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Artigos-->Adaptação de obras clássicas -- 16/07/2005 - 18:52 (Salomão Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O USO DAS ADAPTAÇÕES DOS CLÁSSICOS DA LITERATURA







Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo dos de lança em cabido, adarga antiga e galgo corredor.

Cervantes

&
8213; Ché! &
8213; exclamou Emília. &
8213; Se o livro inteiro é nessa perfeição de língua, até logo! Vou brincar de esconder com o Quindim. “Lança em cabido, adar-ga antiga, galgo corredor”… Não entendo essas viscondadas, não…

&
8213; Pois eu entendo &
8213; disse Pedrinho. &
8213; Lança em cabido quer dizer lança pendurada em cabido; galgo corredor é cachorro magro que corre e adarga an-tiga é... é...

Monteiro Lobato





O uso dos livros de adaptação — resumo ou condensação — das obras clássicas tem reflexos culturais na formação de leitores e de cidadania. A prática merece estudo e proce-dimentos específicos no instante de serem escolhidos, seja para leitura espontânea ou para adoção em sala de aula.

Não existe estatística sobre o assunto, mas estima-se que mais de um quarto dos li-vros de literatura infanto-juvenil comercializados no Brasil não retratam temas originais. Conscientes de que há procura, aceitação e adoção de livros de adaptação de obras clássicas, todas as editoras brasileiras mantém em catálogo uma coleção para atendimento desse seg-mento do mercado. Só a Scipione tem uma coleção que já está com sessenta e dois títulos.

Como conceito inicial, pode-se dizer que toda leitura é boa, que triste e melancólico é não ler. Só que o mercado editorial brasileiro não é mais o mesmo dos idos de 1930, dos tempos de Monteiro Lobato, que tanto as editoras como as escolas — para nacionalização do livro — tinham de partir do zero. Era incipiente a existência de tradutores, e mais inci-piente a produção de textos voltados para a infância e a adolescência. O mercado editorial — também incipiente — tinha de recorrer às adaptações. Para conferir, basta consultar os antigos catálogos da Francisco Alves, da Melhoramentos e da Editora Nacional, esta de Monteiro Lobato — ele mesmo um dos pioneiros nas traduções e adaptações de clássicos.

Só que não somos mais insipientes. Evoluiu o mercado editorial e, com os cursos específicos nas universidades, a tradução se profissionalizou. A escolha de um livro, agora, pode orientar-se por princípios mais objetivos. Primeiramente, que a obra escolhida não desvirtue os conceitos éticos e não comprometa os rudimentos da língua pátria. Além disso, tem de estimular a criatividade, a interpretação e a cidadania. Sobretudo que contribua para a humanização, para a quebra do crescente egocentrismo em evolução no seio da juventude do mundo moderno (para essa compreensão, compulsar Edgar Morin, no livro Os sete sabe-res necessários à educação do futuro, Cortez).

Lembrar-se ainda de Bakhtin, pois todo texto resulta de relações com culturas, com o tempo. O livro é produto cultural lingüístico, que carrega valores históricos, sociais, ideo-lógicos, estéticos e morais. Quando usado para formação do indivíduo, ele não pode ser simplesmente “largado” nas mãos das crianças e dos jovens sem o estabelecimento desses referenciais.

Ana Maria Machado, no livro Como e por que ler os clássicos desde cedo (Objetiva), es-tabelece a premissa de que, para começar a ler os clássicos, não é preciso ler o original. Em entrevista, ela diz que o professor — para trabalhar uma obra clássica — “deve mostrar pai-xão pela leitura”, e que “é fundamental que o professor conheça essas obras. Deve ter lido ao menos uns três títulos ao longo de sua vida. Caso contrário, seria como ensinar a nadar sem nunca ter entrado n’água”.

Nem todos os especialistas recomendam o uso das adaptações, pois sempre mutilam os recursos lingüísticos e a extensão da obra, permanecendo do original quase só a história. A consultora Maria José Nóbrega entende que as adaptações são “uma forma de aproximar-se do original, da trama e da mensagem que o autor quis comunicar. Mas nenhum professor deve contentar-se só com isso”. Como as adaptações não são uma prerrogativa dos brasilei-ros, os ingleses chegam a considerá-las como “pontes” para se chegar ao original, informa o poeta José Carlos Peliano.

Há de se reconhecer — as adaptações inoculam mais rápido na formação do ho-mem os mitos criados pelos clássicos. Os mitos dos clássicos esclarecem as paixões e os con-flitos humanos. E não pode haver demora na compreensão dessas paixões e conflitos, pois o homem do futuro está crescendo agora, numa etapa de excessivo egocentrismo, sem cordia-lidade. E é nos clássicos que mora o humanismo cordial! E, se é inoculada a paixão pela leitura, certamente o leitor principiante será, no futuro, o leitor inveterado, e, certamente, o homem cordial.

No Rio de Janeiro, a professora Débora Finamora, que atua em duas escolas parti-culares, só trabalha com clássicos da literatura por entender que “o aluno pode seguir sozi-nho na leitura de um livro contemporâneo” (talvez a afirmativa contenha algum equívoco, pois a criança, ainda em formação, pode não saber contextualizar o seu tempo, e precise de orientação). Enquanto que o clássico ultrapassa a literatura propriamente dita “e promove um mergulho na história da cultura ocidental”. Ela chega a dizer que podia haver mais a-daptações. Não se limita a entregar ao aluno o texto adaptado. Apresenta paralelamente o capítulo original e o adaptado, “e eles (os alunos) curtiram quando nós trabalhamos As mil e uma noites dessa forma” (adaptação de Ferreira Gullar).

O portal www.eleducador.com, voltado para o ensino na América Latina, apresenta alguns parâmetros para escolha de um clássico adaptado. Primeiramente, verificar a notori-edade do autor responsável pelo texto em língua portuguesa. E aponta alguns bons escrito-res brasileiros que se dedicam ao trabalho de conversão: Ana Maria Machado, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Monteiro Lobato, Orígenes Lessa, Tatiana Belinky, e talvez ainda não tivessem o acesso às traduções de Ferreira Gullar para citá-lo. Em caso do desconheci-mento do responsável pela adaptação, comparar o livro com o original — se é obra de fic-ção, ver se há fidelidade à trama, e, como ilustração, considera injustificável que, em se tra-tando da história do Chapeuzinho Vermelho, o lobo não devore a avozinha. Observar se são respeitados recursos estilísticos como metáforas, ironias, entre outras; se há fluidez e se está bem escrito; e, na dúvida, recorrer às recomendações da Fundação Nacional do Livro Infantil (www.fnlij.org.br).

Concordamos com Guido Heleno, aclamado autor de livros infantis, que escreveu um texto especialmente para este debate: melhor a leitura do original. Fugindo dos parâme-tros ou preenchendo os vazios deixados pelos especialistas, discordamos da adoção de adap-tação de obras poéticas e de romances escritos originalmente em língua portuguesa. Injusti-ficável e incabível o resumo de A divina comédia, Os Lusíadas, Triste fim de Policarpo Qua-resma, ou de Memórias póstumas de Brás Cubas (mesmo sendo adaptado por José Louzeiro!). Totalmente desnecessária a condensação de As minas do rei Salomão (já contém elementos de trama, fluidez, encanto, afinal a tradução é de Eça de Queiroz!). Deixai toda esperança, oh! vós que entrais. Na poesia de um Dante Alighieri e de um Camões não há quem possa meter o bedelho para adaptar, quando muito para traduzir.

A adoção de obras adaptadas, portando, deve ser revestida de precauções, com estu-dos preliminares para que sejam contextualizadas com o original e com a época e o universo lingüístico em que foram compostas. Nunca devem ser prioritárias! O original deve ser sempre a comissão de frente. Cada região deve dar preferência para os clássicos que tratam de sua cultura. Nenhum estudante goiano poderá sair do primário e do secundário sem conhecer Hugo de Carvalho Ramos, Cora Coralina, Bernardo Elis, J. J. Veiga e José Godoy Garcia. E sem adaptações.

E, com ou sem rodeios, vamos ler, com paixão!







O caso Dom Quixote



Há quatrocentos anos era lançado na Espanha o Dom Quixote, de Cervantes, ro-mance clássico dos clássicos. São dois heróis lendários. Dom Quixote, que busca aventuras, montado num cavalinho magro, ele também nada forte, mas louco para praticar a justiça (temos noção de justiça!); e Sancho Pança, seu escudeiro, gordo, lerdo, mas fiel ao seu amo (temos noção de fidelidade!). Representantes de cinqüenta e quatro países, reunidos no Clube do Livro da Noruega, elegeram-no a melhor obra de ficção de todos os tempos.

São milhares e milhares de edições desse livro em todo mundo. E milhares as adap-tações. Para cinema, teatro, música popular e erudita. Adaptado tanto para histórias em quadrinho como para a ópera e o balé. Quem não o leu ou não ler, vai morrer e sequer vai ver navios!

Atualmente, existem quase vinte adaptações de Dom Quixote disponíveis no mer-cado. Destaque para as de J. Borges/Jô Oliveira (LGE) e Ferreira Gullar (Revan). Outras, que podem ser localizadas: Marina Colasanti (Global), Monteiro Lobato (Brasiliense), Caco Galhardo (história em quadrinhos), Orígenes Lessa (Ediouro), Tereza Noronha (Loyola), M. Williams (Ática), Antonio Alcântara (Girassol), Richard Powell (Nova Fronteira), Walcyr Carrasco (FTD) e José Angeli (Scipione). Quem optar pelo original, há mais de três edições disponíveis, sendo a mais recente a da editora 34, de Sérgio Molina (em dois volumes, o segundo a sair até o fim do ano).













A visão de um autor





Quando um autor concebe uma obra ele o faz de acordo com a densidade e a inten-cionalidade que quer dar a um fato histórico ou a uma idéia ficcional. A obra literária é a que o autor escreveu. No entanto, esta obra começa a perder características na medida em que vai sendo transformada. A primeira delas é a tradução. Por melhor que seja o tradutor, mesmo conhecendo profundamente tanto o idioma em que a obra foi escrita como aquele para o qual o texto vai ser traduzido. Isto porque as palavras não têm apenas um significado e à narrativa são agregados valores e diferentes cargas semânticas.

No entanto, acho válido todo o processo de adaptação, de adequação. Veja o exem-plo do J. Borges e o Jô Oliveira que adaptaram o clássico Dom Quixote para a literatura de cordel. E, por interesse da Embaixada da Espanha, a obra já foi vertida também para o es-panhol. Com tal adaptação, muitos leitores que nunca conheceriam a obra máxima de Cer-vantes poderão, assim, ter contato com tal emblemático personagem que é Dom Quixote. Quem sabe, a partir daí, não venham a se interessar pela obra original?

A mesma preocupação se deve ter em relação à adaptação de uma obra para outras linguagens e meios: cinema, teatro, rádio. Tudo é válido para se divulgar uma idéia, um autor. Desde que o autor autorize, concorde com isso. Afinal, o direito patrimonial da obra pode ser transferido, mas a autoria continua sendo de quem escreveu o livro.

Concluo afirmando: mesmo tudo sendo válido, com a anuência do autor, o bom mesmo é ler a obra na íntegra e, melhor ainda, na língua em que foi escrita. E isto é ainda mais categórico em relação à linguagem poética, onde a musicalidade da palavra é parte intrínseca da poesia.



Guido Heleno





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