"Vidinha era ciumenta até não poder mais; ora, as mulheres têm uma infinidade de maneiras de manifestar este sentimento. A uma dá-lhe para chorar em um canto, e choram aí em ar de graça dilúvios de lágrimas: isto é muito cômodo para que as tem de sofrer. Outras recorrem às represálias, e nesse caso desbancam incontinênti a quem quer que seja: esta maneira é seguramente muito agradável para elas próprias. Outras não usam da mais leve represália, não espremem uma lágrima, mas assim por um espaço de oito ou quinze dias, desde que desponta a aurora, até que cai a noite, resmungam um calendário de lamentações em que entram seu pai, sua mãe, seus parentes e amigos, seu compadre, sua comadre, seu dote, seus filhos e filhas, e tudo por aí além; isso sem cessar um só instante, sem um segundo de descanso: de maneira a deixar na cabeça do mísero que a escuta uma assuada eterna, capaz de amolcer um cérebro de pedra. Outras entendem que devem afetar desprezo e pouco caso: essas tornam-se divertidas, e faz gosto vê-las. Outras enfim deixam-se tomar de um furor desabrido e irreprimível; praguejam, blasfemam, quebram os trastes, rompem a roupa, espancam os escravos e filhos, descompôem os vizinhos: esta é a pior de todas as manifestações, a mais desesperadora, a menos econômica, e também a mais infrutífera. Vidinha era do número destas últimas".
(Trecho do romance "Memórias de um sargento de milícias", de Manuel Antônio de Almeida).
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