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Artigos-->Contrastes em uma madrugada de inverno -- 30/07/2005 - 19:15 (Alexandre Boechat) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Contrastes em uma madrugada de inverno



Minhas dores físicas me despertaram nessa madrugada fria de inverno. Cansado e com muito sono, mas com uma canção na mente, passei a assistir a um concerto beneficente ocorrido na Inglaterra, ao anoitecer do século passado, idealizado por Sir George Martin, lendário empresário dos Beatles, em prol da obtenção de recursos financeiros para ajudar a socorrer a população de uma pequena ilha caribenha, assolada por um desastre natural, qual seja, a erupção de um vulcão adormecido há mais de quatrocentos anos, que destruiu grande parte do seu território, levando o seu povo a viver em péssimas condições.

A Ilha de Montserrat inspirou durante várias décadas, os músicos participantes desse encontro voluntário e fantástico que somente tomei conhecimento, acidentalmente e graças à evolução tecnológica dos dias atuais, em áudio e vídeo, o DVD, tornando-me objeto do seu principal propósito, o de informar ao mundo a necessidade de estender a mão àquele povo simples e acolhedor. Sou duplamente feliz, em conhecer o espetáculo e poder colaborar, ao adquirir, legalmente, essa gravação.

Lá, na Ilha de Montserrat, o mesmo idealizador desse evento, construiu, manteve e perdeu um notável e bem montado estúdio para gravar músicas, a serviço dos artistas, e que também foi destruído pelo Vulcão.

Todos aqueles que puderam, e conseguiram se apresentar, pois alguns já “partiram”, os tão criticados "loucos cabeludos", que se drogavam, mas que se refugiavam e se inspiravam com a ajuda da beleza natural daquele lugar, aparecem na gravação, uns já grisalhos, outros até mesmo carecas, inclusive os que estão em perene recuperação da dependência química, uma de suas tragédias particulares, com uma jovial disposição de quem parece não se aperceber do passar do tempo, fizeram barulho suficiente, emocionante e pacífico, justamente com o produto dos seus eventuais isolamentos, a música, despertando o restante do mundo para uma realidade bastante dolorosa.

Todos eles, sem exceção, tiveram a oportunidade de gravar a sua arte no quase desconhecido estúdio, tais como Phil Collins, que já finalizou sua carreira, em função da surdez e ainda colabora com diversas instituições de caridade; Mark Knopfler, que por não dispor de dinheiro para comprar uma simples “palheta” no início da carreira, até hoje toca com os dedos calejados a sua guitarra que já o consagrou o melhor do mundo, por algumas vezes; Eric Clapton, que perdeu seu filho pequenino ao despencar do próprio apartamento, e mantém uma Comunidade Terapêutica para a recuperação de aproximadamente três mil dependentes químicos, numa ilha cuja metade foi comprada com o resultado do leilão de uma de suas guitarras; Sting, que não mediu esforços ao abraçar a causa indígena brasileira, levando pelo mundo afora o Cacique Raoni como representante de um problema que teve início há quinhentos anos; Elton John, que comoveu o mundo com uma canção dedicada à princesa Diana, e que antes de conseguir apresentar apenas três músicas do repertório, uma delas feita em duo com Luciano Pavarotti, precisou levantar-se algumas vezes para agradecer a platéia que o aplaudia de pé incansavelmente; Paul McCartney, ex-Beatle, que dispensa comentários, e, dentre as obras apresentadas, uma dizia “então posso (ou podemos) começar a fazer o melhor ...”, ou algo parecido; enfim, os demais artistas, inclusive Arrow, nativo de Montserrat, também vítima da erupção, cuja música lembra um pouco o nosso ritmo latino, todos muito bem acompanhados por uma afinadíssima Orquestra Filarmônica, assim como um esplêndido coral composto em sua grande maioria por pessoas da raça negra, cuja voz é invejável por qualquer “cara-pálida”.

Ou seja, uma confraternização espontânea, onde predominou a alegria dos músicos de pelo menos três continentes, brancos, negros, loiros, irmanados na simples boa vontade em não só ajudar materialmente o povo de uma nação, mas principalmente em chamar à atenção, todo o Planeta, para uma realidade desconhecida para muitos e esquecida por muitos.

Suas canções, que alegraram e comoveram a platéia composta até mesmo pela Realeza daquele rico país, e que provavelmente continuarão a alegrar e a comover gerações emergentes e futuras, exibidas no estilo simples das estrelas vestindo jeans e calçando tênis como se estivessem ensaiando nas garagens de suas casas, como no início, tomaram uma forma audível peculiar, tanto pela sua própria beleza e bom gosto que marcaram uma era, como pela felicidade estampada em suas faces por estarem ali motivados apenas pela vontade pura de ajudar, isentos de qualquer obrigação oriunda de contrato, cada qual arcando com as suas próprias despesas.

Um dos maiores exemplos de solidariedade, fraternidade e amor ao próximo que já assisti na minha existência, mesmo sendo uma gravação.

Profundamente comovido, engoli em seco, quando tentei imaginar algo semelhante acontecendo no nosso imenso País, com os nossos próprios e grandes artistas, seus talentos, beleza e riqueza musicais, reconhecidos em qualquer parte do mundo, no nosso idioma diverso por tantas regiões características e diferentes culturas, com a nossa própria platéia e em prol de nossas próprias desgraças tais como a fome, a miséria, a falta de saúde e educação, a desigualdade social e a desonestidade.

Aqui mesmo, no Brasil !

Em socorro de nós mesmos, onde temos espaço de sobra para nos abrigar no caso de uma erupção vulcânica, bem diferente de uma Ilha do Caribe aonde o lugar mais próximo para se abrigar seria o Oceano Atlântico, ou seja, dentro d’água ...

No nosso solo fértil sustentado por um sub-solo rico, na nossa própria “terra em que se plantando tudo dá”, segundo foi escrito na primeira correspondência despachada do Brasil, na época em que teve início o esbulho de uma riqueza que há muito já se transformou em propriedade daqueles que de uma forma ou outra vieram colonizar a “Terra Nova”, os nossos antepassados, imigrantes voluntários ou não, que com o custo de vidas humanas através de cinco séculos determinaram as fronteiras de uma “ilha” com dimensões continentais e isenta de vulcões naturais, limitada pela Cordilheira dos Andes, praticamente intransponível em toda a sua extensão além de se localizar em terras estrangeiras, e que, portanto, não nos pertence, e, o litoral por onde continua o “vazamento” de tudo o que é nosso de fato e de direito, além da entrada e da permanência de exploradores endossada, ou até mesmo a convite de quem algum dia cometemos a insanidade indecente de passar uma procuração com poderes de, em nosso próprio nome, construir vulcões e toda a sorte de catástrofes existentes apenas em outros países e outros continentes.

Um espetáculo musical dentro de um espetáculo natural, de onde com toda a certeza os nossos menores e maiores artistas nunca precisaram sair em busca de suas inspirações, tamanha a fartura de cenários e matéria propícios ao incentivo de criações sonoras, visuais, táteis, olfativas e degustáveis ...

Fartura ainda suficientemente capaz de imaginar uma utopia, a de salvar uma raça ou espécie inexistente em nenhum outro lugar do planeta, que por sua miscigenação deriva uma criatividade sem limites, sem fronteiras de espaço ou tempo e que se aplicada às artes ou às ciências de forma positiva, o nosso grande “show” jamais teria fim e haveria, obrigatoriamente, de ser gratuito !

Mas, convenhamos que, de acordo com tudo o que temos tomado conhecimento atualmente não motiva o acontecimento de qualquer tipo de festa, mesmo porque se houvéssemos de contribuir com um centavo sequer, não teríamos a quem confiar o que fosse apurado !

Assim, resta-nos tão somente passar acordado, madrugadas frias, na emoção de músicas na sua universalidade, escrevendo desabafos ...





Alexandre Boechat,

em 29 de julho de 2005.

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