"Para fazer o mal, o homem deve tê-lo anteriormente reconhecido como um bem ou como uma ação sensata, de acordo com a lei. Tal é, felizmente, a natureza do homem, ele deve buscar a justificação das suas ações.
As justificações de Macbeth eram débeis e os remorsos roíam-lhe a consciência. Mas Iago era um cordeiro (*). Se a fantasia e as forças interiores dos malfeitores shakesperianos se limitavam a uma dezena de cadáveres, era porque eles não tinham ideologia.
A ideologia! Ela fornece a desejada justificação para a maldade, para a firmeza necessária e constante do malfeitor. Ela constitui a teoria social que o ajuda, perante si mesmo e perante os outros, a desculpar os seus atos e a não escutar censuras nem maldições, mas sim elogios e testemunhos de respeito. Era assim que os inquisidores se apoiavam no cristianismo, os conquistadores no enfraquecimento da pátria, os colonizadores na civilização, os nazis na raça, os jacobinos (de ontem e de hoje) na igualdade, na fraternidade e na felicidade das gerações futuras.
Graças à ideologia, o século XX teve que suportar as malfeitorias de milhões. Isto não se pode negar, nem esconder, nem deixar passar em silêncio. Como nos atrevemos a insistir em que não existiam melfeitores? E quem aniquilou esses milhões? Sem malfeitores não teria havido o arquipélago".
(*) Em russo, iagnionok: cordeiro (N. do T.)
Alexandre Soljenítsin, in "Arquipélago Gulag", Difel, São Paulo, 1975, pg. 176.
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