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Textos_Religiosos-->PERDÃO E PRIVILÉGIO EM MADRI -- 26/08/2011 - 20:41 (Benedito Generoso da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dois pesos e duas medidas: o aborto perdoado em Madrid. Um Texto de Ivone Gebara, Escritora /Filósofa /Teóloga*

É com muito constrangimento que muitas mulheres católicas lêem a notícia publicada em vários jornais do Brasil, de que a Arquidiocese de Madrid com aprovação papal autoriza a concessão do perdão e indulgência plenária às mulheres que confessem o aborto por ocasião da visita do papa. A impressão que temos é que o papa, o Vaticano e alguns bispos gostam de brincadeiras de mau gosto com as mulheres. Não sabemos em que mundo esses homens vivem, quem pensam que são e quem pensam que somos!

Primeiro, concedem o perdão a quem pode viajar para assistir à missa do papa e passar pelo “confessionódromo”, ou pelo conjunto de duzentos confessionários brancos instalados numa grande Praça pública de Madrid chamada “Parque do Retiro”. O perdão deste “pecado” tem local, dia e hora marcados. Custa apenas uma viagem a Madrid, para estar diante do papa! Quem não faria o esforço para tão grande privilégio? Basta ter dinheiro para viajar e pagar a estadia em algum hotel de Madrid, que o perdão poderá ser alcançado. Por isso, nos perguntamos: que alianças a prática do perdão na Igreja tem com o capitalismo atual? Como se pode viver tal reducionismo teológico e existencial? Quem está tirando benefícios com esse comportamento?

Segundo, têm o desplante de afirmar que o perdão deste “crime hediondo” como eles costumam afirmar, é dado apenas por ocasião da visita do papa, para que nessa mesma ocasião as fiéis pecadoras obtenham “os frutos da divina graça”, confessando o seu pecado. Como entender que uma falta é perdoada apenas quando a autoridade máxima está presente? Não estariam reforçando o velho e decadente modelo imperial do papado? Quando o Imperador está presente tudo é possível, até mesmo a expressão da contradição em seu sistema penal!!!

Não quero, numa breve reflexão como esta, retomar os argumentos que muitas de nós, mulheres sensíveis às nossas próprias dores, temos repetido ao longo de muitos anos. Mas esse acontecimento papal madrileno, infelizmente, só mostra, mais uma vez, um lado ainda bastante vivo no Vaticano, ou seja, o lado das querelas medievais em que questões absolutamente sem peso na vida humana eram discutidas. E mais, demonstra desconhecer as dores femininas, desconhecer os dramas que situações de violência provocam em nossos corpos e corações. Ao conceder o perdão ao “crime” do aborto na linguagem que sempre usaram, de forma elitista, revelam o rosto ambíguo da instituição religiosa capaz de ceder ao aparato triunfalista, quando sua credibilidade está em jogo. Podem abençoar tropas para matar inocentes, enviar sacerdotes como capelães militares em guerras sempre sujas, fazer afirmações públicas em defesa da instituição condenando pobres e oprimidas, abrir exceções à regra de seus comportamentos para atrair jovens alienados dos grandes problemas do mundo ao rebanho do Papa. A lista dos usos e costumes transgressores de suas próprias leis é enorme...

Por que reduzir a vida cristã a pão e circo? Por que dar um espetáculo de magnanimidade em meio à corrupção dos costumes? Por que criar ilusões sobre o perdão, quando o dia a dia das mulheres é cheio de perseguições e proibições às suas escolhas e competências?

Somos convidadas, convidados a pensar no aspecto nefasto da posição do papa e dos bispos que se aliaram a ele. O papa não concede perdão e indulgência total ou plena urbi et orbi, isto é, para todas as mulheres que fazem aborto, mas apenas àquelas que se confessam naquele momento preciso e por ocasião da visita do papa à Espanha. Não é mais uma vez a utilização das consciências, especialmente das mulheres, para fins de expansionismo do seu modelo perverso de bondade? Não é mais uma vez abrir concessões, obedecendo a uma lógica autoritária que quer restaurar os antigos privilégios da Igreja em alguns países europeus? Não é uma forma de querer comprar as mulheres, confundindo-as diante da pretensa magnanimidade dos hierarcas?

Será que as autoridades constituídas na Igreja Católica e de outras Igrejas são ainda jesuánicas? São ainda seguidoras dos valores éticos humanistas que norteiam o respeito a todas as vidas e em especial a vida das mulheres?

Creio que mais uma vez somos convocadas, convocados a expressar publicamente nosso sentimento de repúdio à utilização da vida de tantas mulheres como pretexto de magnanimidade do coração papal. Somos convidadas, convidados a tornar pública a corrupção dos costumes em todas as nossas instituições, inclusive naquelas que representam publicamente nossas crenças religiosas. Somos convidadas, convidados a ser o corpo visível de nossas crenças e opções.

Fazendo isso, não somos melhores do que ninguém. Somos todas pecadoras e pecadores capazes de ferir uns aos outros, capazes de hipocrisia e mentira, de crueldade e crueldade refinada. Mas, também somos capazes de dividir nosso pão, de acolher a abandonada, de cobrir o nu, de visitar o prisioneiro, de chamar Herodes, de raposa. Somos essa mistura, expressão de nosso-eu, de nossos deuses, dos espinhos em nossa carne convidando-nos e convocando-nos a viver para além das fachadas atrás das quais gostamos de nos esconder. (* In Adital)

* IVONE GEBARA , nascida em 1944, é doutora em Filosofia pela Universidade Católica de São Paulo e doutora em Ciências Religiosas pela Universidade Católica de Lovânia (Bélgica). Pertence à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora - Cônegas de Santo Agostinho e vive há décadas no Nordeste, numa vida de “inserção” no meio popular, atualmente em Camaragibe (PE). Lecionou durante 17 anos no Instituto de Teologia do Recife, até sua dissolução decretada pelo Vaticano em 1999. Desde então dedica seu tempo principalmente a escritos, cursos e palestras sobre hermenêuticas feministas, novas referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos e teológicos do discurso religioso.

Seus livros e artigos foram publicados ou traduzidos principalmente em português, espanhol, francês, inglês e alemão. Destacam-se entre eles: Trindade: palavra sobre coisas velhas e novas. Uma perspectiva ecofeminista (1994); Teologia ecofeminista. Ensaio para repensar o Conhecimento e a Religião (1997); Rompendo o silêncio. Uma fenomenologia feminista do Mal (2000); A Mobilidade da Senzala Feminina. Mulheres Nordestinas, Vida Melhor e Feminismo (2000); As águas do meu poço. Reflexões sobre experiências de liberdade (2005); O que é Teologia (2006); O que é Teologia Feminista (2007); O que é Cristianismo (2008); Compartir los panes y los peces. Cristianismo, teología y teología feminista (2008).

Leia o artigo de IVONE GEBARA e outros textos relacionados à visita do Papa bento XVI a Madri, acessando o site do Jornal Fraternizar, dirigido por Padre Mário de Oliveira de Portugal:
http://JORNAL FRATERNIZAR



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