- Que brincadeira é essa? Anda logo, mãezinha... tenho um monte de coisas pra fazer.
- Liguei para o Dr. Eduardo.
- Que Eduardo?
- Aquele, que está vendo o processo do seu pai.
- Se ele tá vendo o processo do pai, como pode tê-lo contratado?
- É o único advogado que conheço, fazer o quê.
- Mãe... meu chefe tá olhando de cara feia!
- Então ligo outra hora.
- Fala logo, qual é o problema? Tenho dois minutos.
- Seu pai... bem, seu pai, sabe como é...
- Conta logo, mãe!
- A chácara.
- O que é que tem a chácara?
- Você sabe, faz quase seis meses que seu pai não vai lá.
- Mas não foi você quem disse que era para ele não perder tempo de ir à chácara?
- É. Quer dizer, mais ou menos. Aconselhei ele a não ir toda semana, você sabe... Essa coisa de plantar alface não funciona. Seu pai não consegue plantar nada. Não tem paciência.
- E...
- O mato tomou conta de tudo.
- Como assim, de tudo?
- De tudo, oras bolas! O caseiro ligou. A filha dele nasceu mês passado.
- Sério?
- Chama-se Sandra, como você.
- Mentira...
- Verdade.
- Tem alguma coisa com o bebê? É isso, o bebê não está bem, fala...
- A menina tem uma saúde de ferro. Tudo ok, como vocês, jovens, vivem falando.
- Essa história da separação, diz logo porque "cê" tá assim tão revoltada com o papai.
- Não lembra? Seu pai não mandou cortar o mato.
- Mãe... não creio que leve tão a sério essa coisa de não aparar a grama. Impossível você ter se revoltado dessa forma. São quase cinquenta anos, você sabe como o papai é distraído com essas coisas.
- Lembra do seu Mateus?
- Claro que lembro. O que é que tem ele?
- Deu pra criar porcos.
- Vai dizer que os porcos invadiram a chácara?
- Não, nada disso! Os bichinhos são comportados.
- Quem sabe o pai não compra um leitãozinho do seu Mateus pra gente assar no Natal...
- É, quem sabe...
- O pai tá por aí?
- Não. Já o expulsei de casa. Joguei tudo pro meio da rua. Roupas, sapatos, ferramentas, a coleção de revistas pornográficas que ele escondia na garagem. Tudo. Joguei tudo fora. Acho que ele já recolheu suas quinquilharias.
- Mãe?... Como póde ter feito isso com o pai?
- Ele mereceu, meu amor. Mereceu.
- Não estou acreditando nisso! Dá pra explicar o que aconteceu?
- Te falei do mato?
- Falou, o que é que tem?
- Te falei do seu Mateus?
- Claro que falou, "cê" tá variando?
- Pois bem. Além dos porcos, o seu Mateus resolveu criar galinhas e gansos. E comprou uma vaca. Dizem que é leiteira, mas não sei não... Sabe aquela cerca que seu pai construiu em volta da chácara? Lembra do último feriado? Lembra que eu falei pra ele terminar a cerca? Bem que eu achava que seu pai não aguentaria mais um copo de caipirinha.
- Você está fazendo drama.
- A vaca caiu na piscina, Sandra.
- O quê?
- É, caiu.
- Como assim, caiu?
- O mato estava alto, ela não viu... Caiu!!!
- Impossível, mamãe! Quando foi isso?
- Segunda-feira. Mas já tiraram a vaca de lá.
- E está tudo bem?
- Com a vaca?
- Não, mãe! Com a piscina.
- Dizem que está. Mas a vaca quebrou a pata. E matou a sede por uns dois anos.
- Vou pra lá.
- Mas você não está trabalhando?
- Peço licença. Tenho de ir pra lá.
- Tá tudo resolvido, filhinha...
- Tenho que falar com o seu Mateus.
- Pra saber da vaquinha?
- Claro que não, mãe! Quero saber se ele vai pagar o conserto da piscina.
- Foram só três azuleijinhos...
- Não quero saber! Ele tá pensando que está mexendo com trouxa?
- Filha, seu pai deve ter ido pra lá. Deixa que ele resolve. E, quem sabe, não aproveita e corta a grama...
- Isto é um desaforo!
- Pois é.
- Daqui a dez minutos passo por aí.
- Esquece, Sandra! Pensando bem, acho que seu pai não tem tanta culpa assim. E, além do mais, o chuveiro queimou. Ele tá fazendo uma falta...
- Pó! Ele fica jogando truco o dia inteiro e não tem coragem de ir à chácara cortar a grama? É muita folga. Ele está com o celular?
- Não. Deixou-o aqui.
- Então me dá o telefone do Dr. Eduardo. Acho mesmo que o pai não merece uma segunda chance. É melhor separar mesmo, mãe...