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Contos-->Abra a boca e cale o bico -- 11/05/2000 - 16:37 (Alexandre A Mascarenhas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O pai se passava por veterinário. A mãe reunia as amigas, bebericavam chá, fugiu com um primo de segundo grau para Cuiabá.
Mateus cultiva raras lembranças da família e da fazenda - não gostava de andar a cavalo, nunca ousou banho de rio, metia-se dias inteiros no paiol para se esconder. De noite não dormia, urrava de dor e é só. Teve pressa em ficar velho. Despediu-se do "doutor" Arquimedes, dos sete irmãos, três eram mulheres, pegou condução para Goiânia.
Atravessou duas fazendas de gado e a vila Santo Antônio, venceu ribanceira, galgou estrada... sem que Mateus percebesse não havia mais vales. Além, o desconhecido.
O tempo era parco e quente. Tinha precisão de seguir viagem no dia seguinte bem cedo. Ouviu falar que conhecer a capital carecia caminhar muitas léguas. Não podia prever se surgiria outra chance, resolveu não deixar escapulir. Deu um giro de trezentos e sessenta sobre o próprio eixo. Mirou uma pequena rua, havia flamboyants, seguiu sem roteiro. Apesar de ardente preguiça (pelo menos contra a febre amarela estava vacinado), conheceu a praça Cívica, visitou o horto e o Meia Ponte, o Sol em equinócio quase o levou para o hospital.
Mateus traz consigo uma espécie de proteção, a bagagem pesava além de seu bem-estar. Escapou graças à solidariedade de generosa família, que viajava desde muito, ao todo somavam nove, dois sucumbiram pelo caminho, passavam por Goiás em direção à capital federal - os sacrifícios seriam recompensados, acreditavam sem questionar. Deram um banho de água fria em Mateus, que recuperou os sentidos. As noites sempre em claro - apenas um cochilo, por desatenção, e insistentes pontadas o atingiam por trás, numa covarde guerrilha que lhe assaltava, aos poucos, o bom humor.
Chegando a Brasília, respirou fundo. foi acometido por uma crise aguda, era dor de dente, passou a se interessar pela situação nacional (os problemas externos vieram depois). Acabou atendido por um protético, em Taguatinga. Ainda na quarta consulta, tendo discorrido sobre a sua experiência no campo da veterinária bovina, foi persuadido a aceitar o cargo de assistente. O doutor Waldemar foi mais do que um pai para Mateus, suas carências, suas depressões. Obturou.
A principal dificuldade é não confundir o dente que está sendo tratado com o seu vizinho, ou qualquer outro (além de geminados como as casas em Brasília, são todos tão branquinhos!). Alguns clientes sofreram reparos gratuitos e isso lhe causou certo prejuízo. Outros sofrem até hoje. Há, também, os que escapam ilesos das mãos - e instrumentos - de Mateus e nunca retornam à segunda consulta para iniciar o tratamento.
A cada fim de tarde sente-se torturado, Mateus não é pessimista. É dentista. Vive enclausurado em uma pequena sala do Setor Comercial Sul. Quisera ser bailarino ou datilógrafo. Quando chega a noite, recolhe-se irritado - já está sabendo que o maldito papagaio voltará a bicar, sem pudor, suas vértebras. Desde pirralho carrega, como um pirata, aquela ave diabólica.
Recompõe-se com a secretária sem se deter em supostas explicações e decide enfrentar a pequena e abafada sala, as lições do mestre Waldemar.
Algumas horas depois, trancava - para sempre - o consultório no oitavo andar do edifício Central. Mateus resolveu vender o carro, a sala e a mansão no lago norte, a fim de viajar para a Suíça e se consultar com um grande especialista em papagaios que se alimentam de vértebras. Foram nove semanas de minuciosa investigação, sob intenso frio e neve. Ao receber o laudo médico todo escrito em alemão Mateus chorou e, frustrado, mudou-se para Portugal, onde milita na pirataria:
- O próximo, por favor!
- Sou eu.
- O seu canino faleceu!
- Mas como foi que me aconteceu uma coisa dessas?
- Não sei. Agora FIQUE COM A BOCA ABERTA E PARE DE FALAR que eu vou dar uma olhada...
- Então?
- Pode ir para casa e não se esqueça de escovar os dentes como lhe ensinei...
Mas que dentes? O único que eu escovava era o canino safado...
- O próximo, por favor!
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