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Contos-->ALGUÉM VIU ZÉ PEDRO? -- 18/02/2002 - 14:55 (Airo Zamoner) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ALGUÉM VIU ZÉ PEDRO?
© Airo Zamoner

As chaves, imitando cincerros, tilintavam pelo corredor escuro do velho colégio. Zé Pedro arrastava os passos, balançando o corpo cansado. Parou em frente ao calendário preso à parede, perdido entre os trabalhos escolares do ano anterior. Contou os dias que faltavam para acabarem as malditas férias. Entrou no quartinho improvisado. Improviso que durava quarenta anos.
– Ou seriam cinqüenta? – balbuciou o pensamento confuso.
Pendurou as chaves no quadro, respeitando as etiquetas antigas. Números apagados. Desnecessários. Acharia seus lugares na mais profunda escuridão, tantas foram as vezes que tirou e recolocou aquelas inúmeras chaves. Olhou a cama desfeita, embutida sob a escada larga.
– Um dia ainda vou arrumar essa cama. Deixa acabar as férias...
Pegou a chaleira. Sacudiu-a perto do ouvido. Sentiu o peso. Recolocou-a sobre o fogareiro. Ligou-o e ligou o rádio quase desaparecido no meio de papéis, caixas de fósforos, isqueiros vazios, cheios. Jogou-se na cama, desviando a cabeça da escada, numa habilidade esperta, conseguida depois de tantas cabeçadas.
– Mas isto foi há tanto tempo! – os olhos se fecharam momentaneamente.
O professor Euclides chamou o negrinho que jogava futebol com os alunos.
– Qual o seu nome, menino?
Bem que os alunos tinham avisado
– Olha aqui, Pedrinho! Você pode jogar, mas se o diretor pegar você aqui dentro, nós não temos nada com isso. Fique esperto porque qualquer dia isso vai acontecer!
Agora estava ele bem na frente do grande diretor. Iria expulsá-lo. Descobriria que estava dormindo no canil abandonado desde que a enchente do Rio Belém arrastou o barraco e levou a mãe e a irmã. Vagou três dias até chegar no colégio. Entrou devagarinho. Os meninos o convidaram pra jogar. Faltava um no time improvisado. Entardeceu. Foram todos embora. Ele ficou. Viu o canil. No dia seguinte, Dona Carola o achou acocorado, com frio. Deu pena. Levou restos da merenda escolar. Estava tudo indo bem. E agora o diretor bem à sua frente. Perguntando alguma coisa.
– Se for expulso do canil, o que vai ser da minha vida? – balbuciou cabisbaixo.
– Perguntei qual o seu nome? Olhe pra mim, e fale direito rapaz!
A chaleira saracoteou no fogareiro. Zé Pedro saiu dos devaneios. Levantou-se desviando a cabeça da. Coou o café para dentro da garrafa térmica. Preparou a xícara. Recostou-se na cama. Sorveu gole a gole. Café amargo. Acostumou-se com a amargura. Os olhos fixos em lugar nenhum.
– Quantos anos você tem, Zé Pedro?
Ele respondeu que tinha quatorze. Agora tem cinqüenta e nove, ou sessenta. A mãe tinha uma caixa de sapato cheia de documentos. Sumiram todos no dia da enchente. Malditas férias, estas. Escola vazia. O novo diretor...
– Quantos diretores passaram por aqui nesse tempo todo? – tentou contar inutilmente.
Cada troca de direção era momento de angústia, de sofrimento, de incertezas. Dona Carola sempre o consolou e sempre deu um jeito. Segunda mãe, essa Carola.
– Por que tinha que morrer e me abandonar? Quem vai acertar as coisas pra mim com esse novo diretor? Carola deve estar com minha mãe! E eu? Sozinho!
O Sol acordou e se espreguiçou, esticando os braços longos e luminosos para dentro do pátio do colégio. Os alunos estavam todos lá, de repente. Ensurdecedor o barulho. As redes não foram colocadas na cancha. As bolas não estão cheias e prontas para uso.
– Onde se meteu o “seu” Zé Pedro?
Gritaram o nome dele pelos corredores barulhentos. Chegaram ao cubículo sob a escada. Tudo estava no lugar. Assustaram-se ao ver a cama arrumada. Impecável como nunca viram. Sobre a cama lisa, uma caixa de sapatos velha. Abriram curiosos. Reviraram. Lá estava a certidão de nascimento do Zé Pedro. Faria sessenta anos hoje!

Airo Zamoner é escritor
airo@cepede.com.br
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