AZINHAVRE
Amélia Alves
Na boca cansada de lamento e apelo ,
pintou baton vermelho .
No bojo do tempo , em decoro e desvelo
passou rouge no espelho .
E sambou como nunca
_ porta–estandarte , destarte .
Na face em fogo , tisnada de sol e suor,
bebeu veneno e ferrugem .
De tanto correr , conviver , compartir ,
vestiu algodão e trapiche .
E aprendeu a vida de cor
_ colar de azeviche.
No sonho a sono perdido,
foi mudando de tempo e idade .
Afogou _se na bacia de roupa ,
e enxugou muita verdade ,
com tudo o que em vão reclama
_ a própria chama .
E viveu feito louca :
disse sim disse não ,
acendeu vela pra defunto pagão ( e quanto ! ) .
Mas , foi tudo coisa pouca ,
menos do que a dor da pele tinha
_ coisa mesmo comezinha !
Lavou-se a água e cloro , poro por poro ,
_ impureza , devassidão , tristeza e choro .
Sentiu o que tinha de mais claro
e exorcizou com tudo quanto é santo
essa crosta de animal raro
que padece e cresce por tanto
tentar ser o que quer :
negra e mulher .
|