Poucas são as ruas deste país que não tiveram um personagem desses. O neguinho da rua podia ser um branquinho. Um pardo. Um galego (nunca um loiro nórdico, é verdade). Mas era ele quem ia à padaria ou armazém, quem ajudava a carregar as sacolas de feira de nossas avós ou que se prontificavam a dar o recado de que o almoço estava pronto para nossos pais que haviam saído pra comprar salsinha e se enroscavam num boteco qualquer. Conheci vários deles. E até podia ser um deles. O destino não nos pertence. Quer dizer, pertence, mas não muito. Pacote era um neguinho da rua. Preto, muito preto, era o Pacote. Um sorriso franco, uma voz grave desde pequeno. Uma beleza escondida na sua condição social. Era lindo, o Pacote. Pode parecer difícil enxergar, mas os negros são lindos. Não estou dizendo das gingas, do papo fluente ou do apetite sexual. Olhe para o negro mais perto de ti e o imagine envolto num traje de gala. Imagine-o conversando sobre arte. Sobre política. Sobre o futebol refinado da seleção argentina. Ponderado, equilibrado, isento da responsabilidade de tentar se mostrar como branco. Pacote tinha toda essa elegància sem os periféricos. Foi abandonado em frente à casa de sua mãe adotiva - também negra, de poucas posses. Recebera este apelido por estar embrulhado num pacote de jornal. Cresceu na pobreza. Mas sorria quando alguém pedia para ele ir pegar um pão na padaria. Sabia que ganharia uns trocados. Ou então uma tubaína. Ele a dividia com os amigos. Alguns brancos, alguns pardos, muitos negros.
Pacote cresceu, teve um filho com dezessete anos de idade. Ultrapassou minha altura. Morreu. Assassinado. Não quero saber o motivo. Mas aquele sorriso minguou. Não sei o nome do Pacote. E isso me dói. O neguinho da rua. O Pacote.