Usina de Letras
Usina de Letras
161 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62211 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140797)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O MÁGICO DE OSSO -- 13/05/2000 - 23:53 (Marco Aurélio Bocaccio Piscitelli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Mágico de Osso

Marco Aurélio Bocaccio Piscitelli*


Era um mágico que aparecia nas noites de domingo na TV. Nunca mais se ouviu falar dele. Faleceu? Levou seus sortilégios para outras geografias? Ou foi destronado da mídia pelo impacto de suas revelações?

Criticado como espertalhão do ilusionismo, segundo time de Las Vegas, estaria enricando e melando o ganha-pão de seus pares. Ele escancarava os segredos que se escondiam por trás dos grandes espetáculos de mágica. Quebrava o código de silêncio da classe. Ameaçava a sobrevivência da profissão. Os tribunais acatavam as ações vindas de todas as partes com retiradas do ar e ameaças de suspensões definitivas por impostura.

Curioso é que, pela primeira vez, as ações de um mágico restauravam um pouco a normalidade de nossa percepção sensorial, em séculos lesada por acontecimentos sem pés nem cabeça.

Que fazia ele demais? Por que era tratado como inimigo dos mágicos? Por encarnar o dom supremo de revelar? De velar por nossas ansiedades? De acabar com nossas ilusões – fixações primitivas – para dar espaço a novos e robustecidos ímpetos exploratórios?

Ora, nossa vida sempre foi pautada pela busca de revelações. A alma persegue as ditas verdadeiras e quase sempre se conforma ou se conforta com as fictícias. As profecias de Nostradamus, os evangelhos, os segredos de Fátima – quanto esforço para arrancar o terceiro do Vaticano – , os insights alcançados no processo psicanalítico, tantas. E, quando tudo isso parece pouco, as previsões do tempo, os prognósticos de loterias, búzios, tarôs, numerologias, linhas da mão... o socorro da auto-ajuda e todo o repertório esotérico. Promessas de políticos, milagres de planos econômicos, crenças sedutoras em vida além-túmulo.

Em vez do clássico truque isolado, o truque com o segredo exibido logo após. Caramba, por que ninguém pensara nisso antes?

Acusavam-no de um quebra-quebra. Quebrara o código de honra, a ética de uma prática milenar. Ele agia como um nobre que expunha sua mestria sem medo de perdê-la. Era um escritor que se deixava folhear sem ver a sua inspiração surrupiada. Parecia um cozinheiro que preparava os seus pratos ao vivo, mas que nem assim emancipava os seus copiadores, que continuavam a alugá-lo para passeios gustativos. Um mágico de verdade! Os outros matavam a cobra; esse também mostrava o pau.

O programa abalava a permanência de um mundo até então tranqüilo. A Sociedade dos Mágicos Vivos defendia o direito patenteado de impressionar com o imutável.

O mundo da mágica não perde a sua majestade quando invadimos os bastidores de sua alquimia. Por algum sentimento, sempre que o mesmo truque desfeito se repete, é como se fôssemos acometidos por uma amnésia de dissolução das lembranças. Recai-se na primeira vez dos contos de fada. Lá nossos sentidos acolhem o mundo com a pureza dos sonhos e o despertar lúdico das passagens livres.

Assistir à levitação de uma mulher ou ao seu corte ao meio é sempre um espetáculo verdadeiro. As coisas acontecem; nós as testemunhamos. Tudo é muito rápido e insólito. Quando nos recuperamos, é tarde. A racionalidade foi ferida de dúvida. No sobressalto de decifrar, somos derrubados pelas acrobacias das emoções. Como foi possível? Não, não é possível!

Depois disso, o inconsciente televisivo nunca mais foi o mesmo. A sintonia ansiava por um demolidor de mitos. No rastro do mágico, criaram o quadro de um expert em fenômenos paranormais para desvendar as charlatanices dos entortadores de garfos baratos. Todavia, este é o começo de outra estória, que tem enigmas ainda não de todo caçados.
_________________________________________________
*Psiquiatra e psicoterapeuta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
marcopiscitelli@bol.com.br
P.S.: Hoje são 13/05/2000. O texto estava concluído. Acabara de escrevê-lo. Em seguida, o Vaticano revelava o terceiro segredo de Fátima. Confesso que buscava algo do apocalipse. Tive de me conformar com o atentado sofrido pelo Papa. Vou tentar conforto em alguma ficção que penetre o mistério.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui