Este texto é fictício, pois trata de um aconteciemnto antigo e com algumas variações. Trata da arte, da Itália, da França.
Cheguei em Viena ontem cedo. Passei o dia andando de bicicleta no Prater, visitando edifícios célebres, provando vinho na adega de Rathauskeller e comprei um ótimo aguardente nativo, além de tabaco para o cachimbo. À tardinha passei em Sterngasse, no bairro judaico, próximo de onde estou hospedado, e encontrei um hóspede da mesma pousada em que estou. Dmitri é russo, mas fala inglês e conversamos nesta língua. Nos encontramos num boteco vienense onde mercadores, funcionários públicos, artistas, intelectuais e pessoas excêntricas tomavam cerveja Gösser e chá, ouvindo uma banda folclórica bem ruim. Numa sala ao lado jogavam bilhar. Dmitri tinha à sua frente uma garrafa de vinho branco – em Viena a maioria dos vinhos são brancos – e eu sentei em sua mesa, sabendo que no final iria dividir a conta. Ele estava em companhia de dois músicos ambulantes, um violinista e uma cantora com chapéu tirolês bastante enfeitado. Pedi uma salsicha do tipo frankfurter mit Senf com chucrute. Dmitri mandou interromper a música de má qualidade, deu uma cédula aos músicos amadores e discutimos sobre arte.
Conversamos sobre a Itália, que ele conhecia melhor que eu. Ele dizia que, se a Grécia era a mãe das artes e da filosofia no Ocidente, então a Itália era a madrasta, porque depois da Renascença Italiana houve um resgate dos ideais gregos de beleza e humanidade. Ele parecia se animar bastante em falar do poder da Itália como escola de toda a arte feita na Europa. Ele expôs, demoradamente, sua tese, bebemos vinho, eu já havia pedido rehrücken como sobremesa acompanhada de uma xícara de café – e que saboroso café!
No final, quando ele já havia se calado, acendeu uma cigarrilha e eu fumava meu cachimbo, resolvi discordar dele, num inglês mediano, falando mais ou menos o seguinte:
“Meu caro Dmitri, a Itália não é quase nada diante da França. Consideremos as várias manifestações artísticas...a Itália, em se tratando de artes plásticas, só sobreviveu durante a Renascença...seu primeiro grande artista foi Giotto, no começo da Renascença, e seu último foi Caravaggio no final da Renascença.
Depois do barroco, você pode me citar um grande pintor italiano? Pode enumerar três artistas italianos do século XIX ou XX? alguma escola de belas artes que a Itália tenha criado depois do barroco? Claro que não...A França foi superior. Foi grande nos períodos anteriores e, depois do barroco, criou o Neo Classicismo, o Romantismo, o Impressionismo, etc. Quem dominou a pintura na Europa foram os países setentrionais, a Espanha, a França, não a Itália.
Em se tratando de literatura e filosofia, o que é a Itália diante de países como a França ou a Alemanha? Existem mais gênios das letras em língua francesa, inglesa e alemã. Mesmo os russos superaram os italianos em termos de qualidade.
É certo que, à rigor, na música, a França não é tão forte quanto os países de língua alemã, mas Paris e Londres foram mais centros artístico-musicais, em vários gêneros, do que Roma, Veneza ou Milão. A Itália é só ópera; deu as estruturas básicas para os gêneros, deu-nos os instrumentos e os termos musicais, isso é certo, mas quem criou grande música mesmo foram os eslavos ( Chopin, Liszt, Dvorak, Stravinsky, Tchaikovsky, etc ) ou os músicos de língua alemã ( Mahler, Haydn, Bach, Schoenberg, Schubert, Brahms, Beethoven, Mozart, etc ). Quer ver uma coisa?...Cite três grandes sinfonistas italianos. E quartetos? E compositores de concertos que não sejam barrocos? Cite três grandes balés italianos. A música não é só feita de óperas. Mesmo neste gênero, eles não têm um Mozart ou um Wagner. A França nos legou a música medieval da Notre Dame de Paris, as suítes, além de Machaut, Couperin, Berlioz, Debussy, Messiaen, Ravel...foi um centro que atraiu Gluck, Cézar Franck, Stravinsky, Chopin, os balés russos e muitos mais.
A Itália perdeu terreno. Foi uma mãe que não soube o que fazer com os filhos. Nunca comparo a Itália com a Grécia. Há muito poucos compositores, pintores, escritores ou filósofos italianos relevantes nos séculos XIX ou XX. Enquanto na França, desde os artistas medievais, passando pelos séculos seguintes, que a peteca não caiu. A França sempre manteve uma lista gorda de grandes artistas e escolas revolucionárias em qualquer tempo da História. A Itália, não.
A França, para mim, é a grande nação artística da Europa. Mas a arte não se resume somente à ela. As escolas surgem em pontos diferentes. Existe uma força criativa extraordinária, não só na França, mas na Espanha, na Alemanha, nos países setentrionais em geral, na Inglaterra ou na Rússia. A Itália não é tudo como dizem por aí. Além disso, a França é gigante em outras manifestações artísticas, inclusive novas, como a fotografia, a moda, o design ou o cinema, por exemplo. ”
O russo ficou caladinho, tomamos vinho e mudamos de assunto. Mulheres.
Bem, no mais...amanhã farei um passeio de Kahlenberg a Nussdorf e depois visitarei o Cemitério Central, onde me deterei nos túmulos dos músicos, entre eles, Brahms, Schoenberg, Beethoven, Schubert e Johann Strauss, pai e filho, além dos não músicos, mas também célebres Karl Renner, Fritz Wotruba e Dr. Karl-Lueger-Kirche.
Bye
denison
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