-Por que tanta tristeza nesse olhar?
-Tenho medo, estou assustado! Estava no quarto e vi mamãe entrar. Do meu berço olhei pra ela. Ela não me olhava. O rosto estava crispado, os olhos abertos procurando alguma coisa através da janela. Olhei a janela, não havia nada lá. Vinha me trocar? Me dar um beijo? Me dar a mamadeira? Sacudi as mãos e os pés ao vê-la caminhando lentamente em minha direção. "Meu Deus!", disse, e caiu no chão. Queria vê-la, não conseguia. Onde estava? Mamãe! Mamãe! Nada! Silêncio. Ouvia o barulho da rua: carros passando, risos de crianças, cachorro latindo. Dentro do quarto, silêncio. Comecei a chorar com medo do silêncio, o tempo passando e minha mãe não se levantava. Chorei, chorei e cansado, dormi. Quanto tempo? Não sei. Acordei com fome e chorando. Estava com muita sede. O quarto estava escuro, não enxergava nada, apenas pela janela, coberta pela cortina, entrevia uma pequena luminosidade. Chorei, chorei, agora mais de fome e sede do que de medo. Não vi mais minha mãe. Não senti mais suas mãos trocando minhas fraldas molhadas e sujas. Senti frio, muito frio. Chorava, acordava, chorava. Meu choro, agora enfraquecido, não passava de um chiado de um gatinho esfomeado e enfraquecido. Minhas forças se esvaiam, a dor era forte em meu estômago. Agora só conseguia gemer baixinho, não tinha mais forças. Um cheiro fétido invadiu o quarto e eu quase não conseguia mais respirar, mal conseguia abrir os olhos e não conseguia chorar. Meu corpo seco nem lágrimas tinha mais. Quantas vezes o sol iluminou o quarto? Quantas vezes fiquei no escuro? Porque minha mãe não me dava o leite? E água? E esse cheiro, meu Deus, de onde vinha? Escutei uma batida forte vindo da porta. Quem seria? Outra vez a batida e mais outra. Minha visão, enfraquecida, percebeu vultos adentrando ao quarto. Percebi um rosto e mais outro, com expressões de terror estampadas em suas faces. Finalmente alguem que pudesse me dar água e comida! Eles tambem sentiram o cheiro fúnebre dentro do quarto e taparam o nariz com as mãos, voltando os rostos horrorizados. Carregaram-me para outro lugar. Com muito carinho fui tratado, alimentado e limpo. Minha tristeza? Por que mamãe me deixou?
ILPN/97
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