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Contos-->Eclipse -- 08/03/2002 - 00:19 (Emidia Ferreira Felipe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Reinava um silêncio sepulcral. Apenas o vai e vem do espanador nas mãos da empregada deixava a idéia que havia vida ali. Era sempre assim.
Ninguém em casa. Somente o quadro na sala da dona da casa já falecida guardava a presença da família. A idéia do quadro havia vindo de seu Assis, que após a morte da esposa a nada mais se dedicou que seu trabalho, já que seus filhos eram crescidos; Carlos, o mais velho, ajudava ao pai, e Júlio, o caçula, vivia a vagar, nada o preocupava.

O barulho da campainha adentrou a casa, passando pela sala até a cozinha, onde o jantar já aguardava o seu destino nas panelas.
- Mazé!

- Já estou indo.

Como sempre fazia, Júlio deixava seu rastro na sala com tênis e meias, jogava-se no sofá depois ia para o seu quarto assistir TV. Mas foi diferente aquele dia, sua cabeça estava maquinando com base em sua maioridade, que alcançara há poucos dias. Agora poderia realizar seu grande projeto; conhecer o mundo com uma mochila nas costas e vencer recordes. Mulheres, festas. Realmente não havia nascido para o trabalho. Mas isso requeria dinheiro. Este último seu pai tinha, e muito.
Seu pensamento foi interrompido pelo barulho diferente na sala.
- Mazé, é o papai?

- É.

Seu Assis não era mais o mesmo. Estava abatido, seu olhar era triste. Sentava-se na poltrona e ouvia as notícias das crises financeiras e as guerras conseqüentes principalmente delas que assolavam todo o mundo. Júlio desceu ao encontro do pai.
- Nunca achamos que acontecerá conosco.

- Quê papai?

- Ahn? Nada. Estava pensando alto.

Agora era a hora. Já podia exigir seus direitos, afinal, sabia o que queria, pois já era um adulto.
- Pai, preciso falar com você.

- Fale filho.

- É sobre aquilo que já comentei. Minha parte e coisa e tal.

- Ah, meu filho. Eu achei que você desistiria dessa idéia, mas parece que eu estava errado. Assim como também estava quando achei que um dia você iria se interessar por algo que lhe desse um futuro. Eu te dava tudo o que você queria. Depois que sua mãe morreu, eu achei que você... Ó meu Deus! Onde eu errei?

As lágrimas discretas e escassas começaram a atravessar o rosto cansado e abatido do pai da família.

- Ei, pai. Não precisa disso. Eu não posso fazer nada se sou assim.

- Nem eu. Já fiz o que tinha de fazer. E não será agora que vou consertar meu erro. Vou lhe dar a sua parte.

Agora Júlio via tudo perfeito a sua frente. Deixou o pouco que restava para trás e durante muito tempo gozou de todos os prazeres da carne, fez amigos, adquiriu bens; longe de sua terra natal, que não achava adequada a seu estilo.

* * *


- Tudo que é bom demais dura pouco...

- O que você disse, Carlos?

- Não nada. Estava pensando onde Júlio poderia estar.

- Seu irmão se perdeu, meu filho. Só Deus sabe o quanto me doeu vê-lo partir, mas eu não posso escolher os caminhos por ele. Foi ele quem quis assim.

- Nunca vai se achar...

- Como?

- Essas crises. O senhor acha que vai melhorar?

- Não sei meu filho. Apesar de querer que sim, a realidade me diz que já está perto do fim.

- Não fale assim, papai.


* * *

Júlio nunca foi bom administrador e a responsabilidade nunca foi seu ponto forte. Noitadas, mulheres e empréstimos levaram seu dinheiro e parte de sua saúde. Anemias e náuseas já eram comuns, imaginava ele que o motivo era a bebedeira. Os amigos do seu dinheiro viraram-lhe as costas e foram procurar o que, outrora, os fez aproximar-se. A ele só restaram o desespero e o remorso, além do carro e suas roupas, os únicos sobreviventes dos cobradores e lembranças da herança de seu pai.

- Não posso mais !!! O que foi que eu fiz? (...) Voltar. Voltar e trabalhar para meu pai, pagar pelo que fiz.

Foi a solução que lhe parecia mais sensata no momento.


* * *

De longe a casa estava estranha. As plantas já não eram abundantes e a pintura já não estava mais intacta. Havia muita gente circulando nos arredores . Não podia ser a sua casa. Devia ter errado o caminho. Foi em frente. Seu susto foi maior quando percebeu que aquela era realmente sua casa, a casa que estava com uma placa na fachada que indicava "Casa da luta contra o câncer".
"Papai nunca venderia esta casa" – pensou. Não teve coragem de parar e entrar.

- Mazé!

Como de um sobressalto lembrou-se da empregada. Uma vez havia ido a sua casa, quando aprendia a dirigir levou-a lá. Ainda lembraria? A dúvida não o impediu de seguir o caminho em busca de respostas, principalmente quando passou em frente à empresa e estava fechada, no prédio deserto e deteriorado estava uma placa de interditado.
Depois de algum tempo e muitas perguntas, conseguiu achar a casa da mulher. Uma senhora de cabelos grisalhos abriu a porta.

- Júlio ?!? – Ela o olhou com uma mistura indigesta de alegria e tristeza, e o abraçou com lágrimas nos olhos.

- Oi Mazé!

Depois de alguns minutos de conversa Júlio descobriu como seu pai foi consumido pelo câncer e os negócios decaíram. Descobriu também que não havia mais nada de sua família, seu irmão havia ido para a Itália junto com um sócio e o que havia restado da crise.
As lágrimas abundantes caíram dolorosas como se fossem arrancadas de seu peito. Foi triste para a mulher, que acompanhara o crescimento e a morte daquela família que amava. Abraçava Júlio debruçado sobre ela chorando toda a sua dor como uma criança.
- O que vou fazer agora? Por que ele nunca me falou?
- Uma criança. Você sempre foi uma criança. O que você fez? Nada, você nunca tinha culpa.
Júlio engolia cada palavra em seco, rasgando-lhe todo o corpo por dentro como espinhos.
- Antes de ir, seu pai fez com que seu irmão fizesse exames.
- Exames?
- Ele queria que você também fizesse, lamentou por não ter feito antes com vocês, mas ele achou que vocês nunca sairiam de perto dele, tentou esperar a hora certa. O médico disse que sua doença era hereditária e poderia ter passado para vocês. Seu irmão não teve nada.
O desespero correu seu corpo como um veneno na corrente sangüínea. Foi embora sem destino. As linhas vermelhas do pôr-do-sol eram como feridas em sue corpo. A angústia era sua única companheira. Decidiu atender ao último pedido de seu pai, voltou a sua antiga casa.
Quando chegou, entrou devagar, de cabeça baixa. As enfermeiras passavam de um lado para o outro , junto com papéis e pacientes. Chegando à sala viu um rosto familiar querido. O quadro de sua mãe ainda estava lá. Chorou e pediu perdão. Sentiu um certo alívio por estar em casa novamente.

* * *

O que lhe havia restado foi embora com exames e remédios. A leucemia o havia deixado em cima de uma cama de enfermaria, com o rosto já diferente pelas noites de insônia e pelos dias sem luz e o corpo cansado.
Seu coração acompanhava o ponteiro do relógio que marcava os segundos, era um bonito relógio. Sozinho com seu arrependimento e sua dor, com quem aprendeu a conviver. Um silêncio sepulcral. Interrompido pelos passos da enfermeira no corredor entrando pela porta. O relógio da parede havia parado a 23 segundos do dia do Natal.
- Vá com Deus. Você merece.
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