"O poder é um veneno conhecido desde há milênios. Que nunca ninguém tivesse adquirido um poder material sobre outrem! Mas para quem tem fé em algo superior e tem por isso mesmo a consciência dos seus limites, o poder ainda não é mortal. Só para as pessoas com horizontes limitados é que o poder é um veneno cadavérico. De um contágio desses elas não têm salvação.
Recordam-se de que Tolstói escreve sobre o poder (*)? Ivan Ilitch exercia funções que lhe davam possibilidade de conduzir à ruína qualquer pessoa a quem quisesse destruir! Todas as pessoas, sem exceção, estavam nas suas mãos, e mesmo a mais importante podia ser considerada perante ele como acusada . (Sim, isto aplica-se aos nossos bonés-azuis! Nada há a acrescentar!) A consciência desse poder ( e a possibilidade de o suavizar - concede Tolstói, mas isto não se refere de nenhum modo aos nossos rapazes) constituía para ele o interesse e o atrativo principal das suas funções .
Que atrativo! Melhor se diria a embriaguez! Pois não é uma embriaguez! Você é ainda jovem, você que - diga-se entre parênteses - é quase um menino cheio de ranho; muito recentemente ainda os seus pais preocupavam-se com você, não sabiam onde colocá-lo, e lamentavam que você, tão cretino, não quisesse estudar; mas bastaram três curtos anos naquela escola e como você levantou vôo! Como mudou a sua situação na vida! Como mudaram os seus movimentos, o seu olhar e mesmo o seu voltar da cabeça! Está reunido em sessão o Conselho Científico do Instituto: você entra e todos notam, até estremecem; você não sobe para o lugar do presidente, isso compete ao reitor, mas senta-se a um lado e todos compreendem que você é o mais importante, que é você o chefe da seção especial. Pode ficar sentado cinco minutos e sair, essa é a sua superioridade sobre os professores, pois você pode ser necessário em outro local, para assuntos mais importantes. Mas depois, examinando as suas decisões, basta franzir o sobrolho (ou melhor ainda, os lábios) e dizer ao reitor: É impossível. Há considerações... E é tudo! Isso não se fará!"
(*) Cf. a novela "A morte de Ivan Ilitch" (N. do T.)
Alexandre Soljenítsin, in "Arquipélago Gulag", Difel, São Paulo, 1975, pg. 152-153.
Obs.: Os bonés-azuis são os nefandos comissários de instrução, que mandaram por volta de 60 milhões de pessoas para o Gulag (campos de trabalhos forçados, na Sibéria). E saber que Tarso Genro admirava Lênin, como afirmou em VEJA! E que Oscar Niemayer até hoje defende o comunismo - exemplo de um arquiteto gigante que se transformou em um anão político (F.M.).