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Infantil-->Meus tres gatinhos -- 22/05/2007 - 14:23 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meus três gatinhos

O ribeirão Bom Jesus era raso e arenoso, mas foi o grande rio da minha infância. No passado distante, foi um rio grande, de botar respeito, mas hoje é uma veredinha de nada. Lembro de que uma vez por ano, no mês de Março, suas águas engrossavam e ficavam barrentas. O pequeno riacho assumia ares de "gente grande" e se alargava, assustando os moradores das margens. Suas águas inundavam o campo do Vasquinho e levavam de roldão as panelas e as roupas das mulheres ribeirinhas. As donas de casa, desprevenidas, ficavam bravas e xingavam o rio delinqüente. Certa vez ele ficou bravo de verdade e arrastou, entre outras coisas, uma moita de bambu do meu pai. O Juca plantara aquela moita exatamente para deter o rio, mas o rio não se deteve, nem ligou para a sua engenharia. Foi crescendo e levando os bambus como se fossem pés de cebola. O Juca ficou uma fera, mas isto é outra história.
Foi num desses dias molhados de 1954, de muita lama nas ruas e muitas enxurradas barulhentas, que fiz uma terrível malvadeza. Mas fui malvado sem querer e explico. Uma das minhas gatas, a Estrela, "ganhou" três gatinhos dentro do baú de roupas da dona Francisca, minha mãe, e acabou sujando de sangue algumas calças e outras tantas camisas que ali estavam limpinhas e passadinhas. Minha mãe ficou brava mas acabou perdoando a sujeira da gata, afinal a dona Francisca também era mãe e compreendia essas coisas. Mas o Juca, meu pai, tomou uma decisão firme. Os novos gatinhos, que tiveram a má sorte de nascer num local e horário impróprios, deveriam morrer. Foram condenados à morte pelo Juca e deveriam ser lançados por mim, que era o dono deles, amarrados dentro de um saco de estopa, ao leito do rio. Chorei e tremi por eles.
O Juca malvado providenciou tudo. Enfiou os três pobres gatinhos dentro do saco e ordenou que eu os lançasse, assim mesmo como estavam, fechados, na correnteza de águas sujas. De longe o Juca ficou olhando, vigiando-me como se fora um Cérbero! Atravessei o quintal, andava bem mais que devagar no rumo da enchente. Caminhava lentamente, esperando que o Juca voltasse atrás na sua decisão. Que nada!... Eu carregava as três vidas e sentia no meu corpo o calor que brotava dos três irmãozinhos. Os pobres gatinhos confiavam em mim, mas iam morrer dali a pouco e nem sabiam de nada. Olhei para traz e lá estava o Juca conferindo minha atitude. Ele dizia que eu precisava aprender a ser homem.
Inesquecível pesadelo! Minhas pernas pesavam toneladas. O rio estava na minha frente, amarelo, barrento, passando depressa. Minhas lágrimas abundantes o tornavam ainda mais caudaloso. Relutante, lancei o saco sobre as águas. Fiz força, joguei para bem longe, o mais longe que podia, pensando que talvez pudesse alcançar a outra margem. Doce e ledo engano! Minha força era pouca e foi tudo em vão. O rio se abriu numa garganta imensa, girou a bateia e engoliu o saco de estopa marrom cheio de vida. Da margem, impotente e confusa, a mamãe gata —que me seguira pelo faro—, mirava o ponto exato e fugidio das águas barrentas onde os seus três filhinhos imprudentes tinham mergulhado.
Foi assim que perdi os meus três gatinhos —mais valiosos do que todas as pepitas de ouro que porventura tivesse naquele rio. Ainda estavam vivos lá dentro e eu precisava ir junto com eles. O Juca, meu pai, não podia me impedir de fazer ao menos isso. Vi tudo acontecer, sofri junto, morri junto com eles. A estopa amarela virou um radiador furado, a agonia foi infinita. A água barrenta foi entrando por mil janelinhas, veio a falta de ar, a asfixia.
Só depois, muito tempo depois é que morremos e ficamos livres para sonhar que viajávamos abraçados. Chegamos na distante terra dos gatinhos dorminhocos e mandamos entregar um recado pra nossa mãe: “Não fique triste, querida mamãe Estrela, aqui tudo é bem melhor!...”




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