O BOM E O MAU DA DEMOCRACIA
Francisco Miguel de Moura*
Na democracia você tem o direito de ir e vir. Sai para onde, quando e com quem quer. Mas você não sabe se volta, quando volta ou aonde vai chegar. No caminho ou na estrada pode ser assaltado por qualquer indivíduo, inclusive seu vizinho. Por isto é que o salmista David escreveu dirigindo-se a seu Deus: “Dá-nos socorro na tribulação, porque é vã a salvação que se espera por parte dos homens”. (Livro Segundo, Salmo 13). Com tanta violência, a saída é apelar para os poderes celestiais através de fórmulas religiosas tais como oração e meditação, não poucas vezes abraçando igrejas e dogmas que em nada contribuem para a boa formação de sua personalidade, deturpam a consciência e tiram-lhe muitas liberdades.
Nas democracias atuais e entre elas e as ditaduras, ainda há guerras cruéis, por motivos econômicos, políticos, religiosos, ou pelos mais diversos preconceitos. Há religiões que ainda benzem as armas – o que é uma barbaridade. Dizem alguns que sem guerras não haverá progresso. Particularmente prefiro a falta de progresso a tanta barbaridade, insegurança e leis que não se cumprem ou que são injustas. Mas é sempre bom viver numa democracia porque você pode optar entre ir para a guerra ou não ir, e, no último caso, vai pra cadeia, pois fica à disposição do governo e da justiça, e eles podem mandá-lo para onde quiser, até fazê-lo desaparecer. Depois encontram seu corpo e dizem na tevê que fizeram o possível para preservar sua vida, lamentam o que aconteceu e vão procurar encontrar o verdadeiro assassino. Feliz quem não fica entre presos comuns onde o mínimo que pode acontecer é ser seviciado.
Nas democracias você pode dizer (e escrever) tudo o que quiser, mas pagará pelo que diz e escreve – e caro, através dos governantes, advogados e juízes, que são os donos da verdade, afinal.
O bom mesmo da democracia moderna é que você pode comprar tudo com dinheiro ou no crediário, onde quiser. Há sempre o Código do Consumidor para protegê-lo. Só que nenhum banco o protegerá. O mau da democracia é que você só terá dinheiro e crédito se tiver emprego ou renda. E onde estão os empregos e as rendas? No mercado. E aí você entra numa guerra feroz porque não há emprego para todos nem renda para quem não for hábil nalguma coisa, tiver estudo ou for “sabido”. Ou poderia existir se os “sabidos” (não falei sábios nem mais competentes) não abocanhassem quase tudo. E se nem todo mundo fosse ambicioso quanto eles. Ambição, vaidade, malícia, desejos irrefreados – as molas do mundo. As virtudes ficam para os tolos. É verdade que alguns conseguem emprego, renda, ou propriedade com muito sacrifício, ao longo dos anos, por meios lícitos e honestos. Mas nem sempre podem considerar-se dono do seu: O governo lhe toma a metade em impostos e taxas, os ladrões arrombam sua casa, levam sua bolsa, cartão de crédito, de saúde e você fica no “ora-e-veja”. A polícia não aparece... Mas mesmo assim é bom viver numa democracia. Você tem direitos e deveres, inclusive os de suportar tudo isto e ainda elogiar o regime e seus poderosos donos.
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* Francisco Miguel de Moura é escritor e mora em Teresina.
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