Usina de Letras
Usina de Letras
19 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50672)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Os Gomes -- 17/12/2001 - 22:30 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Os Gomes


Sigo pela estrada de Aldeia, rumo ao Km. 16,5, sítio São Caetano. Vou a festa dos Gomes, convidado por um neto, a pedido dos filhos Guilherme, Frankilin e Romildo. Conhecidos de longa data, amigos de algum tempo.
Bivó Conceição e Bivo Josué geraram 18 filhos. Marcos, Marcelo, Maria da Conceição, Maria de Fátima, Eduardo, Franklin, Roberto, Romildo, Fernando, Wladimir, Maria do Socorro, Helio, Guilherme, Rui, Maria Ursula, Rubem e Josué. Dos filhos vieram 54 netos. Bisnetos não sei quantos, mas haviam muitos. A festa de fim de ano, reúne toda família, espalhada pelos quatro cantos do estado e do país. Juntam-se aos filhos da Bivó Conceição, três irmãos: tio Milton, tia Carminha e Tia Lurdes. Mais genros, noras, primos "pre-genros e pré-noras", amigos de uns, parentes de outros, sogras, sogros e convidados. Enfim uma cidade de gente e de amigos, batalhando por uma única causa. A alegria. Uma ou duas centenas de pessoas que se confraternizam em volta de uma família, rara, nos dias de hoje.
Sendo um brasileiro inglês, cheguei na hora em que fui informado. O sítio cercado de fruteiras e vegetação já é um convite a liberação dos sentimentos.
Só quando fui embora notei algo estranho naquele portão do Sítio São Caetano. Foi uma grande mancada, mas ninguém percebeu. Existe uma desculpa para mim por ser marinheiro de primeira viagem, já que os outros convivas, há vinte anos que se portam da mesma maneira. Mas eu ? como iria advinhar ? Essas coisas não existem mais !
Bivó Conceição, sentada em uma mesa com sorriso largo e seus cabelos brancos, recebia beijos e abraços da sua prole. Era reverenciada com carinho e orgulho por seus descendentes. Em momento algum ficou sem pelo menos com duas pessoas a seu lado. Imagino a satisfação de uma mãe de dezoito filhos vivos, unidos por uma fraternidade acima de todos os defeitos. Soube que o filho mais moço nascera após o falecimento do Patriarca. Desejava ver todos os filhos formados. Quando faleceu o mais velho tinha 24 anos e o mais moço ainda não nascera. Bivó Conceição criou e educou a todos com muito sacrifício e muita perseverança. Hoje colhe os frutos de uma vida inteira, vê suas três gerações espalhadas pelo mundo. Médicos, Advogados, Militares, Empresários, Agrónomos, Educadores e as mais diversas profissões que ao escrever essas linhas não me recordo mais. Três horas de convívio onde tudo era alegria, ficou difícil lembrar-me de tudo que vi e ouvi.
Hélio " O rei da Bossa Velha" soltou a voz com "Professorinha do Ataulfo", seguiu com Carinhoso e o desfile das musicas dos anos 40 até os anos 70. As irmãs cantoras, entraram com Juazeiro e Petrolina. Daí em diante foi um show de músicas antigas e modernas. Aos quatro cantores, juntaram-se outros tantos e em pouco tempo todos cantavam e dançavam. Lá para as tantas entra Sr. Virgílio, sogro de Romildo, carregado pelas irmãs, e solta a voz de seresteiro com Bandeira Branca. Explodiu ! A cada música uma emoção nova, uma alegria, uma volta ao passado. Na festa dos Gomes, a saudade é curtida com alegria, com felicidade, as lágrimas são apenas o tempero do carinho que uns tem com os outros. Lá não "tem uma pedra no caminho", mas tudo é poesia. Tem versos para todos poetas e musica para todas as idades. E mais, tem os animadores e apresentadores. Tudo é improvisado a cada minuto e tudo dar certo. Não existe a preocupação de fazer melhor ou mais bonito. O mais importante é que todos estejam sorrindo e felizes. A música contagia e os pares de todas as idades dançam em volta do palco e da piscina.
Entre os filhos e filhas da Bivó Conceição, a filha Ruth, "Dudu", que é a princesa da casa, segunda mãe de todos os irmãos, toma conta da Bivó e é adorada e reverenciada por todos, com carinho especial pela sua dedicação. Animada, feliz como uma criança, lidera o coral da família, e embora solteira, sem sentir, é mãe de todas as gerações ali presente.
Veio uma chuva de dezembro e todos se acomodaram no palco. Em vez de diminuir, o rítimo, aumentou. Todos falam, cantam e dançam ao mesmo tempo. Todos ouvem, todos se comunicam, todos falam a língua do sentimento. Nada é medido, nada é pesado mas tudo vem na conta certa. Sobra muito carinho, muito amor e muita alegria, mas ninguém perde nada, guarda para festa do ano seguinte.
Depois da chuva outra surpresa. Rubinho há vinte anos que desaparece da festa e volta fantasiado. Sua fantasia, é segredo até a hora da apresentação. O garoto de setenta anos, se transforma em um artista. Muda a voz, conta piadas e é outro show a parte. Nunca pensei que aquele homem que nas missas do Domingo, ler lá no altar a epístola, pudesse se transformar no Zé Tamborim, malandro dos morros carioca. Isso faz parte da alegria dos Gomes. Além de cantores, a família também tem artistas.
Vez por outra, me afastava dos irmãos Gomes para apreciar de longe e pensar um pouco no que estava vendo. Queria gravar aquelas imagens para tentar reproduzir em letras. Minha família é muito grande, mas, metade da deles. Relembrei com saudade os tempos em que meus tios e tias ainda vivos, festejavam em casa de vovó o ano novo. Era muito bom, mas faltava a descontração, a musica e a alegria contagiante.
A tarde já ia alta, quando lembrei-me que não era um Gomes, apenas um Oliveira. Tinha que voltar para casa e contar aos meus, o que vi dos Gomes. A cabeça no entanto martelava. Como uma família tão grande, conseguia ser tão feliz ? Será que ninguém ali tinha problemas, dificuldades ? Como eles conseguiam viver aqueles momentos ? Dava-me a impressão que todos haviam nascido hoje, zerados dos problemas e dos dissabores da vida. Por mais que tentasse, não conseguia entender. Terminei por esquecer a idéia de descobrir onde os Gomes conseguiam tanta felicidade, preferi aderir para não perder nada que se projetava em minha frente.
Depois de me despedir de alguns, pois a todos era impossível, retirei-me pelo jardim até onde estava meu carro. Logo na frente, do lado de fora do portão, tinha um grande armário "oculto". Não contive a minha curiosidade e abri. Lá dentro estavam bem guardados em uma prateleira, dezoito fardos de preocupações, dificuldades, vitorias e derrotas. Na prateleira de cima estavam guardados os amores de ontem, os amores de hoje e os amores de amanhã. Na ultima prateleira, por sinal a maior, estava repleta de saudade.
A minha mancada foi essa, não vi o aviso: "Ao atravessar este portão, carreguem apenas a alegria que está em você. Deixem guardados as preocupações, problemas, impostos, política, governo, doença e tudo o mais que estiver carregando que não seja felicidade. Lembrem-se! Temos apenas um dia no ano para curtirmos todos juntos, a nossa família e nossos amigos. Ao sair peguem seus pertences e não se esqueçam que no próximo ano tem de novo". Saí com vontade de ficar, e já, com uma saudade danada da festa do próximo ano.

Mauro de Oliveira

15/12/2001


Esta crónica está no site Usina de Letras no seguinte endereço:

www.usinadeletras.com.br/exibelotextoautor.php?user=oruam

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui