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cronicas-->LARANJAS... -- 14/04/2000 - 23:55 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(*)

Geraldo saiu de seus pensamentos que voavam, com o grito do feirante:
-- Moço! Moço! Esqueceu as laranjas!!!
-- Ah...sim...veja só...eu ia me esquecendo...Isso que é freguês bom! Compra, paga e não leva...
Naquele sábado estava mesmo com a cabeça no ar.
Pegou a bolsa por uma alça só e...prurururururuuu..
As 24 laranjas espalharam-se pelo asfalto, na rua onde se realizava a feira dos fins de semana em seu bairro.
A gentarada toda rindo...as coroas desviando os carrinhos, de cara feia. E veio um negão, gordão, tipo caixote de geladeira e póóóóóf!!! Esmagou uma laranja lima das graúdas.
Sentindo-se ridículo, abaixado daquele jeito, no meio das pessoas que passavam, juntava o que podia, as que não tinham rolado para debaixo das bancas.
--Putamerda!!! - pensava - A Regina vai ficar uma arara, se eu atrasar. Logo hoje que é sábado e ele quer ir ao cabeleireiro. Tó fuzilado...
Conseguiu recolher umas quinze, não mais. O suor escorria, pois o sol estava de rachar mamona. Já ia saindo em direção ao final da feira, quando viu uma laranja ainda ao alcance das mãos.
Tinha rolado para perto de um tabuleiro, quase embaixo,e estava ali, paradinha, colada ao salto alto de uma sandália vermelha, dessas de amarrar nos tornozelos, tipo grega, sabe como é?
Tão encostada a laranja naquele pé moreninho, que Gê não resistiu à tentação de tirar uma linha das pernas da dona da sandália vermelha, ao mesmo tempo em que dizia, meio que olhando para cima e para baixo, vesgo:
-- Com licença um pouquinho com seu pé, dona. Tenho que apanhar uma laranja aí...
A dona, dona das pernas bronzeadas, torneadas, que iam subindo até encontrar nas coxas, um vestidinho curto, de dar tonteira para quem se encontrava na posição do nosso amigo, agora bastante estratégica, não ouviu o sussuro do pedinte e póóóófff!!! Amassou a laranja número dezesseis, com a ponta do salto grosso, em pedaços.
O Gê;
-- Caramba! Hoje não é meu dia de sorte, mesmo.
A dona da sandália:
-- Puxa, meu senhor, desculpe! Não vi a laranja...
E, totalmente surpresa:
-- Geraldo!!! É você???
O dono das laranjas:
Marilíííce... Mas que surpresa gostosa, que coincidência!!!
Era ela mesma. A Marilice. Desquitada três anos depois de se casar com o filho de um fazendeiro rico lá da terrinha, no interior. Ela sumira. Um sumiço profundo, ela que fora a paixão de sua vida, seu tudo e acabou sendo a razão de ter ido embora da cidade, ter ido para a capital estudar engenharia. Marilice, a única mulher que tinha conseguido que ele, bom nas exatas, chegasse a fazer poesias de madrugada, até que razoáveis, mas que continham erros de português que o Professor Afonso, de gramática, costumava classificar, para seu ódio mortal, de CAVALARES!!!
Os comentários do professor a respeito de suas redações provocavam muita raiva, tinham mesmo gerado um trauma que comentava com seu colega de classe, o Marcelo, nos intervalos, embaixo de figueira grande de frente do Instituto de Educação:
-- Filho da puta, esse Afonso. Filho da puta, mesmo! De gramática ele entende, mas garanto que não sabe nada de mulher...O que vale é o conteúdo e não a forma das coisas, como dizia Platão (sic). Mas você vai ver! Vou casar com a Marilice e sumir para sempre desta cidadezinha de bosta. Pior que isto aqui é só mesmo isto aqui com chuva.
Vocês ainda vão ver quem vai ser o Geraldo Barbosa!
E cuspia com raiva, em cima de um formigueiro de formigas ruivas, para ver umas tantas coitadinhas afogarem-se na saliva, tanta raiva que ficava.
Bosta! Merda! Esse Afonso ainda vai me pagar!
Para a cidade grande ele foi, estudar, mas a Marilice terminou com o coitado, arrastada pela fortuna e pelo carrão "Studebaker" importado do fazendeiro. O Gê quase morreu.
Sobreviveu, casou também, tinha filhos e agora estava ele ali, e ela em carne e osso, diante dele, na feira do bairro, na capital, dez anos mais velhas, mas ainda linda, gostosa como nenhuma outra, melhor ainda...
Conseguiu vencer a costumeira timidez de engenheiro, como só conseguia fazer a Marilice mesmo:
-- Você continua a mesma...ainda mais linda!
Estava cor dos morangos da banca onde a Marilice se encontrava comprando frutas. Vermelhão como nos tempos do colégio, quando brigava na quadra de futebol de salão.
-- E você? O que está fazendo aqui na capital? Ah..(percebendo a sacola)... fazendo compras para a madame...
Continuava a mesma matreira e maliciosa de sempre. Safada!
--Nãão..não...quer dizer, sim.. é que a Regina não gosta de vir à feira...sou eu mesmo que venho. É que...
-- Ora, Gê...(sorria com aqueles dentes branquinhos, que tinham uma espécie de serrinha num deles, o de cima, da frente, que pareciam querer arranhar bem lá)... Não precisa explicar nada, que eu entendo... Fica frio, calmo. Mas faz tanto tempo que a gente não conversa...Olha, vamos até a padaria ali da esquina tomar um chopinho, que o sol tá de rachar.
Geraldo vacilou. Na padaria, na esquina, na mesma rua do apartamento da sogra! Lugar frequentadíssimo por todos do bairro, todo mundo ia ver e, apesar da cidade grande, alguém iria dedar. Ia dar rolo com a Regina, na certa!
Entretanto, antes que se esquivasse, em segundos, o sangue correu forte. Mais forte e vermelho ainda, como nos tempos em que tinha dezoito anos e havia brigado com o Chico Trabuco, no colégio, levando de lembrança imorredoura da cidade pequena, uma cicatriz na testa, agora completamete rubra.
-- Vamos...vamos lá. Você nem imagina como estou contente por encontrá-la de novo, Marilice. Incrível, mas você não mudou nada, menina. Como conseguiu manter a forma assim?
-- Vê quem está falando...O Gê...você que continua charmoso, com essa mecha branca aí...Puxa, mas quem diria que hoje iria encontrar na feira o meu ex-namorado.
Geraldo embaladíssimo, pegando-a pelo braço. Dane-se as fofoqueiras filhas da mãe!!!
-- Ex não! Ex-vírgula! Eterno namorado...
Foi por tudo isso e muito mais que o engenheiro Geraldo Barbosa, gerente de produção da Tecnengenharia do Brasil, próspera indústria da capital, somente chegou em casa, naquele dia, quando já estava anoitecendo. Na bolsa da feira, 15 laranjas e mais nada!
Enquanto isso, Regina já havia telefonado muitas vezes para diversos hospitais, para o IML, delegacias e apavorara as vizinhas do prédio e a mãe, porque o Gê nunca tinha se afastado mais do que dez quilómetros de seu raio de controle, que não fosse em sua companhia ou dela e da sogra dele.
Ela não conseguiu nem compreender direito a transformação da fisionomia dele. Era outro homem. Totalmente mudado.
Como se não tivesse morado ali mais de dez anos, alheio a tudo, entregou a cestinha à mulher aturdida, deu-lhe a chave do carro, a chave do apartamento,virou as costas, entrou no elevador, desceu para a calçada, virou a esquina e escafedeu-se para sempre.

(*) publicado originalmente no jornal O VALEPARAIBANO, em 24.11.1981

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP



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