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Artigos-->MITO E MEMÓRIA NA POESIA DE ADÉLIA MARIA WOELLNER -- 12/08/2005 - 16:18 (Clarice Braatz Schmidt Neukirchen) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


MITO E MEMÓRIA NA POESIA DE ADÉLIA MARIA WOELLNER*



Clarice Braatz Schmidt (Universidade Estadual do Oeste do Paraná)



O fazer poético da curitibana Adélia Maria Woellner, além de apresentar uma constante contemplação e reflexão acerca do cotidiano, volta-se também às reminiscências. Dentre os temas presentes na lírica woellneriana, vale destacar a memória mítica, que manifesta-se fazendo menção aos mitos e rituais místicos de diversos povos.

Os mitos, para Chevalier & Gheerbrant, representariam as funções da psique, sendo que as relações existentes entre estes exprimiriam a vida psíquica do homem, que dividiria-se entre a ascensão a um nível mais sublime e a perversão. Podemos observar que, na mitologia grega, cada deus personifica uma função da psique. Palas Atena, por exemplo, simbolizaria a inspiração intuitiva, Zeus o espírito e Apolo a harmonia dos desejos. Desta forma, o mito pode ser considerado uma espécie de dramaturgia da vida interior.

É possível, ainda, atribuir ao mito a representação da vida passada dos povos, suas histórias, atos heróicos, etc. Nesta perspectiva, o mito faria-se memória. Seria uma “dramaturgia da vida social ou da história poetizada” (Chevalier & Gheerbrant, 1993, p. 611). Os mitos representariam, também, um conjunto de símbolos muito antigos, que teriam a intenção de preservar dogmas e preceitos morais. Estariam, ainda, a serviço da memória referente a eventos primordiais, pois por meio destes, o homem teria um exemplo a seguir. Atualmente, a palavra “mito” designaria um evento fictício, uma ilusão. O mito, no dizer de Mircea Eliade, seria a representação de histórias verdadeiras e preciosas por seu caráter sagrado, que haveriam ocorrido em um passado muito distante. Assim, os mitos seriam “a súmula do conhecimento útil” (Eliade, 1991, p. 112).

Nesta perspectiva, podemos dizer que os rituais religiosos assumem uma certa equivalência com os mitos. Conforme observa Eliade, todas as grandes religiões possuem mitologias, haja visto ser a mitologia a expressão da influência do sagrado no mundo natural.

Para Chevalier & Gheerbrant, seja qual for a interpretação que se dê ao mito, sua maior importância seria a capacidade que o mito possui de “trazer à tona a função simbolizadora da imaginação. [...] seu valor simbólico, que lhe revela o sentido profundo” (Chevalier & Gheerbrant, 1993, p. 612).

Os rituais católicos e alquímicos, bem como os mitos concernentes a outros povos, ocupam lugar de destaque na poesia woellneriana. No poema “Maya”, por exemplo, podemos verificar a ocorrência do mito como tema do texto:



Tu és Maya,

poderosa Deusa da Ilusão.

Dama tentadora e doce da fantasia,

brisa breve

que aquece, embala e acaricia,

mas é passageira, cruel, sem compaixão.

No espelho,

imagem convincente refletida,

fria, falsa,

mas de poder alucinante,

faz supor que é real

o sonho delirante

de um amor maior para iluminar a vida.



Apaga-se a luz;

a escuridão se revela,

e aquela imagem,

que parecia tão bela,

se esvai,

qual nuvem que no ar se desfaz,

e sequer, no céu, restam sombras ou sinais.

É o vazio.

Nem adianta procurar por ela:

não ficou Maya;

ficou nada;

nada mais...

( Infinito em mim, 1997, p. 62).



Maya, na mitologia grega, foi a ninfa que deu à luz a Hermes. Na tradição romana, Maya era uma divindade que personificava o “despertar da natureza na primavera”. Seria a deusa da fecundidade e da renovação da energia vital. Em sânscrito, Maya designaria a ilusão a que se reduz o mundo das aparências, que não seria mais que uma “operação mágica dos deuses”. No poema acima, ela é descrita como a “Deusa da Ilusão”, correspondendo a definição do sânscrito. Nota-se que, além da referência ao mito de Maya, há também no texto a recorrência ao tema do duplo, representado pela imagem do espelho. Este, ao refletir a imagem invertida de Maya, colabora para que sua falsa imagem impere. No momento em que as luzes apagam-se, impossibilitando o reflexo da falsa imagem de Maya, esta se esvai, deixando em seu lugar o vazio, o nada.

Maya, primeiramente, é descrita como “brisa breve/ que aquece, embala e acaricia”. No entanto, o espelho revela sua verdadeira imagem: fria, falsa e alucinante. Na tradição veda, o espelho representaria a duração limitada e mutável dos seres. No poema em questão, o espelho seria tanto a representação da imagem mutável de Maya, - ora bela e serena, ora falsa e fria - quanto da finitude de Maya, pois, ao chegar a escuridão, a imagem de Maya desaparece restando apenas o vazio. Assim, o espelho, ao possibilitar a duplicação de Maya, mostraria sua polaridade benéfica e maléfica.



Já no poema “Oferenda”, podemos observar a recorrência a um ritual católico:

No altar do firmamento,

a lua cheia

é hóstia

consagrada aos deuses.

(1997, p. 74).



No texto, o ritual Católico Apostólico Romano da consagração da hóstia é comparado a um ritual de consagração da própria natureza. Há a junção de uma crença católica, a uma crença politeísta, haja visto a palavra “deuses” encontrar-se no plural. Há um paradoxo neste poema, pois enquanto o ritual católico representaria Deus, que é a manifestação do absoluto e do uno, o politeísmo seria a representação da multiplicidade e divisão do absoluto. A lua, que representa uma divindade feminina em várias mitologias, como a deusa grega Ártemis, neste poema é considerada a própria hóstia, que na simbologia Católica representaria o corpo de Cristo. Assim, de forma sutil, a poeta faz uma junção entre o politeísmo e a simbologia ritualística católica da comunhão, unindo uma prática considerada sagrada à outra considerada pagã, criando uma imagem extremamente delicada de exaltação da divindade da natureza.



Também no poema “Constelação”, há a menção a um ritual católico:

Na madrugada

transparente e fria,

no céu sobressaia

o Cruzeiro do Sul.

A emoção

compreendeu ser

cada estrela

a marca do toque de Deus,

no corpo do infinito,

ao fazer

o sinal da Cruz...

(1997, p. 30).



Novamente, Adélia Maria une um gesto ritualístico católico a uma imagem da natureza. Para a crença católica, “tudo o que existe concerne ao ser subsistente (Deus), é relativo a ele” (Chevalier & Gheerbrant, 1993, p. 332). Nesta perspectiva, o eu lírico estaria simplesmente explicando a formação do Cruzeiro do Sul, tendo em vista que esta constelação, assim como todo o restante da natureza, seria obra das mãos do Criador. É interessante notar que, na obra woellneriana, há uma espécie de panteísmo. Em diversos poemas é possível perceber a divinização dos elementos da natureza, como no poema “Oferenda”, no qual a lua simbolizaria o “corpo de Cristo”. Chevalier & Gheerbrant afirmam que, “todos os seres aparentes e sensíveis da natureza são participações do ser: da mesma forma, todos os mistérios da vida da graça são, para os crentes, participações na natureza mesma de Deus. Esses seres contingentes, por sua própria realidade, são, por sua vez, símbolos do ser e de Deus” (Chevalier & Gheerbrant, 1993, p. 333).

No poema “Trem de fogo”, por sua vez, ocorre a junção de uma imagem cotidiana à uma imagem arquetipal da mitologia chinesa:



Imagem arquetipal,

esse imenso trem

repete

o deslizar em curvas

do mitológico dragão.



Fogo e fumaça

transformam o vazio

em espaços

prenhes de magia...

(1997, p. 107).



Aqui, a poeta alia a imagem cotidiana de um trem à mitologia chinesa. O movimento, o fogo e a fumaça do trem transformam sua existência vazia de sentido em um verdadeiro ritual mágico. Desta forma, Adélia Maria descreve como mágicos acontecimentos banais e corriqueiros, conseguindo mostrar a magia da vida explodindo em cada momento.

O dragão é um símbolo ambivalente, que transita entre o espaço terrestre e celeste. Para Chevalier & Gheerbrant, o símbolo do dragão seria o princípio ativo e demiurgo, uma imagem do Verbo criador, ou seja, uma representação da potência divina. No poema acima, o próprio eu lírico faz menção à “imagem arquetipal” do “mitológico dragão”, comparando-o ao trem. A fumaça, responsável juntamente com o fogo pela transformação do espaço vazio, simbolizaria a relação existente entre o plano terreno e o plano celestial, sendo que no poema é a fumaça que abre espaço para que sejam instaurados “espaços/ prenhes de magia”. Vale lembrar que, tanto nos rituais chineses, quanto nos rituais judaicos, é a fumaça que eleva até os céus a homenagem dos fiéis, ou seja, simboliza a junção do céu e da terra, ligando o homem ao ser divino.

Além da recorrência às mitologias pagãs, no poema “Deus”, podemos observar a recorrência da poeta a mitos bíblicos:



Artesão-Poeta

teceu o mundo

com agulhas de luz

e fez,

do sol,

um poema dourado.

(1997, p. 37).



Neste texto, a poeta recorre ao mito genesíaco, segundo o qual o Deus cristão teria criado o mundo. A poeta apresenta Deus como um artesão, haja visto ter feito o mundo com suas próprias mãos, conforme o mito bíblico da criação. Apresenta-o, também, como um poeta, pois considera sua criação, exemplificada pelo sol, um verdadeiro poema. Desta maneira, Adélia Maria pinta com novas cores este mito bíblico, no entanto, sem alterar seu significado.

Para Mircea Eliade, a partir do século XIX, a Historiografia passou a desempenhar um importante papel no resgate do passado. Por meio dela, procurou-se “descobrir, ‘despertar’ e recuperar o passado das sociedades mais exóticas e mais periféricas, desde o Oriente Próximo pré-histórico às culturas dos ‘primitivos’, em vias de extinção” (Eliade, 1991, p. 120-121). Na visão de Eliade, através da historiografia tentaria-se ressuscitar o “passado total da humanidade”, o que contribuiria para que o homem se auto-conhecesse. Eliade afirma que, “através da anamnesis historiográfica, o homem penetra profundamente em si mesmo” (Idem: ibidem). Salienta ainda que,



essa anamnesis prolonga, embora em outro plano, a valorização religiosa da memória e da recordação. Não se trata mais de mitos nem de exercícios religiosos. Mas subsiste um elemento comum: a importância da rememoração exata e total do passado. Rememoração dos eventos míticos, nas sociedades tradicionais; rememoração de tudo que se passou no Tempo histórico [...] a verdadeira anamnesis historiográfica também desemboca num Tempo primordial, em que os homens estabeleceram os seus comportamentos culturais, embora acreditando que esses comportamentos lhes foram revelados pelos Entes sobrenaturais (Eliade, 1991, p. 122).



Tomando a reflexão de Eliade como base, podemos dizer que a importância da memória reside tanto no conhecimento das civilizações que nos precederam e na origem de suas culturas e crenças, quanto na possibilidade de, por meio da memória, o homem vir a conhecer-se intimamente, ou seja, a possibilidade que a rememoração oferece ao indivíduo de descobrir sua essência.

A poesia de Adélia Maria Woellner apresenta o tema “memória” não apenas como um ato de rememoração, de recordação. Antes, a poeta utiliza-se deste tema para encontrar sua própria essência, tal como declara o sujeito lírico no poema “Memória atávica”: “Em algum lugar/ deste infinito mistério/ - que é meu ser -,/ a emoção primitiva/ brilha/ e reflete/ a memória de todas as eras. (WOELLNER, 1997, p. 63). Graças à memória primordial, no dizer de Eliade, seria possível ao poeta recuperar as realidades originais, realidades estas que teriam sido manifestas em tempos míticos do princípio e seriam a base do Mundo atual. No entanto, é justamente o fato de terem aparecido ab origine, que estas realidades não seriam perceptíveis na atualidade. Dessa forma, “conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. [...] aprende-se não somente como as coisas vieram à existência, mas também onde encontrá-las e como fazer com que reapareçam quando desaparecerem” (Eliade, 1991, p. 18).

Assim, o fazer poético de Adélia Maria manifesta-se como uma constante contemplação do universo - tanto da realidade que a circunda, quanto no passado, seja ele próximo ou infinitamente distante - sendo que por meio de sua contemplação busca decifrar a essência humana.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1991.

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.

WOELLNER, Adélia Maria. Avesso meu. Joinville, SC: Ipê, 1990.

__________. Infinito em mim. Curitiba, 1997.





* Trabalho publicado nos Anais do XVI CELLIP – Centro de Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná – Londrina – PR.

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