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cronicas-->Oração (um pedido de desculpas a Deus) -- 24/12/2001 - 00:18 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Deus, me perdoe. Afastei-me de ti. Faz uns dez anos que não vou à missa. Fui a um culto presbiteriano no ano passado, mas não me concentrei. Estava lá mais como jornalista do que como fiel. Lembra que fiquei debochando do pastor que dizia que Você queria que as cadeiras do templo fossem confortáveis e não deselegantes como as que estavam lá? E que, por esta causa, ele pedia para as pessoas serem mais generosas no dízimo? É. Fui lá para fazer isso. Para comentar os desmandos do pregador. Não para rezar. Quer dizer, orar, que é o termo mais empregado entre os protestantes. Eu também quis protestar naquela noite, mas milha mulher não deixou.

Não sei se você se recorda de quando nosso relacionamento estremeceu. Foi em 1974. Em junho. Minha mãe ali esticada naquele caixão decorado com flores, meu pai tentando me explicar aos cinco anos de idade o significado da morte, minhas tias e meus tios, minha avó e meu avó discutindo quem ficaria comigo. Quem me criaria. Confesso que não foi ali que resolvi me afastar. Mas certamente foi naquele dia que, inconscientemente, minha cabeça bloqueou a religiosidade. Mesmo assim, sempre adorei a história de Cristo. Acho Ele o mais maneiro dos homens. Esse negócio de dar a outra face para quem te bate na cara, de proteger uma prostituta prestes a ser apedrejada, essa coisa de amar ao próximo como a si mesmo. É tudo muito lindo, é tudo muito sensato. Choro todas as vezes que assisto Ben Hur. Especialmente naquela passagem em que ele está sendo conduzido, como escravo, e se encontra com Jesus (ainda no tempo em que o cinema não se atrevia a mostrar o rosto dos atores que O interpretavam). Assistir às dezenas de fitas que falam sobre Ele também sempre me comove. Há uma - e sou péssimo para guardar nomes de diretores de cinema - que me tocou sensivelmente. Era um Jesus sorridente, engajado, mais humano do que aquele que o padre Cristopher - um irlandês radicado no Brasil há muitos anos - pintava quando da minha infància. Época em que ia às missas, lembra? Por falar em missa, fui a uma com a camisa do Corinthians e o padre Cristopher chamou minha atenção. Mas com bom humor. Acho que foi a única vez em que o vi bem humorado. É provável que ele fosse corintiano como eu. Isso não tem nada a ver, perdoe-me.

Na faculdade encontrei o que me faltava para rompermos. Nove em cada dez dos meus professores eram ateus. E alguns de seus argumentos eram realmente inquestionáveis. Rodolfo, um professor de Antropologia Cultural que afirmava ter se formado nos botecos em frente à PUC, dizia que era pura bobagem essa coisa de espírito materno. Que não passava de uma invenção criada pela sociedade. E que Deus era uma criação da mente humana medrosa. Parei de rezar a Ave Maria naquela época. Rodolfo me ensinou, todavia, que a farra do boi não era sinónimo de barbarismo, ao contrário da opinião que tinha a respeito. Era apenas uma expressão cultural, cultuada e cultivada na Espanha européia, por exemplo. Gostei desta lição. E de várias outras que o jovem mestre me passou. Pena ele ser ateu - eu acho.

Fui fugindo de ti como o Diabo da cruz! Nunca me conformei com o fato de você ficar me vigiando o tempo todo, invadindo meus sonhos, sabendo de tudo o que se passava comigo no banheiro quando eu era adolescente. E cada vez mais eu encontrava motivos para dar-te as costas. Furacões, guerras, fome, doenças, mortes indesejadas, finais de campeonato perdidas, desemprego, Maluf, Itamar... Considerava que essas coisas não eram corretas e que não podia existir um ser tão onipotente que permitisse tais aberrações. Em um ou outro momento, entretanto, eu recorria a Ti. Aquela dor de dente em novembro do ano passado, recorda-se? Pois é. Quando meu pai foi internado, quando o resultado do exame do pezinho do Lucas deu problema, quando meu amigo Hermes foi para a prisão, quando a Veja estampou em sua capa aquela mulher etíope segurando um bebê raquítico... Não sei por quê, mas tem horas que só penso em Você. Fico confuso com essa coisa de ser cristão católico não praticante. Ser não praticante é cómodo, eu sei. É como ser corintiano não praticante. Basta dizer que é corintiano e não torcer. Não ir aos estádios. Não se importar quando o time perde de cinco a zero do Palmeiras. É complicado. Além do mais, fico intrigado com o destino daqueles que nunca puderam ler a Bíblia e que serão castigados por isso. Imagine aquelas tribos perdidas na Amazónia e no coração africano? Sequer conhecem um aparelho de TV, jamais assistiram o Programa Silvio Santos e estão todos condenados ao fogo do inferno. Eu não entendo, Senhor. Não entendo.

Mas o principal motivo de eu estar escrevendo é outro, você sabe. Queria me reconciliar Contigo, e não sabia o que fazer. Pensei em comprar algumas cestas básicas e distribui-las na favela aqui perto de casa. Concluí que seria demagogia. Também quis sair pelas ruas pregando a sua palavra - mas há coisas no livro sagrado que não compreendo. Outras que não aceito. Eu queria ter conhecido todos os tradutores da Bíblia. De certo suprimiram algumas coisas e acrescentaram outras totalmente descartáveis. Desculpe, mas é assim que eu penso. Pode ser que esteja errado, mas todo mundo erra - Você sabe. Roberto Baggio errou um pênalti e entregou o tetra ao Brasil.

Aceite-me de volta. Não sei ao certo se serei uma boa ovelha, mas estou precisando de Ti. Não estou necessitando de muita coisa material. Minha mulher quer um DVD, mas acho que em março conseguirei comprar. Só que tenho sentido um aperto no peito, uma dor que não dói, uma sensação de que está faltando algo dentro de mim. E quando chega essa época pesa sobre mim uma responsabilidade imensa. Olho para os meus filhos e os vejo sorridentes, agitados, correndo pela casa e derrubando minhas coisas. Aí me lembro que não são todas as crianças que têm o que eles possuem. Inclusive saúde. Meu coração se comprime, me dá uma vontade de consertar o mundo e me sinto fraco. Aí lembro de Ti. E da tua presença nas horas de aperto. De quando um de seus anjos puxou meu braço quando eu tinha sete anos e quase caí de uma laje de uns quatro metros. De quando saiu o segundo resultado do exame do Lucas. De quando o Corinthians se sagrou campeão mundial em 2000. Daquela dor de dente que Você curou. De ter me dado a vida que, apesar dos pesares, é vida. Com dores, tristezas, arrependimentos, lágrimas, ódios e desastres. Mas com o sorriso do Lucas, da Roberta e de tantas outras crianças deste mundo que criastes. Estou precisando de Você."
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