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Contos-->O Fura-bolo -- 05/03/2002 - 23:18 (Alberto Nunes Lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A brincadeira consistia em tomando as mãos espalmadas começar a dar nome aos dedos: seu Mindinho, Anelar, Maior-de-todos, Fura-bolo e Cata-piolho... cadê o bolinho daqui? Feita a pequena pausa então respondia que o rato comeu e por esse motivo punha-se com o Maior-de-todos e o Fura-bolo, como se fosse o caçador de ratos, a percorrer o itinerário da busca, cuja direção dava a entender que ia para as bandas do sovaco. Assim os dedos começavam subindo lentamente pelo braço. Às vezes, no caminho, havia súbitas paradas que provocavam mais expectativa. Depois, ao chegar bem próximo do ponto imaginário, agilizavam-se os trejeitos promovendo cócegas e toda vez a gargalhada do filhote divertidamente se rompia.

Depois o filhote cresceu. E lá pelas tantas da vida, dos trinta aos quarenta anos, estava na hora de fazer o primeiro exame de próstata, conforme a recomendação médica. Antes disso, teve que enfrentar os riscos da juventude, e é claro, não podia ficar sem o batismo da gonorréia transmitida por uma namorada de prostituição conhecida como giquitáia. Por fim, na trajetória da história, na intimidade política da opressão, tornou-se um delator. E, finalmente, depois, surgiu o comercial do número um, ficando numericamente absorvido pelo anonimato numeral e, também, vivendo pelas sombras com medo do ajuste de contas, o tanto que de perseguição, mentira e maldade, cometera, com o passar daqueles anos.

Você pode até imaginar quem seja o filhote. Aconteceu muito antes de inventarem a aids. O filhote que sempre tivera o privilégio de ser bem alimentado ostentava um corpo atlético, hoje como se diz, malhado, dentes límpidos. Por causa de tão boa aparência não chegava a transparecer que estivesse sofrendo com os ardumes durante a micção, nem a namorada desconfiava. Tão somente depois de a doença ir e voltar umas três vezes viu-se obrigado a tomar doses reforçadas de antibiótico. Por este motivo verificou-se uma certa palidez no seu rosto. Mesmo assim, como ele era claro, a palidez decorrente da anemia se confundia com a brancura de sua tez.

De outra maneira, poderia correr o risco de seus dedinhos entrarem em contato com a bactéria no momento de sacudir os últimos pingos da doida micção e, depois, sem lavar a mão viesse a acariciar o rosto da namorada familiar a ponto de tocar-lhe os olhos, que perigo! Mesmo assim, o risco ficou tão somente no risco. E a paixão, com diz o ditado popular, continua cega.

Em realidade, a história de vida do filhote é igual à de outros filhotes, mesmo porque na cidade em que tudo flutuava o destino não poderia ser diferente. Deste modo, o principal personagem continuará sendo o Fura-bolo.

Por esta razão é preciso relembrar que nos casarões antigos, preservados desde o tempo áureo da borracha, havia na sala de jantar o local predileto para se guardar as guloseimas. Tratava-se de um móvel transparente de tanto que em vidro e espelho era adornado. Afinal, era conhecido como a petisqueira. A definição do dicionário não traz nenhuma emoção, dizendo apenas de sua finalidade, qual seja, a de guardar comida. Porém, a petisqueira representava muito mais, representava a gula e a cobiça. Motivado pela gula ou pela cobiça você iria até a sua presença. O que é detalhe, você violaria sua integridade física, porque as petisqueiras costumam possuir chave e ficam com a porta trancada, principalmente quando estão abrigando uma iguaria que somente deverá ser servida na exata hora do almoço ou do jantar. E a iguaria, dentre as iguarias, quase sempre é o bolo. O bolo com amêndoas, um bolo em caldas, misturas de chocolate, caramelos, cremes, ameixas, coberturas e decorações.

Daí, sob o impulso da violenta gulodice, pé ante o pé, para que ninguém flagrasse nem impedisse a consumação do fato, você dirigia-se até a porta da petisqueira, forçava até abri-la, avançava sobre o bolo de chocolate fresco e, então, enterrava o dedo na fina e macia camada; incontinenti, de volta, enterrava-o na boca e o lambia, chupava, demorando-se com o mesmo dentro dela, até que fosse assaltado pelo pressentimento de que alguém poderia aparecer. Que loucura! Jamais seria esquecido tal momento envolto em violenta emoção. Enfim, o Fura-bolo estava seco pelo contato com o vento, apenas o aroma permanecia no céu da boca fazendo você pensar que no dedo ainda restava alguma sobra, por menor que fosse, do paladar do bolo. Este entendimento fazia com que se ficasse em dúvida, não conseguindo discernir se era o aroma que excitava o paladar ou era o paladar que disseminava o aroma. Por certo estava envolto em um momento no qual podia sonhar, simplesmente sonhar. E assim o fazia comprimindo as pálpebras para que nenhum detalhe do sonho escapasse. Depois, ouvia as reclamações sobre a famigerada violação. Hum!!!

Esses tempos bons se passaram. Mais tarde reaparece o Fura-bolo, com que, muito embora continuasse conhecido pelo mesmo nome de batismo, porém suas aventuras seriam outras.





Chegara a vez da massagem na próstata. O antibiótico não estava mais fazendo efeito. A massagem tinha por finalidade, como dizia o antigo enfermeiro com as pálpebras do olho tremendo, desfazer os calos produzidos pela gonorréia. Correta ou não a informação, um batalhão de jovens encaminhava-se para o tratamento, um a um, todos os dias. Em seus olhares, depois da sessão, havia um relampejo psicológico do tipo: você deixa enterrar o Fura-bolo no teu ânus e fazer a massagem ou cairá o pênis e acabará morrendo.

As circunstâncias do que se passou por volta dos quinze anos e a que tinha se passado entre os trinta e quarenta anos eram similares, porque através da explicação enfática do padrão de saúde oficial mantinha-se evidente o medo da morte, a castração, ou seja, a situação se tornaria tão crítica, os estragos provocados seriam tão grandes, que o mínimo que ocorreria seria a amputação do órgão sexual masculino.

Acho que ninguém quer acreditar que ter medo da morte seja uma espécie de sonho. Se alguém sonhava não era o filhote quando ainda jovem, até poderia ser o enfermeiro e o médico que aplicavam nos outros, com satisfação, esse tipo de tratamento.

Ainda assim, as coisas com o passar do tempo mudaram. Mudaram para melhor ou pior? Hoje, cujos acontecimentos já se passaram, faz com que a dúvida tenha perdido sua força e abra a porta do seu esconderijo. E como está se vendo as coisas naquela época tinham mudado para pior.

Tudo tinha começado pela disputa para saber qual era o maior de todos. Aqui é preciso prestar bem atenção... Maior de todos pode ser o cognome do dedo da brincadeira, o que não é o caso. Maior de todos, de outra maneira, era uma disputa chamada “guerra fria” que embora fosse chamada assim por ironia, fora neste período que inventaram as novas bombas de hidrogênio e outros tipos espetaculares, as quais alcançavam elevadas temperaturas provocando o derretimento de tudo ao derredor de quilômetros e quilômetros de distância. Desse jeito nenhuma guerra pode ser fria! Mas, eles lá e nos aqui. A fria que nos entramos foi a que eles plantaram no miolo dos militares fazendo com que todos os civis estivessem sob suspeita de serem comunistas e por conta do risco esses apanharam bastante, perderam a dignidade de ser humano e com a mais óbvia das decorrências houve muitas mortes.

É ai que entra o Fura-bolo no papel de agente informante conhecido como Dedo-duro. O que ele fazia? Vivia infiltrado no meio da população civil, até nos times de futebol da pelada de rua ou do bairro, lá ele estava de orelhas levantadas querendo ouvir qualquer expressão que pudesse transformar o indivíduo em comunista militante. Às vezes, como ninguém dava bola para o comunismo, o Dedo-duro inventava coisas e corria para informar aos generais nos quartéis. Vinham as tropas e batiam nos civis, quebravam as costelas das pessoas, a cara, as pernas de mais um interrogado e torturado, tudo em nome da revolução.

O Fura-bolo das gracinhas, do riso, do sonho era agora o Dedo-duro das prisões, do ódio e violência. Ainda hoje alguns remanescentes andam por ai com o ar de dupla cara, uma com o disfarce de gente comum, um cidadão qualquer, reclamando dos preços altos ao caixa do supermercado. Mas não se iluda, o Dedo-duro também tem filhotes que continuam freqüentando a mesma escola superior, treinando novas formas de tortura; esta é a outra cara que não consegue ser disfarçada e por isso, a esta altura, apenas está escondida. O que não se deve esquecer é que o Dedo-duro continua apontando em riste.

Por fim, se infiltraram nos bares. E assim aproveitaram da conversa inconseqüente dos bêbados para fazerem da “guerra fria” uma outra guerra gelada.

Um bêbado do extinto partidão perguntava ao outro do partido mais fino qual era o dedo com o qual se fazia o exame de próstata, conhecido como toque. O colega respondeu que era com o dedo indicador, o outro contradisse que era com o dedo maior de todos. A terceira resposta zombou com todas as outras, ao assegurar em trocadilho que o toque era feito com o dedo duro. Após a pausa para tantas ébrias gargalhadas concluíram que só assim era possível gozar da cara do Dedo-duro, agora que o comunismo tinha acabado e os Estados Unidos se tornara o Maior de todos encerrando a conta da subvenção da revolução. O fim do Dedo-duro teria sido o buraco da merda, riam a valer.

Porém, no comercial, apareceria o indicador como sendo a de número um. Essas passagens fazem lembrar como se fora mais uma composição, letra e música, do samba do crioulo doido. Mas, aceitar esse rótulo não é o suficiente para alcançar a extensão maior do que significa para o inconsciente coletivo a tamanha metamorfose.

Ao mesmo tempo em que também limita o grau de abstração para que cada um possa emocionar-se de maneira a melhorar o padrão de saúde. Uma vez esclarecido que o stress é contextual à emoção, a uma emoção às avessas, e não apenas uma questão do padrão da medicina oficial.

Quem é capaz de conviver com todos esses recortes da cultura popular em pouco espaço de tempo, exclama-se.

Ontem se furava o bolo que estava dentro da petisqueira, se sonhava porque a emoção mais forte, mesmo em casos de diabete, permitia ser seu próprio eu contrito, por uma coisa tão simples, é claro. Complexa, blasfemam os generalistas, é a vida. Mas, a vida de cada um, á aquela altura, podia ser levada a sério com bem mais simplicidade.

Depois, circunstâncias de um certo positivismo imposto por interesses, excessivamente lucrativos, a emoção foi abocanhada pela indústria médico-farmacêutica; e no homem, como se não bastasse sua crescente revelação pederasta, depois de muita lavagem com mangueira, regador e bico, resolveram por dedicação profissional introduzir o dedo fura-bolo, e há aqueles que prefeririam o maior-de-todos.

Hoje são inúmeros os pacientes do urologista conhecidos como “as viúvas do Dr. Pinto”, porque só tem direito de fazer a revisão da próstata uma vez por ano, na base de seis em seis meses, sem que o detalhe chame a atenção; desde modo eles têm o resto do ano para enviuvar. E esperar pacientemente como as mulheres gregas da canção popular do Chico.

A gonorréia do começo do século XX não é a mesma que a do dia de hoje. A de hoje, trata-se de uma gonorréia recheada pelos ingredientes dos antibióticos. Não se cura mais, com sofreguidão, com uma certa dosagem de sonho e esperança de, o enfermeiro que piscava e tremia o olho e aplicava o tratamento na juventude, pudesse enfim concluir que o caso tinha cura, que tinha conseguido desfazer o calo gonocócico da superfície da próstata através de massagens com o fura-bolo; enfim, que o pênis não ia cair.

A revisão da próstata leva em conta desde logo o risco de manifestação da doença maligna, pelo que é preciso detectar a sua manifestação inicial. Nesta contingência há aqueles para quem ter medo também é sonhar. Mesmo assim ninguém se declara satisfeito que sonhou com seu câncer. Por esta razão, pouquíssimos se atrevem a viver no urologista para ter o prazer de sonhar. Quando se submetem, na oportunidade, já não conseguem sonhar que estão bem de saúde; que podem ser, ainda, masculinos no pensar e no agir, naquela hora e mesmo depois do exame; já não conseguem perder o medo e ser feliz.

Se toda doença tivesse em seu componente o stress, o câncer seria a de maior percentual de incidência. Assim, fazer exame periódico de próstata acaba sendo uma via crucis para quem a vida deveria ser encarada com simplicidade.

A coisa começou com a descrição da brincadeira e agora está perdendo a sua ingenuidade. A ciência política criada pelos nossos avós nos transformou, da mesma forma como fizera com o Fura-bolo, em biodegradáveis, recicláveis, reafirmando a idéia de utilidade da utilidade.

O Fura-bolo pode servir de símbolo para muitas coisas. Acontece que a leitura de nossos inconscientes sobre esses significados cobra um preço e nos submete ao capricho da vontade. Não satisfazendo o capricho ocorre o trauma.

O número um significando como o preferido, o mais solicitado. Com ou sem numeral arábico, o dedo vai à boca com a mesma serventia com que se introduz no final do reto. Seja lá qual for o motivo, o concorrente só vê uma saída, qual seja, a de levar em conta não o detalhe daquilo que entra, mas a forma arredondada por onde desce e sai. Trata-se da idéia de polaridade complementar.

Quem leva a vantagem comercial em vender mais se é o fura-bolo em pé, no papel de número um, o fura-bolo vertical no papel de dedo-duro da revolução de quartel ou a rodela, não vale a pena escolher um outro final, tudo isso desaparece da tela da tv como num passe de mágica, porém fica no inconsciente de cada um entusiasmando outras goladas da guerra fria.

Então, o próximo apelo da cerveja concorrente é o corpo de uma mulher escultural que possa sugerir o perfil de uma garrafa ou vice-versa. E com ela o comentário: consciente ou inconscientemente esse negócio duro, apontado para cima, acompanhado de uma rodela sempre macia, reflete uma relação discursiva de pederastas. A coisa não é assim...

Foi preciso mais uma vez colocar o símbolo sexual da mulher linda e gostosa para redirecionar o rumo. Beber os teores de álcool e cevada sempre foi idéia sinônima de machão. Tudo isso parece mentalidade de um país as vésperas de ser dolarizado e tragado pelo mercado comum americano. E, neste aspecto, o acordo é de três por um. Assim, o número um também aparece no papel da nota de dólar. Três para valer por um, ao invés de um por um, por que?

A quantia três corresponde a: um – igual a um, quando há a possibilidade de lucrar dois; um – como forma de recompensa, pois ninguém dolariza dinheiro vagabundo ou pobreza, dá no mesmo, pelo simples fato de ser o amado país do sangue, suor e cerveja. Hoje acrescido de dengue, bala perdida e corrupção. Finalmente, mais um – que é a vantagem daquele que impõem as ordens no mercado.



Além do que, ninguém mais ouve falar daquele algo mais prometido pela revendedora de petróleo, hoje também globalizada, quando Los irmanos nanicos do extremo Sul, no dia a dia, estão trocando quatro pesos por um dólar, sob a constante ameaça do Fundo Monetário Internacional de conceder ou não empréstimo, que é uma gerência exclusiva para países emergentes, pobres, subdesenvolvidos. Trata-se da continuidade da política do clientelismo direcionada às antigas, renovadas, e disponíveis colônias do imperialismo do titio Sam, principalmente os países da América Central e do Sul, dentre eles o Brazil com z.

O número um é o dólar, moeda cujo lastro de valorização cambial é feito à custa de traumatizantes experiências vivenciadas no cotidiano de um povo com a costela de fora. Alimentado por uma indústria com base em colesterol, o mais maligno possível. Ainda porque nesse mesmo destino, a geração presente e vindoura escorre de suas veias cathchup, não mais sangue, e assim estão apodrecendo com mais facilidade, a partir do catálogo oficial das doenças, no qual o câncer é a coqueluche. Mesmo assim, antes de morrerem conseguem assistir os comerciais da televisão, com pequenas sacolas empacotadas de sabor artificial, transgênico, diga-se de passagem: é possível também comer o saco, aproveitando a embalagem.

Ora, quando aperta a gulodice o titio acaba indo até a petisqueira do Brazil com z e mete o fura-bolo; se estiver trancado com a pequena chave ele vai lá e arromba; depois, com calma, hum!... enterra o dedo na boca. Ele arromba com a ajuda dos exércitos que compra.



Petisqueira arrombada pode até mesmo ser apelidada de democracia. Uma estranha democracia na qual convive no mesmo cenário a explosão de aviões arremetidos contra torres gêmeas, como se fosse filme de ficção científica, com o título “Fim do Amanhã”, bem ao gosto de Hollywood através de efeitos especiais computadorizados.



O diabo que não deveria entrar nesta história sempre aparece barbado: Fidel Castro, Bin Laden e Lula, para citar os mais conhecidos. Poucos reconhecem o anjo, o novo anjo da guarda. Eis ai, apanhado dando uma voltinha...



A sensação que ele nos tramite, desculpem minha intromissão em assunto espacial, é a de que estaremos em breve livres, leves e soltos. A impressão é boa, dessas que as campanhas publicitárias sempre conseguem com otimismo. Porém, a minha opinião não é a única! Alguns sustentam que ele está vigiando Los irmanos do mercado comum americano. Nesta atitude muitos foram os que o reconheceram como “O dedo-duro do futuro”.

Porém, não só de futuro vive o Dedo-duro. No passado, um passado não muito remoto, o Dedo-duro oferecia o dedo ao papagaio-loro... dá o pé loro!...oferecia o dedo duro em troca do pé da ave... dá o pé loro! E a ave após estudar a situação ia ou não se empoleirar naquele local. Quando não aceitava aquele tipo de apelo agressivamente bicava.



Já que estamos diante do cenário bucólico, melhor se fará aproveitando para explicar a intromissão da formiga. A formiga que tem nome e apelido, alma e cupido.

O filhote nunca foi exemplo de bom comportamento nos assuntos de família. Todo mundo sabe disso! As tias dele sabiam que quando ele era mais novo só vivia assaltando a petisqueira. Às vezes ia lá na calada da noite. Quando menos, aproveitava qualquer descuido das tias que lhe pastoreavam dentro de casa e certeiro enfiava o dedo no bolo. Parece que andaram desconfiando do seu comportamento, seria no caso, a manifestação de alguma tara sexual? O tempo diria alguma coisa.

Pois foi ele mesmo quem num certo dia reclamou dizendo que as histórias da sua casa somente giravam em torno do fura-bolo e o maior-de-todos. Afinal, resmungava, os outros também não são gentes – ele queria dizer: não são dedos da mão? Qual o motivo que faz com que eles permaneçam no anonimato, punha-se a perguntar do pai, da avó, das tias, e assim ia estalando os dedos, cujo barulho troc... troc...troc... mexia com os nervos do pessoal. Não faltava alguém para censura-lo, mesmo assim não adiantava muito. Um belo dia os familiares ficaram sabendo que ele tinha começado a namorar.

Tudo poderia ser normal, se os de casa não percebessem que ele estava emagrecendo vertiginosamente, até que chegasse a ponto de ser apenas uma camisa “volta ao mundo” pendurado em um cabo de vassoura. “Camisa volta ao mundo” foi uma das primeiras camisas sintéticas, de mangas compridas, que apareceram por aqui por volta de 1960. Era leve, meio transparente, e prometia que teria uma duração prolongada. Desta forma o filhote ficava sob a suspeita de que, qualquer que fosse sua paixão estava lhe consumindo. Todos começaram a lhe dar conselhos: não beba muito; não chegue demasiado tarde em casa; descanse; não viva na rua e procure ficar dentro de casa; e outros tantos conselhos que ele nunca se lembrava.

Os dias se passaram e ele continuava com a mesma aparência. Até que contaram para uma das tias dele, que o filhote estava amigado, mas o pessoal de casa não acreditou. Contudo este fato significava muitas coisas, primeiro que ele estava tendo a experiência de macho, segundo não sabia quase nada sobre a subjetividade feminina, e por fim seria uma vítima em potencial da volúpia da paixão. Uma das tias, bem mais calculista dentre elas, dizia que rapaz depois que sente o cheiro e gosta não quer mais largar. E se não tomar cuidado acaba abandonando os estudos.



Essa mesma advertiu que ele tivesse cuidado para não casar cedo. Mas, todos em sua volta, os de dentro de casa, estavam enganados sobre os acontecimentos. O filhote conseguira uma namorada, sim. Porém, não se tratava de namorada familiar. Era uma namorada nova e diferente, com um pouco mais idade do que ele, a qual fazia programa de atendimento sexual. Bastante solicitada por aqueles que viam nela a beleza da juventude, aquela fase de transição entre menina e mulher, conquanto os seus carinhos por esta razão eram relativamente caros. Mas o filhote foi o escolhido. Ela daria tudo a ele, se ele quisesse, nunca precisou pagar nada e além do mais ainda ganhava presente.

Quanto aos prazeres do corpo estes nem precisava o filhote insinuar, era ela quem vivia em cima dele seduzindo-o com todos os tipos de carinhos imagináveis. E mesmo assim ela ainda conseguia tempo para atender a sua polpuda clientela.

Foi nesta circunstância de estar amasiado morando com uma mulher de programa, a qual havia alugado um quarto de bordel para os dois, que então o filhote apareceu com a maldita gonorréia às vésperas de completar seus dezessete anos. A garota não era do tipo avantajado, era muito mais do tipo pequena notável, embora fosse uma escultura a véspera da perfeição da beleza do olhar, dos cabelos, o sorriso e o que contava ainda mais o seu afinado humor.



Esses predicados pouco ou quase nada representavam na sua avaliação sobre a garota, mesmo porque sendo uma manifestação instintiva apenas realçava aos seus olhos a beleza do corpo, a cintura, a bunda cheia, as coxas grossas, o andar de uma cobiçada caça.

Foi essa mesma, pequena notável, que um pouco mais tarde depois de ter aparecido nas vizinhanças de onde morava o filhote, recebeu o apelido de giquitáia. Significava, logo no início do entendimento, que se tratava de um inesquecível prazer mesmo que ela fosse de porte pequeno, imaginada comparativamente igual a uma formiga.

Depois de uns seis meses mais ou menos de convivência com o filhote, ele tomou a iniciativa de querer deixa-la. Não foi fácil! Ela o dominava pela satisfação do prazer sexual. Como diziam os amigos, comparando-a a formiga giquitáia, uma ferrada com ela era inesquecível.

É desta maneira que acontece com a verdadeira formiga, é a menor de todas as formigas, mesmo assim sua ferrada dói por muito tempo sob o efeito do líquido venenoso que suas garras injetam e que se espalha pelo corpo ao derredor da ferrada.

Puro prazer... apesar de nova, rapidamente aprendeu com os mais velhos de sua clientela os recursos que permitiam fazer inovações. Em cada caso, entenda-se, era como fazer a coisa diferente, uma prática sexual para além da bitolada imaginação familiar de procriação. Por isso, nenhum deles poderia lhe esquecer tão facilmente.








Houve, pois, nesse roteiro, o momento oportuno para a declaração de amor. Uma declaração de amor, espontânea, que servisse para emprestar à vida o feitio de sua singularidade. Nada é tão promíscuo ou vazio. Qualquer caminhada carrega na mochila a bagagem do sentimento, mesmo que seja um estranho sentimento.

As passagens encerradas na alcova das intimidades, como se dizia antigamente, permanecem. Muito embora, como se vê em cada caso concreto, haja a necessidade de mantê-la em silhuetas apenas, como se o mistério da intimidade necessitasse de preservação, em busca da melhor qualidade de vida tendo o sonho como referência.

Então, não se revela a intimidade sem usurpar o direito de sonhar. Apenas concebível em assim faze-lo quando algo mais for acrescentado à imagem dos fatos. Assim sendo, o filhote sexualmente mal acostumado com os carinhos de sua experiente namorada não familiar, talvez tivesse confidenciado a algum amigo os detalhes desses bons tratos. Quais foram esses detalhes?



Façamos um esforço de imaginação tentando adivinhar o que teria acontecido. Sim, variadas foram as posições preferidas. Porém, uma delas, tinha a ver com o Fura-bolo. E neste caso a novidade mesmo era por conta do inusitado. A namorada tinhas as unhas bem-feitas, estavam sempre pintadas e sem cutículas, os dedos finos e bem roliços. O fura-bolo da namorada dele era um lindo exemplar com todos esses detalhes.

Um certo dia a micção ardeu, ele não deu muita importância. Na manhã do dia seguinte havia bastante secreção, ele apavorou-se e foi buscar amparo com os amigos, já que as suas tias em casa seriam capazes de desmaiar se soubessem daquela tragédia.

O remédio era uma injeção à base de penicilina. Doses maciças, como se fosse um bombardeamento da II Guerra Mundial, era no que consistia o tratamento. O pior de tudo aparecia com a dor que a aplicação provocava. Os machões chegavam a lacrimejar falando fino e implorando que o enfermeiro parasse com a aplicação. Quando o braço já não agüentava mais as picadas, muitos preferiam que fosse aplicada na região glútea. Doía!











O Fura-bolo


A brincadeira consistia em tomando as mãos espalmadas começar a dar nome aos dedos: seu Mindinho, Anelar, Maior-de-todos, Fura-bolo e Cata-piolho... cadê o bolinho daqui? Feita a pequena pausava então respondia que o rato comeu e por esse motivo punha-se com o Maior-de-todos e o Fura-bolo, como se fosse o caçador de ratos, a percorrer o itinerário da busca, cuja direção dava a entender que ia para as bandas do sovaco. Assim os dedos começavam subindo lentamente pelo braço. As vezes, no caminho, havia súbitas paradas que provocavam expectativa. Depois, ao chegar bem próximo do ponto imaginário, agilizavam-se os trejeitos promovendo cócegas e a gargalhada do filhote divertidamente se rompia.

Depois o filhote cresceu. E lá pelas tantas da vida, dos trinta aos quarenta anos, estava na hora de fazer o primeiro exame de próstata. Antes disso, teve que enfrentar os riscos da juventude, e é claro, não podia ficar sem o batismo da gonorréia transmitida por uma tal senhorita Giquitáia. Por fim na intimidade política tornou-se um delator. E depois veio o comercial do número um, numericamente absorvido no anonimato.

Você pode até imaginar quem seja o filhote. Assim acontecia muito antes de inventarem a aids. O filhote que sempre tivera o privilégio de ser bem alimentado ostentava um corpo atlético, hoje como se diz, malhado, dentes límpidos. Por causa de tão boa aparência não chegava a transparecer que estivesse sofrendo com os ardumes durante a micção, nem a namorada desconfiava. Tão somente depois de a doença ir e voltar umas três vezes viu-se obrigado a tomar doses reforçadas de antibiótico. Por este motivo verificou-se uma certa palidez no seu rosto. Mesmo assim, como ele era claro, a palidez decorrente da anemia se confundia com a brancura de sua tez.

De outra maneira, poderia correr o risco de seus dedinhos entrarem em contato com a bactéria no momento de sacudir os últimos pingos da doida micção e, depois, sem lavar a mão viesse a acariciar o rosto da namorada familiar a ponto de tocar-lhe os olhos, que perigo! Mesmo assim, o risco ficou tão somente no risco. E a paixão, com diz o ditado popular, continua cega.

Em realidade, a história de vida do filhote é igual à de outros filhotes, mesmo porque na cidade em que tudo flutuava o destino não poderia ser diferente. Deste modo, o principal personagem continuará sendo o Fura-bolo.

Relembrar que nos casarões antigos preservados desde o tempo áureo da borracha havia na sala de jantar o local predileto para se guardar as guloseimas. Tratava-se de um móvel transparente de tanto que em vidro e espelho era adornado. Afinal, era conhecido como o petisqueiro. A definição do dicionário não traz nenhuma emoção, dizendo apenas de sua finalidade, qual seja, a de guardar comida. Porém, o petisqueiro representava muito mais, representava a gula e a cobiça. Motivado pela gula ou pela cobiça você iria até a sua presença. O que é detalhe, você violaria sua integridade física porque os petisqueiros costumam possuir chave e ficam com a porta trancada, principalmente quando estão abrigando uma iguaria que somente deverá ser servida na exata hora do almoço ou do jantar. E a iguaria, dentre as iguarias, quase sempre é o bolo. O bolo com amêndoas, um bolo em caldas, misturas de chocolate, caramelos, cremes, ameixas, coberturas e decorações.
Daí, sob o impulso da violenta gulodice, pé ante o pé, para que ninguém flagrasse nem impedisse a consumação do fato, você dirigia-se até a porta do petisqueiro, forçava até abri-la, avançava sobre o bolo de chocolate fresco e, então, enterrava o dedo na fina e macia camada; incontinenti, de volta, enterrava-o na boca e o lambia, chupava, demorando-se com o mesmo dentro dela, até que fosse assaltado pelo pressentimento de que alguém poderia aparecer. Que loucura! Jamais seria esquecido tal momento envolto em violenta emoção. Enfim, o Fura-bolo estava seco pelo contato com o vento, apenas o aroma permanecia no céu da boca fazendo você pensar que no dedo ainda restava alguma sobra, por menor que fosse, do paladar do bolo. Este entendimento fazia com que ficasse em dúvida não conseguindo discernir se era o aroma que excitava o paladar ou era o paladar que disseminava o aroma. Por certo estava envolto em um momento no qual podia sonhar, simplesmente sonhar. E assim o fazia comprimindo as pálpebras para que nenhum detalhe do sonho escapasse. Depois ouvia as reclamações sobre a famigerada violação.

Esses tempos bons se passaram. Mais tarde reaparece o Fura-bolo, com que, muito embora continuasse conhecido pelo mesmo nome de batismo, porém suas aventuras seriam outras.

Chegara a vez da massagem na próstata. O antibiótico não estava mais fazendo efeito. A massagem tinha por finalidade, como dizia o antigo enfermeiro com as pálpebras do olho tremendo, desfazer os calos produzidos pela gonorréia. Correta ou não a informação, um batalhão de jovens encaminhava-se para o tratamento, uma a um, todos os dias. Em seus olhares, depois da sessão, havia um relampejo psicológico do tipo: você deixa enterrar o Fura-bolo no teu ânus e fazer a massagem ou cairá o pênis e acabará morrendo.

As circunstâncias do que se passou por volta dos quinze anos e a que tinha se passado entre os trinta e quarenta anos eram similares, porque através da explicação enfática do padrão de saúde oficial mantinha-se evidente o medo da morte, a castração, ou seja, a situação se tornaria tão crítica, os estragos provocados seriam tão grandes, que o mínimo que ocorreria seria a amputação do órgão sexual masculino.

Acho que ninguém quer acreditar que ter medo da morte seja uma espécie de sonho. Se alguém sonhava não era o filhote quando ainda jovem, até poderia ser o enfermeiro e o médico que aplicavam nos outros, com satisfação, esse tipo de tratamento.

Ainda assim, as coisas com o passar do tempo mudaram. Mudaram para melhor ou pior? Hoje, cujos acontecimentos já se passaram, faz com que a dúvida tenha perdido sua força e abra a porta do seu esconderijo. E como está se vendo as coisas naquela época tinham mudado para pior.

Tudo tinha começado pela disputa para saber qual era o maior de todos. Aqui é preciso prestar bem atenção... Maior de todos pode ser o cognome do dedo da brincadeira, o que não é o caso. Maior de todos, de outra maneira, era uma disputa chamada “guerra fria” que embora fosse chamada assim por ironia, fora neste período que inventaram as novas bombas de hidrogênio e outros tipos espetaculares, as quais alcançavam elevadas temperaturas provocando o derretimento de tudo ao derredor de quilômetros e quilômetros de distância. Desse jeito nenhuma guerra pode ser fria! Mas, eles lá e nos aqui. A fria que nos entramos foi a que eles plantaram no miolo dos militares fazendo com que todos os civis estivessem sob suspeita de serem comunistas e por conta do risco esses apanharam bastante, perderam a dignidade de ser humano e com o mais óbvio das decorrências houve muitas mortes.

É ai que entra o Fura-bolo como agente informante conhecido como Dedo-duro. O que ele fazia? Vivia infiltrado no meio da população civil, até nos times de futebol da pelada de rua ou do bairro, lá eles estavam de orelhas levantadas querendo ouvir qualquer expressão que pudesse transformar o indivíduo em comunista militante. As vezes, como ninguém dava bola para o comunismo, os Dedo-duro inventavam coisas e corriam para informar aos generais nos quartéis. Vinham as tropas e quebravam as costelas, a cara, as pernas de mais um, em nome da revolução.

O Fura-bolo das gracinhas, do riso, do sonho era agora o Dedo-duro das prisões, do ódio e violência. Ainda hoje alguns remanescentes andam por ai com o ar de dupla cara, uma com o disfarce de gente comum, um cidadão qualquer, reclamando dos preços altos ao caixa do supermercado. Mas não se iluda, o Dedo-duro também tem filhotes que continuam freqüentando a mesma escola superior, treinando novas formas de tortura, esta é a outra cara que não consegue ser disfarçada e por isso, nesta altura, apenas está escondida. O Dedo-duro continua apontando em riste...

Por fim, estavam infiltrados nos bares. E assim aproveitaram da conversa inconseqüente dos bêbados para fazerem da “guerra fria” uma outra guerra gelada.

Um bêbado do extinto partidão perguntava ao outro do partido mais fino qual era o dedo com o qual se fazia o exame de próstata, conhecido como toque. O colega respondeu que era com o dedo indicador, o outro contradisse que era com o dedo maior de todos. A terceira resposta zombou com todas as outras, ao assegurar em trocadilho que o toque era feito com o dedo duro. Após a pausa para tantas ébrias gargalhadas concluíram que só assim era possível gozar da cara do Dedo-duro, agora que o comunismo tinha acabado e os Estados Unidos se tornara o Maior de todos encerrando a conta da subvenção da revolução. O fim do Dedo-duro teria sido o buraco da merda.

Porém, no comercial, apareceria o indicador como sendo a de número um.




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