Tudo existiria primeiro dentro de cada um, antes de se montar externamente em objetos, paisagens, cores e cheiros.
– Mãe, como é que se uma pessoa abre a boca e fala a outra sabe o que isso quer dizer, mesa, cadeira, nuvem?
– Sei lá, é assim e pronto.
– Mas e se de repente a gente entendesse tudo trocado, entendesse cachorro quando alguém quer dizer pessoa, agulha quando o outro quer dizer sofá, e sentasse na agulha?
A menina acha uma graça infinita dessa idéia.
A mãe olha espantada, que criança é aquela sua, com aquelas idéias?
– Mas, mãe, como é que você não sabe explicar?
– Ah, isso eu não entendo, fala com seu pai.
– Pai, o que é isso que dentro da minha cabeça não pára nunca?
– Chama-se pensamento, é como uma maquininha atrás da testa fabricando as palavras: nuvem, cadeira, mãe.
Então, por um tempo imaginei que eram as palavras que produziam as coisas. Palavras tomavam a palavra e tinham voz, falavam acenando com franjas e beiradas de segredos para quem soubesse escutar.
Tudo existiria primeiro dentro de cada um, antes de se montar externamente em objetos, paisagens, cores e cheiros. Árvore existe porque alguém disse “árvore”?
Algo desde esse instante me pareceu mudado: as pessoas à minha volta tinham rodando atrás de suas testas as mesmas engrenagens de palavras-pensamentos que eu. E – como eu – guardavam em si idéias jamais pronunciadas.
Foi uma das primeiras noções que tive do secreto e do sagrado de tudo que parecia tão simples ali próximo de mim. E do espaço de silêncio intransponível mesmo nos mais íntimos amores.
Nesse instante eu começava a escrever no ar o meu primeiro livro de cabeceira."
Texto Original: Denison Borges
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