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Frases-->Palestra do filósofo francês Bernard-Henri Lévy no Brasil -- 14/05/2007 - 14:51 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Palestra do filósofo francês Bernard-Henri Lévy no Brasil

“Porto Alegre – Bernard-Henri Lévy, 57 anos, hesitou quando recebeu do editor da revista norte-americana Atlantic Monthly a proposta de viajar pelos Estados Unidos para escrever um livro. O expoente mais midiático da nova filosofia francesa preferia as guerras – nas quais tem se embrenhado há três décadas e das quais emerge sempre com posições polêmicas, consideradas pouco sérias para a intelectualidade francesa. Henri Lévy esteve na Bósnia, no Afeganistão, no Paquistão, mas os Estados Unidos não eram exatamente um campo de batalha. Em nome do combate ao antiamericanismo, movimento fortalecido na França após os atentados de 11 de setembro, o filósofo nascido na Argélia embarcou na idéia do editor norte-americano e foi fazer a defesa do que considera ‘uma Europa que deu certo’.
Durante um ano, Henri Lévy dirigiu por 25 mil quilômetros em busca da ‘face luminosa e da face de sombra’ dos Estados Unidos. Queria fazer a sua versão do livro Da democracia na América, escrito pelo historiador francês Aléxis de Tocqueville no século 19. O resultado está em American vertigo, lançado no Brfasil em 2007 pela Companhia das Letras, o 16º livro do autor de Quem matou Daniel Pearl, Elogio dos intelectuais e O século de Sartre. É a leitura simpática de Henri Lévy para um país que tem Guantánamo, Bush e os neocristãos, mas também, segundo o autor, uma ‘democracia vibrante’ e uma política nada imperialista.
Foi esse o discurso de Henri Lévy para uma platéia de 1.200 pessoas durante o seminário Fronteiras do Pensamento, realizado pela Copesul Cultural no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na terça-feira. Autor polêmico por defender idéias como a negação do imperialismo norte-americano, a política de Israel e a idéia de que a guerra do Iraque é fruto de uma boa vontade dos Estados Unidos em instalar a democracia na terra de Saddam Hussein, Henri Lévy falou em público no Brasil pela primeira vez. Contestou a idéia de que a Europa vira à direita e a América Latina, à esquerda, falou de Ségolène Royal – em quem votou nas eleições do último domingo – como fruto de uma onda esquerdista democrática da qual Luiz Inácio Lula da Silva é o ator principal e disse que a solução para a esquerda francesa é se aproximar cada vez mais do centro. Leia abaixo trechos da conferência de Bernard-Henri Lévy” (Correio Braziliense, 13/05/2007, Caderno “C”, pg. 1).


Nicolas Sarkozy, presidente eleito da França

“Sarkozy disse que era preciso liquidar a herança de maio de 1968. A palavra era liquidar, que é uma palavra muito violenta, que pertence ao vocabulário dos stalinistas. Os stalinistas estão sempre errados. Não podemos liquidar os acontecimentos históricos de importância. Maio de 1968 é um deles. Deixou marcas profundas na sociedade francesa, criou direitos, liberdades, nova relação entre mulheres e homens. É impossível liquidar isso. Nesse ponto, o novo presidente está errado. O aspecto marcante da democracia é que aquele que ganhou hoje pode perder amanhã. Não estamos na lógica da liquidação, mas da alternância. Uma vez a esquerda, uma vez a direita. Ou uma vez a esquerda, três a direita. Enfim, não é a lógica da liquidação. Está claro que a França da direita é majoritária e Nicolas Sarkozy sabe disso. Ele teve a inteligência tática de fazer uma campanha mais à direita do que ele mesmo está” (pg. 1).

Futuro da esquerda

“Na França, há dois desafios hoje: a esquerda deve se repensar totalmente e a Europa deve ser redirigida. São dois campos de batalha. O futuro da esquerda na França está na aliança com o centro. A aliança da esquerda com a extrema esquerda acabou. Era a estratégia de François Mitterrand, mas não tem mais sentido porque não existe mais Partido Comunista. O desafio para a esquerda francesa é ter a coragem de fazer e pensar a aliança com o centro” (pg. 1).

Guerra do Iraque

“Há uma tese corrente de que havia interesses econômicos por trás da invasão do Iraque. É uma tese absurda. Se os Estados Unidos realmente quisessem colocar a mão no petróleo iraquiano, haveria uma maneira mais simples e menos custosa do que a guerra. Não custaria um dólar, um homem, um sofrimento. Seria encontrar Saddam Hussein e fazer um trato com ele. Era tudo o que Saddam queria. E era a linha do Bush pai: retirar os embargos e fazer um trato pelo petróleo. Não foi por isso que os americanos declararam guerra ao Iraque. Foi por razões políticas. Podemos dizer que é para mudar a fisionomia política da região, no sentido de ser mais favorável aos EUA, ou que foi para começar a instalar a democracia na região. São duas formas diferentes de dizer a mesma coisa. É essa a razão da intervenção no Iraque. Sem querer desagradar ao esquerdismo obtuso ou aos teóricos do complô ou aos conspiracionistas. Era necessário ou não fazer a guerra? Acho que não. Desde o primeiro dia, acho que essa guerra é um erro. Foi mal pensada e mal conduzida. Mas a idéia da guerra econômica e imperial não se mantém” (pg. 1).

O Papa Bento XVI

“Eu diria que há três coisas distintas. Primeiro o posicionamento de Bento XVI sobre as grandes questões de sociedade, sobre aborto, camisinha etc. Estou em desacordo total, mas é a posição da Igreja e não sou ingênuo de pensar que ela vá mudar. Depois, há a atitude de Bento XVI em relação às outras religiões e, particularmente, em relação aos judeus. Depois de sua visita a Auschwitz, houve uma campanha realizada contra ele que, a meu ver, foi injusta e quase transformou Bento XVI em um negacionista. Bento XVI disse claramente que seis milhões de judeus morreram n Shoah e que eram filhos de Deus. Falou na sua própria língua, na da religião católica. Eu sou um judeu que não espera que o Papa fale em outra língua senão a dos católicos. E, na condição de intelectual judeu, não tenho nada a dizer contra isso. Depois, há a atitude em relação ao islã e o famoso discurso de Regensburg, que levantou uma reação em cadeia no mundo muçulmano. A conferência de Regensburg foi um debate teológico de alto nível evocando as relações entre a fé, a razão e a violência na história do cristianismo e do islã. Foi uma discussão de igual com os muçulmanos. Não vejo nada de ilegítimo no fato de um autoridade espiritual se dirigir a outras autoridades espirituais sobre as grandes questões que lhes são comuns, lhes dizendo que há problemas que o cristianismo superou e que o islã não superou” (pg. 2).

Aprendiz de ditador

“Eu adoro o Brasil e o caminho que a política está tomando aqui. Recuso a idéia corrente de que a América Latina está virando à esquerda com um pacote que inclui Lula, Hugo Chávez e Evo Morales. Chávez tem aliados malvados, fez uma aliança como o Irã que é perigosa. Lula não tem nada a ver com este populista aprendiz de ditador. Tenho simpatia pela maneira adulta como Lula pratica as relações de seu país com a outra América. Lula criou uma democracia de contaminação universal, da qual o primeiro fruto é Ségolène Royal” (pg. 2).

American vertigo

“Tentei ir contra os clichês que tinha na cabeça. Fui refazer a investigação de Tocquville sobre o sistema penitenciário americano. A América é a primeira realização do contrato social de Rousseau. É um povo que não tinha nada em comum, a não ser a vontade de se unir em uma nação. E a América está num momento histórico no qual está se interrogando sobre essa vontade. A América, em sua origem, é o contrato social à européia que deu certo. A Europa é um fracasso. E saio dessa aventura com o sentimento de que é preciso ser muito prudente quando se usa a palavra império (para falar dos Estados Unidos). O imperialismo é uma questão européia. Nunca foi uma preocupação dos Estados Unidos. Sartre disse que a América tinha raiva. Isso é um clichê. Estamos voltando a essa idéia por causa dos neoconservadores, das religiões neocristãs, do criacionismo e de Bush. Os 10 anos de Bush são uma última convulsão dessa sociedade onde a democracia está viva e vibrante. A França levou 40 anos para admitir sua Abu Ghraib (as torturas na guerra da Argélia). A democracia americana levou quatro dias. Escrevi um livro para desmentir esse antiamericanismo pavloviano que subsiste em meu país” (pg. 2).

(Extraído de “Palavras sem retoque”, texto de Nahima Maciel, jornal Correio Braziliense, 13/05/2007, caderno “C”, pg. 1 e 2).


***

Comentário

Félix Maier

O filósofo francês Bernard-Henri Lévy, ao conhecer os EUA, viajando 25.000 km pelo país, chegou a conclusões bastante semelhantes de Tocqueville e, mais recentemente, de Jean-François Revel, outro conterrâneo, que escreveu o formidável livro "A obsessão antiamericana" (UniverCidade, Rio de Janeiro, 2003). Uma coisa é o esquerdista francês ficar sentado em sua cátedra parisiense, cheio de inveja do sucesso dos EUA, desancando o maldito “Império” (EUA), outra coisa é conhecer o país in loco, como fizeram Tocqueville e Lévy, para saber o real motivo por que, p. ex., milhões e milhões de pessoas, todos os anos, com risco da própria vida nas garras dos “coiotes” mexicanos, tentam ingressar ilegalmente naquele país, em busca de melhores condições de vida.

A propósito de Tocqueville, transcrevo abaixo uma resenha que fiz há dois anos, "Tocqueville 200 anos".

***


Tocqueville 200 anos

Félix Maier

"Eu confesso que na América eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar do seu progresso” (Alexis de Tocqueville, 1834).

“A vantagem real da democracia não é, como já se disse, favorecer a prosperidade de todos, mas apenas servir ao bem-estar do maior número” (Alexis de Tocqueville, in "A Democracia na América")

Em meados do desastroso Annus Lulae 3 (Annus Domini 2005), quando pipocavam denúncias e mais denúncias da corrupção petista, o senador Eduardo Suplicy deu de presente a Lula o livro mais famoso de Alexis de Tocqueville, A Democracia na América. Provavelmente, era uma indireta de Suplicy ao presidente, para que não se candidatasse à reeleição, sistema eleitoral condenado por Tocqueville no citado livro, pois o governante – segundo o liberal francês -, desde o primeiro dia da posse, não pensaria em outra coisa senão na reeleição, utilizando toda a máquina administrativa federal para tal intento. Não creio que Lula tenha lido o livro, um calhamaço de quase 600 páginas (*), pois o próprio presidente já declarou que recebe muitos livros de presente e apenas folheia algumas páginas. Talvez o livro Sobre o Ócio, de Sêneca, fosse mais recomendável para Lula, especialmente como companhia para suas ociosas viagens turísticas a bordo do Air Force 51, o Aerolula...

Em 29 de julho de 2005, deveria ter sido comemorado o 200º aniversário do politólogo e sociólogo francês Alexis Charles Henri Maurice Clérel de Tocqueville (1805-1859). Nome longo, de um verdadeiro príncipe, que na verdade é, ao menos em Sociologia, Tocqueville foi um dos mais ilustres liberais clássicos que o mundo já conheceu, ao lado de Adam Smith, Friedrich von Hayek, Michael Novak, Ludwig von Mises, Raimond Aron, Jean-François Revel, Milton Friedman, além dos brasileiros Antônio Paim, Roberto Campos e José Osvaldo de Meira Penna. E por que Tocqueville não mereceu nenhum tipo de comemoração? Da mesma forma que o presidente Emílio Garrastazu Médici, um dos mais ilustres presidentes do Brasil, não mereceu nesse ano nenhuma lembrança pela passagem dos 100 anos de seu nascimento: boicote dos meios de comunicação. A mídia brasileira, dominada por um ranço revanchista de esquerda sem limites, para quem o Muro de Berlim continua mais firme do que as milenares muralhas da Cidadela de Saladino, no Cairo, nomes como Tocqueville são olimpicamente ignorados, como se nunca tivessem existido, e governantes como Médici são satanizados como a pior coisa que já existiu nestes trópicos. O pouco que foi dito sobre Tocqueville no Brasil nos últimos tempos pode ser visto no texto de Luiz Fernando Alves Evangelista, LULA PRESIDENTE: Uma Reflexão Sobre a Democracia no Brasil (http://www.achegas.net/numero/oito/luiz_evangelista_08.htm).

Em 1831, com apenas 26 anos de idade, Tocqueville viajou para a América do Norte, vindo a publicar em 1835 o primeiro volume de La Démocratie en Amerique, considerado até hoje o melhor livro sobre o funcionamento do sistema político norte-americano; em 1840, Tocqueville publicaria o segundo volume sobre o assunto.

“Descontente com o novo regime implantado na França com a Revolução de 1830, Alexis de Tocqueville, descendente de um família ultra-realista que padecera o diabo na época do Terror (1793-4), decidiu-se viajar para a América do Norte. Ele e um outro jovem jurista como ele, chamado Gustave de Beaumont, encontraram um pretexto para vir estudar as instituições penais norte-americanas, aportando em Newport, Rhode Island, em nove de maio de 1831. Durante os onze meses seguintes, os dois farão um longo périplo de 7.500 quilômetros por boa parte da América do Norte, passando por 18 dos 24 estados que então compunham a União, percorrendo-a de Nova Iorque ao Canadá e dali até o Sul, a Nova Orleans. Das margens do Mississipi, rumaram depois para o norte, para Washington DC, e dali de volta para Nova Iorque, onde tomaram um barco para a França em 20 de fevereiro de 1832. No caminho, entrevistaram até dois ex-presidentes” (http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/democracia.htm).

Em seu livro, Tocqueville profetizou o avanço dos americanos, em levas migratórias, do Texas até o Pacífico, terras que foram conquistadas à força do México. Se em 1831 eram 24 Estados, hoje o gigante americano é composto por 50, além do Distrito de Colúmbia, onde fica a capital Washington, e Porto Rico, Estado livre associado. A respeito, já questionava um célebre barbudo alemão: “É uma infelicidade se a rica Califórnia foi arrancada dos mexicanos preguiçosos que não sabiam o que fazer dela?” (Karl Marx, in Nova Gazeta Renana, 1849; cit. por Ipojuca Pontes in Politicamente Corretíssimos, pg. 21).

O direito sagrado da propriedade é, inequivocamente, um dos fatores que proporcionaram a riqueza americana: “Por que, nos Estados Unidos, país da democracia por excelência, ninguém faz ouvir contra a propriedade em geral as mesmas queixas que muitas vezes ressoam na Europa? Será necessário dizê-lo? É que na América não existem proletários. Como cada qual tem um bem particular a defender, reconhece em princípio o direito de propriedade”. Tocqueville foi o primeiro pensador a observar o que viria a ser denominado “paradoxo da pobreza”. Depois de uma viagem que fez à Inglaterra, em 1833, escreveu Mémoire sur le paupérisme, onde diz: “Quando se cruza os vários países da Europa, somos surpreendidos por um espetáculo extraordinário e aparentemente inexplicável. Os países que aparecem como os mais empobrecidos são aqueles que na realidade abrigam menores quantidades de indigentes”. A Inglaterra, mais industrializada que os outros países europeus, na época comportava maior número de indigentes nas ruas!

Tocqueville era católico fervoroso. Deus, religião e fé são palavras corriqueiras em sua obra. Qual o sociólogo, hoje, que ousaria escrever sobre Deus, sobre a importância da religião entre os povos? A maioria dos sociólogos atuais, como Emir Sader e FHC, é composta por esquerdistas e ateus (desculpe o pleonasmo!). Tocqueville foi um precursor de Max Weber ao analisar a força do protestantismo, vale dizer, do puritanismo na criação do pujante capitalismo americano. “Quando cheguei aos Estados Unidos, foi o aspecto religioso do país que desde logo me atraiu a atenção. À medida que prolongava minha permanência, percebia as grandes conseqüências políticas que decorriam desses fatos novos. (...) A cada um deles, exprimi minha admiração e expus minhas dúvidas: achava que todos aqueles homens não diferiam entre si a não ser em minúcias; mas todos atribuíam principalmente à completa separação da Igreja e do Estado o império pacífico que a religião exerce em seu país” (pg. 227). E complementa: “Foi a religião que deu nascimento às sociedades anglo-americanas: é preciso nunca esquecer isso; nos Estados Unidos, a religião confunde-se, pois, com todos os hábitos nacionais e todos os sentimentos que a pátria faz nascer; isso lhe dá uma força particular”. Tocqueville observou que se, de um lado, havia uma profusão de credos protestantes nos EUA, por outro, todos tinham o mesmo objetivo final, já que “a moral do cristianismo é a mesma”: “Nos Estados Unidos, as seitas cristãs variam ao infinito e se modificam constantemente, mas o próprio cristianismo é um fato estabelecido e irresistível, que nunca se faz necessário atacar nem defender. Tendo admitido sem exame os principais dogmas da religião cristã, os americanos são obrigados a receber da mesma maneira grande número de verdades morais que daí decorrem e que por aí se explicam” (pg. 323). Tocqueville não viu em outro lugar em que “o amor ao dinheiro tenha um lugar maior no coração do homem e onde se professe desprezo tão profundo pela teoria da igualdade permanente de bens. Mas a fortuna circula ali com uma rapidez incrível, e a experiência ensina que é raro ver duas gerações recolherem o seu favor” (pg. 48). Tocqueville comprovou que no capitalismo americano a mobilidade social é espantosa, os ricos de hoje podem ser os arruinados de amanhã; os milionários de amanhã podem ser os pobres de hoje. Para o autor francês, um ponto fundamental para a pujança americana foi o nível médio em conhecimentos alcançado por seus cidadãos: “Por isso, encontra-se uma multidão imensa de indivíduos que têm o mesmo número de noções mais ou menos iguais em matéria de religião, história, ciências, economia política, legislação e governo” (pg. 49).

Premonição de Tocqueville a casos como o do Iraque sob o governo George W. Bush, que quer fazer daquele país uma democracia? “De resto, muito longe estou de crer que devemos seguir o exemplo da democracia americana ponto por ponto e imitar os meios de que se serviu para atingir com os seus esforços essa meta; pois não ignoro qual é a influência exercida pela natureza do país e os fatos antecedentes sobre as constituições políticas, e consideraria um grande mal para o gênero humano se a liberdade tivesse de produzir-se em todos os lugares seguindo os mesmos caminhos” (pg. 2340). Há equívocos em Tocqueville, ao falar de raça: “Não creio que a raça branca e a raça negra possam vir, em parte alguma, a viver em pé de igualdade” (pg. 273). Porém, o sociólogo observa que nos EUA já existe uma miscigenação: “Existem partes da América onde o europeu e o negro se cruzaram de tal forma que é difícil encontrar um homem que seja inteiramente branco ou inteiramente negro: chegadas a esse ponto, pode-se dizer que as raças estão realmente misturadas” (pg. 273).

Chamou a atenção de Tocqueville algumas excentricidades puritanas antigas, então em franco desuso, como a proibição do uso do tabaco. “Em data de 1649, assiste-se à criação, em Boston, de uma associação solene cuja finalidade é coibir o luxo mundano dos cabelos longos” (pg. 39).

Tocqueville critica a legislação americana sobre fiança, cujos “costumes parecem contrários ao conjunto do estado social”: “A legislação civil e criminal dos americanos não conhece mais que dois meios de agir, a prisão e a fiança. O primeiro ato de um processo consiste em obter fiança de um réu, ou, se ele recusa, em fazê-lo encarcerar; depois é que se discute a validade do título ou a gravidade das acusações. É evidente que semelhante legislação é dirigida contra o pobre e favorece apenas o rico. O pobre nem sempre pode pagar a fiança, mesmo em matéria civil, e se é constrangido a ir esperar a justiça na prisão, depressa a sua inação forçada o reduz à miséria” (pg. 43).

Para finalizar, voltemos a Lula e ao livro de Suplicy. Considerando o lamaçal em que nosso presidente se afundou, e tendo em vista preservar a biografia de Lula, sugiro que nosso presidente leia O Vendedor de Passados, do escritor angolano José Eduardo Aqualusa. Na obra, o personagem Félix tem a faculdade de criar biografias ou “passados”, de acordo com o que desejam os interessados que o procuram. Quem sabe Lula não peça a criação de um novo personagem, cheio de virtudes, longe da imagem que passou a ter depois que se comprovaram as denúncias da corrupção petista, da qual ele e unicamente ele é o principal culpado. Quem sabe Lula não possa encomendar um passado limpo a Félix – ao personagem de Aqualusa, não a mim! – recebendo, por exemplo, um trono num emirado árabe? Ou então Lula não passe a ser presidente perpétuo de uma republiqueta africana, do tipo “Pongo Pongo”, imortalizado no livro satírico de Meira Penna, Cândido Pafúncio?


(*) TOCQUEVILLE, Alexis de. "A Democracia na América", Editora Itatiaia Limitada, Belo Horizonte, 1987, 3ª edição (Tradução de Neil Ribeiro da Silva).





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