"Alguma coisa, há já algum tempo, não fazia muito sentido... agora deve fazer. Ícaro é de Camila e Marcelo, e Marcelo e Camila serão agora de Ícaro. Assim, pelo sentido que emprestaram a este texto, ele fica sendo, daqui por diante, meu presente mais humilde e mais sincero a esses meus três amigos." (28 de fevereiro de 2002)
Ícaro soprou-me seu nome numa tardezinha de sol frio e outra cor. Não que isso tivesse alguma importância, porque Ícaro já não tem mais medo do sol. Ou melhor, já não teme mais o seu calor. Foi assim: sua mãe passou por mim num leve planar. Senti-lhe o perfume e toquei sua pele. Então, por trás da voz dela, eu ouvi o nome de Ícaro, que vinha num sopro do fresco vento daquela tarde.
Após isso, sorrimos muitas vezes. Ícaro brilhava nos olhos de sua mãe, e esse era o seu jeito de sorrir para mim. Às vezes, metia-se pela turba das outras crianças o menino, como se fosse uma delas. E elas, as outras crianças, riam-se de mim com uma maravilhosa tranquilidade, como se perguntassem “o que será que ele está olhando...?”
Foram assim aqueles dias. Ícaro fazia-se nesse lugar que descobri a existência e de onde, através dos olhos de sua mãe, comigo se comunicava. Agora sei que nesse lugar também me fiz – o limbo onde habitam as almas ainda não concebidas, quase puras, puras talvez, não fossem os desvelos de seus pais.
De minha parte, terá asas o menino e com elas viajará o mundo e talvez traga, daqui e dali, belas estórias para as noites de lua grande e, para seu cordão, as mais belas contas. Que tenha cuidado meu menino e não voe com o sol a pino – sempre serão de cera as asas engendradas por nossos pais.
Ele, pouco modesto, no limbo às outras crianças provoca:
- Meu pai, quando eu fizer seis anos, não me dará um carrinho de rolimã, um papagaio ou uma bicicleta.
- Puxa, que pena, secunda seu interlocutor, já um pouco apiedado.
- Pena sim, responde faceiro. Meu pai, quando eu fizer seis anos, dará para mim um par de asas.
18.novembro.1995
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