*Um aspecto interessante no tema proposto é analisar a autonomia universitária do ponto de vista legal, explorando a Constituição de 1988 e a LDB, oficializada em 1996.
*O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 fala sobre as obrigações do Estado na área educacional, e o texto, bem sucinto, mostra que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
*O texto não está dirigido ao sistema de ensino superior, abrindo uma brecha para a sociedade participar, subentendendo-se a parceria da iniciativa privada.
*No artigo 207, está claro que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Neste artigo já está prevista a saída do Estado da educação em nível superior, mas os constituintes não tentaram mudar o texto.
*No artigo 211, no primeiro parágrafo, está registrado que a União organizará e financiará o sistema federal de ensino e dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória.
*Mais uma vez o texto mostra o indicativo do governo federal em assumir outras responsabilidades, não a do ensino superior.
*Uma das partes conflitantes do texto constitucional é o artigo 213, segundo o qual os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, conforme as definidas em lei como aquelas que comprovem finalidade não-lucrativa, aplicando seus excedentes financeiros em educação; e que assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de atividades.
*Neste ponto a sociedade brasileira já manifestou seu descontentamento, sendo atendida pelo Congresso Nacional, onde ilegalmente diversas instituições recebiam provimentos oficiais e tinham objetivo claramente lucrativo, sendo o caso mais conhecido o da Faculdade de Marília( SP).
*No artigo 218, parágrafo 3º, o texto esclarece que o Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
*No parágrafo 4º está claro o apoio do Estado a empresas que investirem em pesquisa e recursos humanos, etc.
*O processo de autonomia está todo previsto no texto constitucional, e a questão interpretativa já é favorável ao sistema de lucratividade e otimização de recursos, como forma de aumentar o PIB e atender as leis de mercado.
A LDB
*A Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida por Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aponta mais alguns textos esclarecedores.
*O artigo 43, em seu primeiro parágrafo, determina que a educação superior tem por finalidade estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; mais adiante fala no estabelecimento de reciprocidade entre a comunidade e as universidades.
*Esta reciprocidade é amplamente divulgada pela mídia no caso das entidades privadas de ensino superior, mas não pela Universidade Pública, uma vez que os projetos de pesquisa e extensão são em número tímido se comparado com o universo que pode ser trabalhado. Há relatos de tentativa de colaboração das entidades civis com as universidades barrados pela burocracia administrativa.
*Um dos suportes dos que criticam a autonomia como o governo neoliberal vem tentando estabelecer, é o artigo 46 da LDB, no inciso 2, que afirma que no caso de instituição pública, o Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para a superação das deficiências.
*Este artigo trata especificamente da qualificação das universidades segundo o critério de provas conhecido nacionalmente por Provão do MEC, que é uma tentativa de se estabelecer um ranking das instituições brasileiras, recurso este combatido por setores da sociedade, aí incluindo-se alunos das instituições privadas e particulares, que duvidam dos critérios oficiais. Os últimos resultados do ano de 1999 demonstraram que as Universidades Públicas têm mais quadros qualificados e tornam-se assim objeto de cobiça de grupos privados nacionais e internacionais.
*O artigo 53 prevê o estabelecimento de convênios, contratos e acordos, administrar os rendimentos deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos, além de receber subvenções, doações, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
*A LDB prevê claramente a autonomia da Universidade Pública nos moldes das instituições de ensino superior privadas. O texto não estabelece obrigatoriedade do governo federal em permanecer com a responsabilidade do ensino superior de graduação, mas acena com o apoio oficial para a pós-graduação.
*A sistematização do apoio oficial é que pode ficar comprometida com os interesses financeiros e especulativos de determinados grupos, e o temor maior da comunidade científica brasileira é o uso de todo este potencial para objetivos de multinacionais.
*Há propostas de gestões alternativas elaboradas por entidades como Andes, Andifes e Fasubra. Para a própria comunidade acadêmica estas siglas combinadas não estão completamente esclarecidas, o que dificulta um resultado prático das avaliações concebidas até o momento.
*A autonomia proposta pelo MEC, tendo em vista que a LDB tem sofrido alterações, está aos poucos sendo implantada nas Universidade Públicas, e a comunidade acadêmica, a mais interessada, passa despercebida pelas políticas neoliberais, que diminuindo os espaços no mercado de trabalho, enfraquecem os movimentos de docentes e funcionários federais.
*A queda da estabilidade dos funcionários públicos foi um dos golpes sofridos pela universidade, mas não foi o único. O auto-golpe, praticado todos os dias por figuras de destaque no cenário educacional, é o que mais preocupa os que tentam resgatar o compromisso social das universidades.
*Esta atitude acelera o processo de privatização e delineia o futuro de alguns cursos, que nada mais serão do que formadores de peças para a necessidade do mercado de trabalho, repetindo o erro de décadas anteriores, em que centros de ensino profissionalizante, do tipo SENAI e SESI, preparavam milhares de trabalhadores para determinados tipos de máquinas que foram substituídas pela robotização, eliminando os postos de trabalho.
*O horizonte das Universidades Públicas não é sombrio, mas cabe a toda sociedade lutar para preservar os primeiros ideais para evitar uma crise que leve a desumanização e o descompromisso para as salas de aula.
*Os textos da Constituição referentes a autonomia universitária tem sofrido mudanças nos últimos anos, mas a mudança que não tem havido é a comportamental.