAS DE AVALON.

AVALON É TODA PLANÍCIES E VALES E MATAS E LAGOS E...

Marvin chegou bem na hora em que os mini-girassóis inundavam de amarelo os campos...

Depois de caminhar uns três quilômetros sobre as flores, outras começaram a surgir em seu campo de visão: eram lírios, rosas, cravos, crisântemos, orquídeas, margaridas, camomilas, amores-perfeitos, mosquitinhos, flores-de-mel, begônias e algumas outras estranhas-desconhecidas...

E NENHUMA SACERDOTIZA À VISTA.

Marvin agora andava sobre um mar de cores... Ele até lembrava o ator Robin Willians, em uma das cenas do filme “Amor Além da Vida”.

Escondidas entre as flores, milhares e milhares de minúsculas fadas-beija-flor sugavam o “néctar” dos lírios, das rosas, dos cravos, dos crisântemos, das orquídeas, das margaridas, das camomilas, dos amores-perfeitos, dos mosquitinhos, das flores-de-mel, das begônias e das “estranhas-desconhecidas”...

FADAS-BEIJA-FLOR SUGAM O “NÉCTAR” E A ALMA DAS COISAS. SÓ ELAS SABEM QUE TODAS AS COISAS TÊM ALMA... E TODA ALMA BOA ESTÁ CHEIA DE UM SABOROSO “NÉCTAR” INFINITO...

Andando mais um pouco, Marvin avistou ao longe “A MURALHA VERDE” FEITA DE ÁRVORES MILENARES...

Agora faltava pouco... Dez minutos de caminhada no máximo...

E NENHUMA SACERDOTIZA À VISTA.

Marvin caminhou pensando em Lenora, pensando nos Magos da Távola Redonda Mística, pensando em tantas coisas e tantos amigos, pensando em ser feliz algum dia...

Assim que entrou no imenso Círculo de Árvores, uma surpresa desagradável: não havia Távola Redonda Mística alguma... Nem mesmo um mago sequer...

“Não posso acreditar que o Elvis fez isso comigo! E por quê? Por que afinal ele mentiu?” – inquietou-se Marvin.

ANDAR FAZ BEM À SAÚDE. ANDAR FAZ BEM TAMBÉM À CABEÇA PREOCUPADA.

E assim Marvin resolveu continuar andando, andando, andando...

“Acompanhando” as árvores “circundantes”.

Marvin andou quilômetros e mais quilômetros...

Quando já estava realmente cansado... ele (mesmo assim) continuou caminhando até o meio do círculo e lá sentou...

Alguma coisa ansiava por acontecer. O coração de Marvin batendo mais forte do que sempre dizia isso...

Até as imensas árvores distantes, em movimentos estranhos, também aguardavam O GRANDE ACONTECIMENTO.

E O GRANDE ACONTECIMENTO FOI CHEGANDO AOS POUCOS:

Primeiro o tapete de grama verde desapareceu sob os pés e diante-além dos olhos de Marvin...

Em seguida, foi a vez do chão ganhar magicamente uma grossa camada de gelo de trinta centímetros.

A bunda de Marvin gelou e por isso ele já ficou em pé...

Inscrições do mais puro ouro mágico foram então se escrevendo no imenso círculo quilométrico: frases de filósofos, fórmulas e poções secretas e também não-tão-secretas-assim.

Umas após outras, milhares e milhares de criaturas de várias espécies surgiram, circundando a beirada da quilômetrica Távola Redonda Mística de gelo.

Milhares e milhares de MERLINS sentados-flutuando sobre almofadas com alta concentração de nuvens.



UMA INFORMAÇÃO EXTRA: OS MERLINS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA DIMINUÍRAM EM NOVENTA E NOVE POR CENTO OS PODERES DA CABELEIRA VERDE DE MARVIN... QUERIAM SABER SE SEM TAIS PODERES, MARVIN CONSEGUIRIA MESMO ASSIM VENCER OS OBSTÁCULOS E OS INIMIGOS MÁGICOS... É CLARO QUE ALGUNS PODERES ADICIONAIS FORAM DADOS: A AJUDA DA ESPADA EXCALIBUR, POR EXEMPLO. MAS ISSO JÁ ERA OUTRA COISA. AFINAL MARVIN FICAVA NA DEPENDÊNCIA DOS OUTROS, NA NECESSIDADE DE INTERAÇÃO COM OUTROS SERES E CRIATURAS...



Marvin sabia que estava agora diante de todo o poder mágico do universo... E só todo esse poder mágico poderia ajudá-lo.

“Lenora! Lenora! Sinto que você vai estar comigo brevemente!” – pensou Marvin.

Marvin ficou ali no centro da Távola Redonda Mística, esperando pelo GRANDE ACONTECIMENTO...

E O “GRANDE ACONTECIMENTO” começou caminhando miudamente até ele.

O “GRANDE ACONTECIMENTO” era um duende azul de roupas velhas e longas orelhas que iam até o chão frio... De altura ele não tinha mais que cinqüenta centímetros.

O “GRANDE ACONTECIMENTO” trouxe o Cálice do Santo Graal.

-- Beba, meu filho! Beba tudo! Isto aqui vai lhe fazer bem!

Marvin deu o primeiro gole.

Era sangue, mas ele continuou bebendo... E bebeu tudo.

-- Muito bem, meu filho! Agora o que você mais esperava vai realmente acontecer! – e então o duende azul foi miudamente caminhando de volta ao seu lugar, levando consigo o Cálice do Santo Graal.

Não demorou quase nada e Marvin começou a chorar...

Não eram lágrimas e sim sangue.

Marvin chorou sangue...

Sangue e mais sangue.

NÃO ERA BEM ISSO QUE ELE ESTAVA ESPERANDO... MAS AGUARDEMOS...

O sangue começou timidamente feito lágrimas e depois já jorrava de seus olhos..

Até o seu nariz e ouvidos passaram a chorar...

Até suas mãos choraram...

E Marvin foi diminuindo de tamanho...

UMA LAGOA DE SANGUE SE FORMOU AO SEU REDOR.

Marvin ficou todo sujo de vermelho. Novamente com cara e corpo de menino com trezes anos.

O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...

Assim que parou de “chorar”, algumas vozes de Merlins pediram para Marvin se afastar da poça.

Marvin se afastou.

E a poça de sangue ganhou movimentos...

Gotas de sangue flutuaram....

Umas se uniram às outras...

E todas se uniram em uma coisa só: uma grande bola de sangue grosso...

Uma grande bola de sangue grosso se contorcendo no ar.

Uma grande bola de sangue grosso querendo deixar de ser bola para ser outra coisa.

Uma massa de sangue grosso sendo moldada por mãos invisíveis.

Uma massa de sangue grosso ganhando forma.

Uma massa de sangue grosso ganhando forma de um corpo

Um corpo humano de sangue.

Um corpo humano “desflutuando” no chão de gelo.

O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...

Marvin se aproximou...

O corpo tinha cabelos longos. Cabelos loiros sujos de sangue.

“Lenora!!!”

Marvin pegou no colo uma Lenora morta, raquítica e muda.

-- Não se preocupe, ela ainda vai viver!!! – disse um Merlin.

-- Não se preocupe, ela ainda vai crescer!!! – disse um segundo.

-- Não se preocupe, ela ainda vai falar!!! – disse um terceiro.

O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...

Marvin chorou então sobre a menina suas lágrimas de sal.

Dez lágrimas ao todo.

Dez lágrimas e a menina abriu os olhos.

Dez lágrimas e a menina mexeu os braços.

Dez lágrimas e a menina também chorou...

Dez lágrimas e a menina não falou nada.

Antes que Marvin pudesse perguntar alguma coisa aos Merlins, eles todos desapareceram...

Em seguida foi a vez da Távola Redonda Mística de gelo derreter...

AS MENSAGENS, FÓRMULAS E POÇÕES ESCRITAS EM OURO MÁGICO SAÍRAM VOANDO PARA “DISSOLVEREM-SE ” EM NOVAS IDÉIAS E LIVROS...

Tudo abaixo de seus pés derreteu e Marvin caiu com Lenora nos braços.

E Marvin continuou caindo...

Na queda encontrou Etecétera que também caía:

-- Etecétera!?

-- Marvin! Não sei como, eu vim parar na tua queda! Não, acho que foi você que acabou caindo na minha. Você e Lenora.

ETECÉTERA ERA AGORA UM DRAGÃO-ANÃO PELUDAMENTE BRANCO, COM BARBICHA E TUDO...

“E melhor assim, com essa camuflagem posso me esconder perfeitamente em qualquer e em todas as nuvens brancas... E uma barbicha é sempre um sinal de certa respeitabilidade. Pena que nunca mais tive chance de ver uma nuvem, só a escuridão da queda sem fim me acompanha.”

A MÁGICA DO MAGO DITO CUJO DEU A ETECÉTERA A MALDIÇÃO DE FICAR ETERNAMENTE CAINDO... POR MAIS QUE ELE BATESSE AS ASAS DE DRAGÃO NÃO CONSEGUIA PARAR DE CAIR...

-- Marvin! Não agüento mais ficar caindo! Ainda bem que você, ou melhor dizendo, ainda bem que vocês estão agora caindo comigo! Melhor cair acompanhado do que cair só.

Para Marvin aquilo tudo não fazia sentido nenhum...

“A não ser que... a não ser que eu tenha sido colocado aqui justamente para salvar Etecétera... O problema é que eu não sei como salvá-lo... Espera aí! Quem sabe se eu... Pode ser... Vamos ver se dá certo.” – refletiu Marvin, tentando encontrar uma saída daquela queda infinita.

-- Etecétera, se aproxime mais de mim! Vamos!

-- Vamos aonde?

-- Pare de brincar, Etecétera! Simplesmente se aproxime... e pegue aqui na minha mão!

Com suas patas peludas, Etecétera pegou a mão de Marvin que segurava Lenora nos braços.

-- Agora, pegue na mão de Lenora também!

E então Marvin se concentrou.. se concentrou... se concentrou... Toda a sua energia em um só pensamento...

PENSAMENTO SUPER HIPER POSITIVO.

Tanta energia fez seu cérebro doer e o seu corpo brilhar...

Marvin ficou todo iluminado.

A MÁGICA ESTAVA ACONTECENDO.

Em poucos segundos, ao redor dos três, o vazio da queda foi ganhando cores e formas: duas árvores arrancadas pela raiz, uma casa de madeira, três cadeiras, cinco vacas malhadas com as patas para cima, dois sofás, dez elefantes, outra casa de madeira, dois televisores, oito galinhas, cinco crianças, dois porcos, mais uma casa de madeira, três gordas mulheres de sombrinhas floridas, vinte executivos de guarda-chuva e chapéu, um “baú da infelicidade”, seis carros antigos, uma bicicleta, dezenas de livros, dois vasos sanitários, mais cinco árvores arrancadas pela raiz...

MARVIN, LENORA E ETECÉTERA CONTINUARAM CAINDO... MAIS RÁPIDO DO QUE AS CORES E AS FORMAS...

... uma chuva de pneus, dez caixões de defunto, trinta defuntos, dois postes de luz, três barraquinhas de cachorro-quente, três vendedores de cachorro-quente, uma bruxa em sua vassoura, dois dragões-anões fumando charuto, duas motos, um avião monomotor, dois bebês gigantes chorando, cinco gatos, oito travesseiros, um imenso relógio, um fusca 69, mais uma casa de madeira, uma cabine vermelha de telefone público, várias pizzas gigantes de mussarela, uma chuva de sapatos, um ônibus inglês lotado, cinco táxis amarelos, dois bêbados acompanhados de suas respectivas amigas garrafas, várias bolas de futebol, um lobisomem azul, mais duas vacas malhadas, mais dez vasos sanitários, duas cadeiras de balanço com duas velhas se balançando, dois cavalos azuis, cinco cabeçonas do George Bush, dez cabeçonas do Sadan Hussen, mais dois ônibus ingleses lotados, a Estátua da Liberdade, mais quatro táxis amarelos, a Estátua do Cristo Redentor...

E aí o mais incrível de tudo: um navio pirata.

UM NAVIO PIRATA PASSOU POR ELES.

A BANDEIRA PRETA COM SUA RESPECTIVA CAVEIRA BRANCA NÃO DEIXAVA DÚVIDAS.

O navio pirata não só passou... mas assim que passou, os três foram sugados para dentro dele...

Aparentemente nenhuma viva alma morava ali... Tudo parecia velho, meio podre, sujo, carcomido pelo tempo...



ENQUANTO ISSO NA EX-CAVERNA DA EX-CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Madame-Madame!!!

-- O que foi, Eletrovildo?

-- A Madame-Madame se esqueceu novamente! Meu nome não é mais Eletrovildo

-- Que cabeça a minha! Viramundo! Viramundo! Viramundo! Agora não vou mais esquecer.

-- Mas Madame-Madame, como eu estava dizendo...

-- Diga! Diga logo!

-- Tem algumas criaturas vindo aqui para receber! Um tal de Rapunzel, dois duendes roxos e um cíclope-anão...

-- Receber? Receber o quê? Não me diga! Não me diga que...

-- Sim, Madame-Madame! O safado do Caixa fez um monte de dívidas mágicas... Eu só tenho medo que mais e mais credores apareçam...

-- O que você sugere então, Viramundo?

-- Uma fuga para a esquerda e para cima e a para bem longe daqui.

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JÁ DENTRO DA CAVERNA, UMA VOZ ESCONDIDA E CHEIA DE ECO SOLTOU O SEU LAMENTO:

-- CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE! CHEGUEI TARDE!!!

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NO CONVÉS DO NAVIO, MARVIN DEIXOU DE BRILHAR.

-- Puxa, Marvin! Sua mágica nos salvou!

-- Minha mágica? Não me diga que... Não me diga que fui eu quem nos trouxe até este navio fantasma?

-- Se você não quer que eu diga, então eu não digo.

-- Etecétera, por favor, pare com essas brincadeiras!

-- Desculpe! Não era a minha intenção... Mas às vezes eu me confundo com tantas expressões e falas e metáforas e provérbios em tantas e tantas línguas humanas e exotéricas e...

-- Etecétera! Eu fazendo mágica desse tipo?

-- Isso mesmo! Sua mágica! Claro que no começou as coisas são assim mesmo, meio confusas. Você pensa de um jeito e o jeito acaba ficando diferente daquele jeito que você pensou ... Mas não se preocupe! Com o tempo você vai conseguir melhorar... até um dia, quem sabe, atingir a perfeição mágica... Tenho certeza disso, Marvin! Você ainda há de ser um grande mago!

-- Mas Etecétera, eu nem pensei em navio fantasma algum!

-- Você não pensou agora. Entretanto muitos navios fantasmas estão ainda escondidos aí dentro de seu cérebro, bem lá em uma parte obscura que as pessoas chamam de subconsciente.

-- A única mágica que eu gostaria agora era fazer com que Lenora falasse...

-- Bem! Isso já leva mais tempo. Não depende só de você. Depende dela também.

-- Como assim? Você está me dizendo que ela não quer mais falar... que ela não quer mais falar comigo? É isso?

-- Claro que não, Marvin! Mas não se esqueça que assim como você ficou perturbado diante de muitos acontecimentos recentes, a mesma coisa aconteceu com Lenora... Vamos! Dê tempo ao tempo... Não se esqueça de que só ele é o maior mágico de todos.

ENQUANTO OS DOIS DIALOGAVAM, LENORA, JÁ NO CHÃO, APENAS OLHAVA PARA O INFINITO... SEGURANDO FIRME A MÃO DE MARVIN.

-- Etecétera, gostaria de saber para onde este navio voador está nos levando!?

-- Marvin, se você não sabe, muito menos eu...

-- Não precisa nem dizer... Eu sei que tenho que me concentrar mais nas coisas, mas, com Lenora desse jeito, fica um pouco difícil.

-- Não se preocupe tanto, Marvin! Lenora vai ficar bem. E afinal das contas, esta mágica ainda é sua e continua acontecendo... O seu subconsciente está fazendo este navio voar... O seu subconsciente está fazendo muitas outras coisas também... Muitas outras coisas que nós não sabemos ainda. Com certeza, ele está ajudando Lenora agora mesmo... Só tenha calma! Nem tudo na magia pode ser feito de maneira apressada. O desespero engole e destrói as possibilidades... Mas tentando responder a sua pergunta: de uma coisa eu tenho certeza, este navio aparentemente decrépito não nos levará a um lugar ruim...

-- Etecétera, só gostaria que o meu subconsciente fosse mais consciente!

-- Não se preocupe! Isso ainda vai acontecer algum dia!

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O diálogo entre os dois continuou por mais algumas frases... Depois foi substituído por um silêncio calmo e observador.

UM SILÊNCIO CANSADO, PORÉM CHEIO DE UMA PAZ QUE HÁ TEMPO NEM MARVIN NEM ETECÉTERA EXPERIMENTAVAM.

Apenas um vento suave conduzia as velas rasgadas como se rasgadas elas não estivessem... E sob o céu dourado de fim de tarde, o navio fantasma voador foi riscando o seu novo destino...





















SINOPSE DA CONTRA CAPA DO LIVRO

MARVIN E O CARACOL DO TEMPO



NESTE SEGUNDO LIVRO, MARVIN IRÁ VIVER NOVAS E FANTÁSTICAS AVENTURAS...



O Monstro de Mármore, a Confraria dos Dragões-Anões, o Livro de Carne, a Biblioteca Infinita, lobisomens azuis, a Dimensão das Trevas Sólidas, uma Misteriosa Criatura da Caixa Preta, Merlin Nostradamus, Casuloterapia, cadáveres luminosos, a lesma sanguinolenta, bolas de remorso, “BLOPTS” e “PLIPTS”, uma mãozona verde e olhuda, novas pílulas mágicas, a volta da espada Excalibur...



TERRÍVEIS PERIGOS ESPERAM O NOSSO HERÓI

NA LUTA PARA SE SALVAR E SALVAR A AMIGA LENORA.



“Felizmente” o dragão Elvis Presley e Etecétera estarão com Marvin

para tentar ajudá-lo.

E tem muito, muito, muito mais ainda...

Neste segundo livro, você vai encontrar, o que parecia ser o mais impossível do impossível: George Bush, Sadan Hussen e Bin Laden juntos, um ao lado do outro.

Tem também alguns coadjuvantes famosos como: Charles Chaplin, Marquês de Sade, Albert Einsten, Aristóteles, Simão Bacamarte...

E astros e estrelas do cinema e dos esportes: Cameron Dias, Julia Roberts, Sandra Bullock, Silvester Stalone, Jean Claude Van Damme, Jack Chan, Eddie Murphy, Jim Carrey, Pelé, Guga, Michael Schumacher...



AQUI A MAIOR DE TODAS AS AVENTURAS MÁGICAS CONTINUA...

VEJA TAMBÉM COMO ELA COMEÇOU EM:

“MARVIN, O APRENDIZ DE ALQUIMISTA”.

( Editora Landmark – www.editoralandmark.com.br)

Contatos com o autor: livromarvin@bol.com.br

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