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Artigos-->MINHA QUERIDA MÃE -- 08/05/2005 - 09:39 (luiz neves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MARIA SÃO PEDRO DA ROCHA





Dizer que minha mãe sofreu oito dias é muito pouco, nesses 82 anos, seis meses e 9 dias de vida, Maria São Pedro da Rocha acumulou sofrimentos difíceis de se imaginar que um ser humano possa resistir. Contarei em detalhes os últimos dias de vida dessa guerreira, necessito dizer que, durante esse sofrimento de minha velha, estiveram juntinhos, 5 filhos, duas netas {maravilhosas} uma nora e uma irmã dedicada e atenciosa.



Começo pela estrutura física de dona Maria, 1.47 de altura {miudinha} 42kg. Cabelos ralos e finos, rostinho de criança, um olhar que observava os mínimos detalhes em sua volta. Minha mãe nunca teve oportunidade de ir a escola, porém era uma mestra na arte de viver; aquela coisinha miúda criou os seis filhos sozinha, passou fome ao lado de todos, nunca abandonou nenhum, protegeu todos vigorosamente. {meu pai simplesmente não se mostrava presente quando necessário}.



Minha mãe praticava a política das coisas simples, dinheiro era para comprar comida e se vestir. Se a casa dela cabia quatro pessoas e a comida só dava pra quatro, ela amparava mais quatro e dividia a comida para oito, não entendo como ela fazia isso, mas fazia...

Acredito que minha velhinha foi uma das mulheres mais resistente que conheci, ela lutava de frente com as dificuldades sem se deixar abater, não se deixava derrotar, pouco reclamava, corria atrás, às vezes até sorria, um sorriso de anjo. Amou os filhos e netos durante a vida inteirinha, amou a nora querida e o estoque de amor era tão grande no coraçãozinho, que tinha espaço para amar os amigos e vizinhos. Essa era Maria São Pedro da Rocha, aquela pequenina mulher que fisicamente parecia frágil, pura ilusão, minha mãe era poderosa, era forte, desafiou a morte, morreu brigando pela vida.



No inicio de abril, D.Maria começou a sentir fortes dores na barriga proveniente de uma prisão de ventre antiga, tentamos usar paliativos para cólicas, nada resolvia, a dor continuava, chamamos a VITALMED, vieram médicos que deram luftal e buscopam. A noite vinha e o sofrimento de minha mãe apertava, não conseguia evacuar de forma nenhuma. No dia 14 de abril chamamos mais uma vez a VITALMED, um medico detectou FECALOMA PETRI, as fezes endurecidas obstruíram a passagem no reto; tivemos que levá-la urgentemente ao hospital ROBERTO SANTOS, {ali começou o sofrimento de minha mãe}, lá eles quebraram as fezes com a mão {minha velha chorava de dor}, deram duas lavagens e mandaram a paciente Maria São Pedro da Rocha para casa, imaginamos que o sofrimento havia terminado, engano nosso, começou ali o calvário de minha querida mãe; no dia seguinte a urina dela trancou e ela não conseguia se alimentar porque a barriga continuava grande e a dor aumentava, a pressão que era de 16 despencou para 11, as pernas incharam e cada noite era um sofrimento, passamos noites em claro tentávamos amenizar a dor dela. Mais uma vez chamamos a VITALMED, um medico detectou que a FECALOMA PETRI continuava, voltamos para o hospital ROBERTO SANTOS {referência na Bahia}, lá foi solicitado uma radiografia, constataram a obstrução no intestino dela, foi solucionado o problema sem a necessidade de lavagem, porém era tarde demais, minha mãe havia perdido muito liquido, estava desidratada e desnutrida, surgiu água na pleura, pneumonia e o coração tornou-se irregular, colocaram um respirador no narizinho dela; ficou internada. Nesse dia, 21 de abril, colocaram Dona Maria numa maca, uma sala grande, lá estavam mais 14 macas com pacientes gemendo, soro, oxigênio e muitas dores no ar, naquele lugar começou os oito dias de martírio de minha mãe, oito dias num campo de extermínio. Começamos a revezar, os cinco filhos homens, as duas netas e uma das irmãs dela, tínhamos que limpá-la diariamente, as mãos de minha mãe começaram a inchar, foi detectado trombose venosa, as pernas pareciam um balão de ar, o oxigênio tinha que ficar ligado o tempo todo,{ imagine se alguém de 82 anos suportaria aquilo tudo por muito tempo}.



Durante a nossa estadia naquele açougue humano, vimos coisas que nenhum ser vivo poderia ver, as enfermeiras se limitavam a colocar o remédio nas mãos dos pacientes e a trocar o soro quando necessário, os médicos raramente apareciam naquela sala improvisada, a higiene dos doentes era feito por acompanhante, alguns ficavam sós o dia inteiro, minha mãe tinha sempre os filhos e a netas pertinho, perdi a conta das vezes que nos colocaram pra fora, diziam que cada paciente só poderia ter um acompanhante, que piada!

Passamos oitos dias brigando com médicos, enfermeiras e seguranças para tentar salvar a vida de minha velha, infelizmente naquele campo de extermínio são poucos que consegue um tratamento mais humano. Ali naquele hospital ROBERTO SANTOS é uma central de dor, é ali que se encontra a porta do inferno, médicos, enfermeiras e vigilantes determinam quem passará pela porta, eles são a lei, eles possuem o poder.

Na manhã do dia 26 de abril, {dois dias antes da morte dela} minhas duas sobrinhas fizeram a higiene na avó, limparam as fezes, lavaram o corpinho dela, {olha que passaram a noite anterior acesa} após lavar e vestir a avó, uma das meninas começou a cuidar de uma outra paciente que estava sozinha, ia dá banho na criatura, de repente uma enfermeira disse que ela não podia fazer aquilo, pois era norma do hospital cada paciente ter o seu acompanhante e ela não era acompanhante daquela mulher e sim de minha mãe, e mais, colocou minha sobrinha pra fora da emergência dizendo que não poderia ficar uma paciente com duas acompanhantes, tentamos conversar com os guardas e enfermeiras, nada feito, ela foi colocada pra fora, a pobre da paciente ficou chorando pedindo que minha sobrinha lhe desse banho. Cruel! Um tempo depois, tentei entrar na sala pra ver minha mãe, impossível, o miserável do vigilante fechou o portão na minha frente, implorei, pedir, por favor, não abriu o portão pra mim. {eu estava a 20 horas aceso, minhas pernas estavam trêmulas, passara a noite cuidando de minha mãe}. Meus olhos se fechavam todo instante. Minha sobrinha chorava e reclamava. Durante esses dias naquele hospital, sofremos tudo o que um coração pôde sofrer, um entra e sai miserável de ambulâncias e carros, pessoas gemendo, a morte presente levando impiedosamente quem não resistisse, ali, naquele lugar, até mesmo os fortes morrem.



Durante os oito dias que minha mãe ficou sentada naquela maca, tomava soro e ficava com oxigênio no nariz respirando com muita dificuldade, os braços inchados quase não podia segurar nada, falava o tempo todo, lúcida, muito lúcida, me perguntava quando voltaria pra casa, queria andar de qualquer jeito, reclamava que as costas estavam ardendo, queria viver. Nós filhos tentávamos salvar a vida dela de todas as maneiras, infelizmente a condição precária que aquele hospital trata seus pacientes fica difícil salvar a vida de qualquer um. Sempre achei que amava minha mãe o suficiente, existia muito mais amor neste coração que pertencia a minha velhinha, amor pra mãe é infinito. A morte de Maria São Pedro da Rocha foi tão cruel que a minha alma simplesmente se desfacelou, como se o universo se tornasse algo insignificante e Deus, um mero espectador do sofrimento humano. Ali dentro daquele hospital, percebi que sempre haverá dores, sempre haverá sofrimentos maiores, tão terríveis que a nossa alma não imagina existir.

O sofrimento humano naquele misero hospital é tão cruel que supera a imaginação de qualquer escritor de contos de terror, é impossível sobreviver depois de passar oito dias ali, morrendo a mingua diante de médicos e enfermeiras despreparadas, o hospital ROBERTO SANTOS não perde nada para um campo de concentração nazista, é doloroso o tratamento dado a seres humanos doente, que necessitam antes de tudo de carinho e muita atenção, além de cuidados médicos.



No dia 28 de abril as 10:55 da manhã, Maria São Pedro da Rocha foi dada como morta, no prontuário do medico constava: CHOQUE SEPTICO, INFECÇÃO EM MEMBROS, TROMBOSE VENOSA, INSUFICIÊNCIA CORONARIANA. Minha mãe desistiu de lutar contra a morte, cedeu a alma ao descanso, foram oito de dias de sofrimentos e muita resignação, muito amor naquele coração maravilhoso, naquele espírito iluminado.





7 DIAS NO INFERNO





Dizem que encontramos verdadeiramente Deus no momento do desespero, da dor. Dizem que a força e a presença e Deus se mostra nesses momentos melancólicos, nas tristezas, e , que a fé altera os rumos da vida. Houve uma equivocada divulgação deste aparecer:_ Nesse momento Deus se omite, ele nos deixa suportar até o limite de nossas dores, cancela a porta das lamentações e, deixa à porta do inferno aberta, é lá que passamos a duvidar de uma força maior no universo, algo que realmente transforme em resignação, todo desespero que nos envolve a alma.

Quando entramos no inferno, passamos a observar a dor de todos em nossa volta, equacionamos razões e soluções, o resultado é o mesmo:_ O desejo incontrolável de não ter vindo ao mundo, de não ter nascido.



Às vezes a palavra inferno fere os sonhos delicados de nossa alma ainda em formação; não imaginamos que o sofrimento obtido no fundo do consciente humano, tivesse uma passagem mais dolorosa de tudo aquilo que achamos já ter passado um dia, por cima da gente. Sempre tive a impressão de que o sofrimento seria dado ao ser humano, até o limite de suas forças e, no determinado momento, a dor o sufocaria, pondo fim no teu sofrimento.Não sei como surge diante de nós essas forças desconhecidas, que nos faz suportar esses sofrimentos, surpreendendo a própria vida, o próprio destino.



Nesses 7 dias no inferno, dei de cara com muitos demônios, delírios que povoavam minha vida naquele instante. A luta pela sobrevivência nos conduz a caminhos obscuros. Obstáculos intransponíveis circulam e transportam dores, um martírio cruel que nem a mente humana seria capaz de imaginar existir.

O inferno é envolvente, percorre cada fresta aberta de nossas melancólicas razões, é um pesadelo capaz de dissipar anjos e todos os santos que possam

ali existir, naquele lugar obscuro; lá passamos a conhecer seres que a dor igualou, nivelando-os por baixo através do sofrimento e da perda. No inferno não há luxo, egoísmo, sentimento mesquinho; no inferno só a dor é a presença constante.



Numa emergência de um hospital publico, a morte circula ceifando os fracos, diagnosticando os fortes para mais tarde, ceifá-los também no futuro próximo. Aqui é o inferno.







BUSCANDO UMA RESPOSTA









Acredito que nunca estivemos tão perto de Deus e, ao mesmo tempo, tão esquecidos por ele, como nesses últimos 8 dias de um confinamento desumano que enfrentamos; Deus, relaxadamente nos conduziu ao sofrimento, até o fim da dor, o suportável; o esgotamento sumaria da mente e do corpo. Quando Maria São Pedro da Rocha foi derrotada pela morte, levou consigo uma fatia grandiosa de nossa vida, ela era a mãe, a avó, a tia, a irmã, a sogra e, com certeza, foi a amiga ideal. Caridosa, gentil {teimosa, sim} porém, superava o sofrimento trabalhando, lutando até os últimos suspiros de uma vida útil.



Oh, Deus, onde estás que não responde?! Acho que essa pergunta ecoa, pelos corredores, assombrosamente naquele hospital miserável. O sofrimento não para diante do amontoado de corpos doentes, perecíveis; feliz de quem, diante da morte, sucumbe rapidamente. Quem dera um infarto, morte sem demora, morto sem delongas.







LUIZ NEVES















LUIZ NEVES

















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