A Igreja Católica trata os doentes com o sacramento da unção dos enfermos para doenças leves e com a extrema-unção para doenças mortais.
Notoriamente o PT está doente. É uma doença para unção dos enfermos ou para extrema-unção? Estimo que a doença está a pedir a extrema-unção. A não ser que resolva trocar de médico e tomar os remédios adequados. Curiosamente quem está em sua cabeceira é um médico, o ministro da Fazenda(Antonio Palocci), que lhe está administrando tratamento equivocado que provavelmente o levará à morte.
O que está matando o PT, daí a extrema-unção? É a forma como trata a chaga mortal que afeta a grande maioria do povo brasileiro já há séculos: o flagelo da miséria e da exclusão. É pelo menos um terço da população que vive em condições desumanas ao lado de um grupo razoável de remediados e um pequena porcentagem de muitos ricos que acumulam em níveis dos maiores do mundo.
O PT se propôs, já há 25 anos, a conquistar o poder para fazer a mudança necessária. Seu candidato era o mais representativo: filho do caos social e sobrevivente da fome, carismático, cordial “gente boa” como tantos do meio popular. E chegou lá. Uma vitória do próprio povo que esperou tanto e lutou ainda mais.
E então, fez as mudanças prometidas? Qual o quê? Conseguiu uma proeza: transformar o Partido dos Trabalhadores no único partido neoliberal dos trabalhadores do mundo. Não só assumiu a macroeconomia neoliberal senão que a radicalizou com uma preocupante taxa de iniqüidade social e ambiental.
Agora se mata e se desmata afoitamente contanto que isso traga dólares. Não para pagar a divida social mas a divida monetária. O governo, mais que cuidar do povo, gerencia as moedas, pois neste tipo de macroeconomia o que conta mesmo não são as pessoas, mas números e moedas.
Admitamos: fez-se muita coisa boa. Há neste governo ética e transparência mais do que em qualquer outro anterior. Nunca se viu tantas gangues de corruptos sendo desmanteladas. Os 26 milhões beneficiados pela Bolsa Família passaram do inferno para o purgatório e se sentem como se estivessem no céu. Mas não são poucos que também dizem com certa vergonha: gostaria de receber um trabalho e não uma esmola.
Na verdade, a assistência social significa apenas 5,6% do total dos gastos sociais, enquanto a maior fatia do PIB vai para os bancos cujas burras estão estourando de dinheiro.
O erro dessa política social reside nisto: é só distributiva e nada redistributiva, quer dizer, não tira dos ricos e repassa aos pobres. Eles podem continuar acumulando sem ter de mudar nada em sua voracidade. E aplaudem felizes.
A mudança que esperávamos e merecíamos era um plano Marshall para o povo. Sim, só se enfrentaria a devastação que a miséria produz em séculos de descaso mediante um corajoso Plano Marshall econômico, social e cultural.
O governo preferiu ser superortodoxo, escutar com devota atenção as lições dos faróis do FMI e do Banco Mundial, a ter compaixão pelo clamor dos oprimidos de nosso Egito.
O PT está deixando de ser o instrumento da mudança. Ele prolonga os dominadores de antes, de forma pior porque usa os símbolos e a linguagem dos Moisés libertadores. Ele tem ainda tempo de mudar. Senão vamos chamar o padre com o óleo santo da extrema-unção. E sobre ele vamos cantar o Dies irae, dies illa... da velha liturgia fúnebre da antiga Igreja.(O POPULAR, Goiânia, sexta-feira, 11.03.2005, p.8)