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Infanto_Juvenil-->A FUZARCA DE NOÉ -- 16/02/2002 - 23:03 (Flávio José de Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A FUZARCA DE NOÉ

E aí, bicho?!
ou
Que bicho deu nele?)

I -
DOSE PRA LEÃO OU DOSE PRA ELEFANTE?

Deus perdeu a paciência
ao ver a terra cheia de violência.
Disse Deus: "Tudo farei perecer.
Quarenta dias e 40 noites farei chover”.
Chamou o velho e fiel Noé,
um homem bom, cheio de fé
e lhe ordenou: "Constrói uma Arca
que logo logo a terra se encharca.
Choverá torrencialmente.
Exterminarei todo ser vivente.
Mas, em meio ao dilúvio
a Arca será teu refúgio.
E para conservar a semente,
leia atentamente;
leva contigo tais e tais
espécies de animais”.
Noé leu e releu a lista.
Era animal a perder de vista.
Iria cumprir sua missão
- não era mais que sua obrigação
atender ao Deus de toda criação -
pensou Noé relutante e titubeante.
Sem saber se era dose pra leão
ou dose pra elefante.

II -
UM ELEFANTE BRANCO

Utilizando-se de cipreste como madeira,
construiu ele uma Arca de primeira.
Por dentro e por fora bem planejada,
com betume toda calafetada.
Colocou uma porta lateralmente
e janelinhas, dando um ar diferente.
Nela fez muitos compartimentos
em todos os seus três pavimentos.
Terminada sua obra, Noé pensou:
"Meu Deus, que legal ficou!
Mas pra ser sincero e franco,
terá serventia este elefante branco?"

III -
CHOVEU PACAS!

Depois de pronta a embarcação,
Noé os bichos juntou,
conforme Deus lhe ordenou.
Mas não pense que foi fácil não,
porque deu o maior trabalhão...
Tinha bicho muito arisco,
que corria igual corisco.
E bicho insubordinado,
bicho selvagem e levado.
Todos fizeram a maior fuzarca,
cada um querendo deixar sua marca.
Depois de todas essas nhacas,
aí sim, choveu pacas!

IV -
EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSQUITO

Uma vez, num Congresso Réptil,
com sua mente fértil,
uma lagartixa abriu a boca
e falou, falou, falou feito louca,
e se empolgou e quis falar bonito
(a platéia ficou no maior agito)
- que levou um belo dum pito.
"Era melhor ter ficado calada,
mantendo a matraca fechada",
disse sua mãe Dona Mercedes
toda rubra, envergonhada,
subindo pelas paredes.
A pequenina e falante lagartixa
nem se lixa! E a conversa espicha.
Osga - este era seu nome -
argumentou: "Tava com fome”.
E retrucou: "Mãe, fica o dito
pelo não dito com seu pito,
que, aliás, é muito esquisito
- o que aprendi exercito -
já que em boca fechada
não entra mosquito”.

V -
UM VERDADEIRO JACÁ DE GATOS

Os bichos todos se acomodaram,
cada qual em seu cantinho.
Uns, é claro, deram um jeitinho
e só incomodaram.
Outros, ficaram tão enjoados
que precisaram ser medicados.
Tanto bicho junto assim...
A Arca estava abarrotada.
No ar, um odor ruim
- fezes da bicharada.
Ninguém ali podia reclamar
apesar de tudo, era um bom lugar.
Todos recebiam bons tratos
- mas sabe como é,
a Arca do velho Noé
estava um verdadeiro jacá de gatos.

VI -
GIRAFAS GOSTAM DE FICAR PESCOÇANDO

Chovia, chovia, chovia.
Uma chuva grossa e fria.
Uma chuva constante e forte,
de leste a oeste, de sul a norte.
“O pescoço de Girafa é só osso?
Tem carcaça?
A Girafa parece garrafa
de marafa de Biafra”,
brincava a Capivara,
com sua voz de taquara,
ansiosa e sorridente,
perguntando constantemente:
"O que estais vendo pela frente?",
"Nada, nadinha mesmo", respondia
uma molhada voz que a tudo assistia
em meio àquele temporal.
(Era a voz uníssona de um casal.)
A Arca fôra mal planejada
para comportar espécie tão avantajada.
E assim iam molhando e olhando.
"Não estão nem se importando.
Girafas gostam de ficar pescoçando..."

VII -
A MULA-SEM-CABEÇA

"Um pedido de Deus é uma ordem;
por isso, essa balbúrdia, essa desordem
eu tolero e até faço vistas grossas
e lacro o nariz a esse cheiro de mil fossas.
Mas Deus! Me castiga caso eu mereça.
Não que a uma ordem Vossa eu desobedeça.
Por mais incrível que Vos pareça,
esqueci-me de trazer a mula-sem-cabeça”.

VIII -
ABRAÇO DE TAMANDUÁ

"Olha o tamanho do A
OLHA O TAMANHO DO a

- Aaaahhhh...

E me diga
se ele não gosta de amanhecer
com a boca cheia de Formiga?!.

Me diga lá
o que é que eu faço
como me desembaraço
quando acaso ganhar um abraço
de Tamanduá?!."

IX -
NÃO HÁ TATU QUE AGUENTE

Que loucura, que confusão!
"Pára com isso, gente,
que assim já está demais”.
A bicharada riu contente
(riu de rolar no chão.)
Noé tratara por gente
os irriquietos animais.
O riso ficou mais saliente
quando Noé, impaciente,
ordenou silêncio e respeito
e concluiu, displicente:
"Porque assim, desse jeito,
não há Tatu que aguente”.

X -
UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO

O par da andorinha
perdeu-se na multidão.
A pobre ave, sozinha,
era digna de dó e peninha,
em sua triste solidão.
Depois de horas a fio,
assim esquecida, com frio,
uma sensação de vazio
preencheu seu coração.
Diziam-lhe: "Espere aí;
logo logo ele estará por aqui”.
(Pois naquela situação
a Arca era um alçapão:
tentar sair seria em vão.)
Seu par reaparece - oh!
que alegria, que emoção,
que festa, que satisfação.
Dela não tiveram mais pena,
dela não tiveram mais dó.
Conheciam a cantilena
afirmada no velho refrão,
de que uma andorinha só
não faz verão.

XI -
PAPO DE ARANHA

Mesmo que pouco pensassem,
naquele tempo os bichos falavam.
Onde quer que se encontrassem
de falar não se cansavam.
Na Arca não podia ser diferente:
a língua corria solta e quente.
A aranha, em especial,
enquanto tecia sua teia,
era falante sem-igual
- falava o que desse na vêia,
com meia palavra ou palavra e meia.
Jogava conversa fora,
sem escolher dia, nem hora.
Conversava muita abobrinha,
acompanhada e mesmo sozinha.
Por isso hoje é muito repetido
(você já deve ter ouvido):
quando a conversa é estranha,
cheia de nhenhenhén,
é comum ouvir alguém
dizer que é papo de aranha.

XII -
FALAVAM COBRAS E LAGARTOS

Arruaça, chilique, confusão,
fofoca, implicância, intriga...
Se um desse um empurrão
ou um simples cutucão
o outro chamava pra briga.
E quando não brigavam,
brincavam. Mas estavam
já cansados e todos fartos
do aperto geral nos quartos.
Em meio a tanta mumunha,
das duas, uma:
ou Noé não ouvia ou fingia,
mas falavam cobras e lagartos.

XIII -
UMA VIDA DE CACHORRO

Todos o chamavam de til.
Til pra cá, til pra lá.
No início resistiu. Mas quá!
Num gesto resignado, latiu.
Quisessem vê-lo brabo,
pisassem em seu rabo.
Vê-lo posesso - batata!
chamassem-no vira-lata.
Conformado, o cão refletiu
e a tudo então consentiu:
"Estamos todos no mesmo barco,
muito sufoco, espaço parco.
Já que ninguém me escuta
não me importo,
o jeito é fingir-me de morto,
que assim também ninguém me chuta,
não me mato e nem morro;
eles não observam,
mas aqui todos levam
uma vida de cachorro”.

XIV -
SAPO DE FORA NÃO RONCA

Ainda outro dia era girino,
pequenino, pequenino...
Agora o anfíbio cresceu,
encheu, encheu, encheu,
seu papo de sapo estufou
e foi inchando, inchando,
inchando, inchando, inchando,
que por pouco - pah! - não estourou.
"Noé me deu a maior bronca,
não quer saber o que coaxo,
e mesmo sendo muito macho,
sei que sapo de fora não ronca".

XV -
CÃO QUE LATE NÃO MORDE

Caladinho num canto
junto à cadela Sabrina
- bela e faceira ladina -
o pobre cão permanece
quieto que nem santo,
como melhor lhe apetece.
"Parado, com tanta preguiça,
não quer salame nem linguiça",
faz blague a bicharada
vendo a dupla ali estirada.
No cão,
um repente bate;
ensaia uma reação
e late,
com sua pose de lorde,
espreguiçando...
E ouve os bichos caçoando:
"Hei, acorde,
pois cão que late não morde".

XVI -
PAPAGAIO COME MILHO PERIQUITO LEVA A FAMA

Louro estava muitíssimo bravo
de tanto ouvir: "Dá o pé, Cravo".
Os animais estavam lhe enchendo o saco
com o insistente refrão,
em uníssona entonação:
"Curupaco papaco, curupaco papaco...”
Os animais não lhe davam sossego,
por mais que ele lhes pedisse arrego.
Eles tinham seus motivos
para serem tão vingativos.
Aconteceu que o tagarela
armou uma esparrela
para o pobre Periquito.
Ele um dia deu o grito,
disse que a avezinha contou
algo que o Leão aprontou.
Noé, querendo dar aula
e lição, meteu o Juba na jaula.
A partir daí, o periquitinho,
coitadinho,
a duras penas,
sofreu quizilas às centenas,
sem nada fazer, sem nada saber
e sem merecer.
Com a pecha de delator
foi alvo de muito rancor.
Mas os bichos investigaram
e a um veredito chegaram;
descobriram toda a trama.
Louro é que abriu o bico,
ele é que fez o mexerico.
Ficou o ditado, passado o drama:
"Papagaio come milho Periquito leva a fama".

XVII -
DAR COM OS BURROS N ÁGUA

Isso ele sempre ouviu:
chamarem-no bronco, estúpido, imbecil,
asno, parvo, jumento...
O burro engoliu o urro,
raciocinou que até relinchou...
Aí fez um juramento:
deixaria de tolice,
- o contrário seria burrice -
falassem o que falassem,
que dele os outros zombassem;
não faria nada,
não faria nenhuma burrada,
não guardaria nem uma mágoa.
Os bichos zombeteiros,
estes foram os primeiros
a dar com os burros n água...

XVIII -
A CAVALO DADO NÃO SE OLHAM
OS DENTES

Relâmpagos e trovões de estalo
abafavam os lamentos do velho cavalo.
A chuva não passava e Equinaldo chorava...
Noé, penalizado, tentou consolar o coitado:
"Pobre Equinaldo, não chora,
não chora, não faz feio,
esquece o tempo da espora
e do arreio.
Equinaldo, vê, a vida é bela
e sobre seu dorso não há mais sela,
você não puxa mais arado..."
Rédeas negras do passado
inda dominavam o alvo Equinaldo,
agora chocho, cocho e banguela.
"Ah!, mas é tão difícil viver assim,
sem cavalgar por aí,
sem trotar aqui e ali,
sem poder ruminar capim,
preferia ir pra Araguari...
Saí da sela caí nessa cela,
preferia até virar mortadela..."
A Noé, que ganhara o equino,
competia decidir sobre seu destino.
"Ainda que banguela e manco
- e não sendo eu Napoleão -
não vejo nenhum senão
em manter meu cavalo branco.
Ademais, quando você me foi dado
tirei-o do arado,
fiquei todo entusiasmado,
do arreio tirei-o;
ganhei um de meus melhores presentes
e a cavalo dado não se olham os dentes”.

XIX -
DORMIR COM AS GALINHAS

"Que chuvaréu, que chuvarada,
que pé d água que não tem fim",
dizia o Pato amedrontado,
vendo só água pra todo lado...
Com uma pata machucada,
o palmípede, somente assim,
ficava quieto, acabrunhado
e talvez por estar assustado,
mantinha o semblante fechado,
tão fechado quanto suas asinhas.
Nosso patético Pato, coitado,
chocou até suas boas vizinhas
- que por elas foi adotado,
gerando muitas conversinhas.
Pois foi muito comentado
que o pobre Pato tinha medo,
e como deitava e dormia cedo,
todos diziam sem mais segredo:
"Foi dormir com as galinhas".

XX -
INTELIGENTE PRA BURRO!

Professora Dona Coruja,
deu unzinho de lambuja
pro aluno mais pinta brava.
"Não, não posso e não quero
premiar com nota zero
essa pobre criatura,
ruim de escrita e leitura".
E prosseguia:
"Mas esse aí nada grava
do que repito em suas orelhas
dia e noite noite e dia",
era o que a mestra dizia
cerrando as sobrancelhas
e seus grandes olhos serenos.
E não deixava por menos,
se o pai do beócio afirmava:
"Ele nasceu na roça,
cresceu puxando carroça;
é custoso, mas é inteligente..."
Dona Coruja, bem paciente,
suspirava e completava
num breve sussurro:
"É inteligente pra burro!"

XXI -
ISSO É UMA ANTA!

Na Escolinha Arcabouço
eis que eu, o Alce, ouço,
a seguinte composição
escrita pelo aluno Faisão:
“A todos encanta...
Finge-se de santa.
Poupe a garganta
- não canta
que não adianta...
Isso é uma Anta!”

XXII -
MAIS VALE UM PÁSSARO NA MÃO QUE DOIS VOANDO

Noé andou conjeturando;
(pra quem não sabe, conjeturar é supor)
o velho deu de ficar matutando,
sem juízo de valor.
“Suponha que eu solte uma ave
pra saber onde o mar se encerra
e a que distância da terra
está esta minha nave.
Se não volta essa ave - é grave!
pois não haverá o que explicar
a seu pesaroso par,
que atrás há de querer ir
e não terei como impedir”.
E foi assim, conjeturando,
em hipótese e suposição
que Noé chegou à conclusão:
“Mais vale um pássaro na mão que dois voando...”

XXIII -
NÃO COMPRE GATO POR LEBRE

Adoeceu por ouvir falar
que churrasco de gato é bom.
“E se alguém quisesse comprovar?”
Ele não se julgava o Tom,
de quem Jerry faz gato e sapato
quando entram em atrito;
e que assado ou mesmo frito,
sai inteiro no fim do ato.
“Aquilo lá é ficção,
filme de televisão.
Lebre, sim, é carne de primeira,
é filet mignon...
Gato, non,
nem com caldo knor;
pergunte a qualquer cozinheira...”
Bichano suava
- e dava essas dicas
em bicas de suor.
Murmurando, ardendo de febre,
entre miaus delirava:
“Não compre gato por lebre”.

XXIV -
O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA

Todos, sem exceção,
aperreados estão
na maior apreensão.
O motivo de tanta preocupação
é uma baita duma indigestão
que acamou um comilão...
É que antes de vir a bordo
Dom Ratito, o gordo,
aprontou na santa terra do Papa.
“Desta ele não escapa”.
“Pobrezito, está em coma”.
“O rato roeu a roupa do rei de Roma”.

XXV-
PODEM TIRAR O CAVALINHO DA CHUVA

O marido da Marmota adoeceu,
foi parar na UTI,
sob os cuidados do Dr. Jabuti,
que, de cara, prescreveu:
“Parem com o ti-ti-ti”.
É que os machões acesos
afirmavam, maldosos e coesos:
“Essa Marmota é linda;
viúva, então, será mais ainda”.
Mas seu esposo era forte;
recuperou-se, fugiu da morte.
E já corado e revigorado,
apregoava de peito estufado,
sadio e apaixonado:
“Minha patroa é mesmo uma uva
e juntos somos mão e luva;
e eu continuo vivo
- vivo e ativo,
não deixo infeliz viúva;
portanto, podem tirar o cavalinho da chuva”.

XXVI -
UM AMIGO URSO

Só,
dentro,
no centro
do toró...
Longe, longe de um cais.
Noé divaga, vaga,
e mesmo à deriva
não se priva
de uns pingos filosofais:
“Minha embarcação segue o curso,
mas trago um dilema, por castigo:
é não saber, cá comigo,
se aqui tenho um urso amigo
ou um amigo urso”.

XXVII -
O QUE É DO HOMEM BICHO NÃO COME

É justo e meritório
que lá no refeitório
a melhor parte da comida
fique guardada escondida
sob as vistas de Noé,
que não arreda pé
de comer muito e bem
- igual a ele, ninguém!
Na Arca, na hora da fome,
o que é do homem bicho não come.

XXVIII -
METIDA A BESTA

“Ô vida amarga,
ô pesada carga...
Mesmo que fique fula
não tenho como picar a mula.
Dizem os charreteiros,
afirmam os carroceiros:
- Dêem-lhe qualquer tarefa
que essa daí não crefa.
Se der um pinote
no lombo bordoa o chicote.
Se trabalho galopante
falam que sou pedante.
É verdade, não treto,
topo qualquer carreto.
Sim! - pobre de mim,
de sábado a sexta
sou muito metida a besta”.

XXIX -
CONVERSA PRA BOI DORMIR

O Hipopótamo Popó, rei da lengalenga,
dono de grande lábia e arenga,
apreciava jogar conversa fora...
Começava a falar, diziam: “Ih! vambora;
esse daí, prum detalhezinho gasta mais de hora”.
Ele queria porque queria
convencer o Boi Zarolho
que na cabeça de repolho
também costuma ter piolho...
Zarolho - como era paciente!
a tudo ouvia educadamente...
E, bem ao seu estilo,
bocejava e até dava um cochilo.
Popó, de falar não parava,
sua língua não tinha trava.
Blablablá, blablablá,
era um lá-vai vem-cá;
nhenhenhén, nhenhenhén,
era um vai-lá cá-vem,
sempre voltando à vaca fria.
Ouvir, Boi Zarolho fingia,
pois na verdade dormia,
isso não tinha como fingir.
Popó falava noite e dia,
sobre metafísica, filosofia,
sem jamais se repetir.
Mas o bom Zarolho sabia
que aquela conversa era boa,
não era uma conversa à-toa,
era conversa pra boi dormir.

XXX -
DE GRÃO EM GRÃO
A GALINHA ENCHE O PAPO

Uma espiga de milho cai no convés.
Grãos espalham-se sob centenas de pés.
A Galinha incumbe-se de catar
e um a um dos grãos começa a bicar,
em meio ao enorme dilema
de ver a Codorna e a Seriema,
sem poderem se achegar;
deixando por demais infeliz
sua amigona Perdiz ,
que também só podia olhar;
uma Avestruz quase louca,
babando, com água na boca,
sem poder se aproximar.
Com a Arca totalmente lotada
a Galinha não podia fazer nada,
a não ser
comer, comer e comer.
O Galo, bem que tentou,
insistiu, avançou, empurrou,
quase levou um sopapo.
“Se furo este cerco, não escapo,
nada bico e viro um trapo”.
E assim, sob olhares gulosos
e os pés mais asquerosos,
de grão em grão a galinha enche o papo...

XXXI -
VÁ PENTEAR MACACO

Chipan Zé é extremamente vaidoso.
Se acha lindo, viril, faceiro e formoso,
o par preferido de sua amada Rita
(o nome dela é Rita ou Chita?!)
“De circo quero ser mico
pra ficar famoso e rico”,
diz todo espalhafatoso
já se julgando rico e famoso.
Se a ele sugerem um outro trabalho,
retruca: “Cada macaco em seu galho”.
“Melhor um filme de Tarzan”, alguém aconselha...
Dispara: “Macaco esperto não sobe em árvore velha”.
E entre tantos palpites, retruca:
“Macaco sabido não mete mão em cumbuca”.
Sempre saindo pela tangente:
“Macacos me mordam, como sou inteligente!”
Ser o mais forte é o seu fraco.
A Lontra veio encher-lhe o saco...
“Ora, vá pentear macaco...”

XXXII -
AGORA É QUE A COBRA VAI FUMAR

“Sabe o que eu acho?!
Acho que esta Arca está de cabeça pra baixo”,
conclui, cheia de moral, a Hiena,
soltando sua risada hilária e plena.
Noé não gostou da observação:
“Não posso concordar;
acho que aqui tudo está é de pernas pro ar”.
Hiena gargalha,
mais que a Gralha...
(Ri até chorar.)
Para se impor e se fazer respeitar
- apesar de ter dado corda -
o Comandante a aborda,
chamando-a num particular.
A bicharada, em coro,
diz, sem entender o choro:
“Agora é que a cobra vai fumar”.

XXXIII -
DANDO NOME AOS BOIS

O Urubu e o Jabuti entusiasmados,
pensavam, lembravam e falavam exaltados:
Um: “Torniquete, Zureta e Cantagalo,
Marreta, Patureba e Barralo...”
O outro: “Coité, Japão e Jacu,
Trombeta, Macete e Jaú...”
O primeiro: “Stradivarius, Tonhão e Xibiu,
Meloso, Melado e Vinil...”
O segundo: “Sarotim, Chifrudo e Valente,
Mequetrefe, Mongol e Parente...”
A bicharada, sem entender nada,
boquiaberta a tudo assistia,
assim como Noé, que de longe ouvia
aquela animada gritaria.
Aproximou-se um tempo depois...
“Que é isso?”, perguntou aos dois.
“Só estamos dando nome aos bois”.

XXXIV -
AÍ É QUE A PORCA TORCE O RABO

O Porco entrou em parafuso.
“Isso aqui é um grande chiqueiro;
ando um tanto quanto confuso
com essa sujeira, esse cheiro...”
“Engraçado”, fala o Lobo,
“se eu não sou nada bobo,
sei que este ambiente é um paraíso
pra qualquer porco de bom juízo”.
“É o lugar propício, ideal,
para exercer seu lado espiritual”,
diz o ouriçado Ouriço
que não tinha nada com isso.
“O diabo
é que escorrega mais que quiabo;
se um Proboscídeo cair
- o que ninguém pode impedir -
aí é que a porca torce o rabo”.

XXXV -
VAQUINHA DE PRESÉPIO

“Não quero ficar pastando”,
choraminga o Bezerro
- sabendo que não tem erro,
já que está desmamando.
“Querem que eu aceite
parar de beber leite...
Buaá, que disgrama,
viver comendo capim, grama,
qualquer tipo de rama...”
Lamenta, fazendo drama,
pois quem não chora não mama.
“Dê-me leite, por obséquio...”
Pede à mamãe, que se faz de vaquinha de presépio.

XXXVI -
NÃO DEU ASAS À COBRA

“Se só rastejando dá trabalho...
Ouçam o som de seu chocalho.
Zanza pra cá,
trança pra lá,
volta e meia serpenteia
- não voa porque não dá,
enrijece e se dobra.
Se esse ofídio voasse
não haveria quem aguentasse.
Mas Deus, como bom criador,
tudo fez sem tirar nem pôr.
Sábio, executou bem sua obra;
não deu asas à Cobra”.

XXXVII -
URUBU SEM PENA

Algo chamou a atenção de Áquila, o Esquilo.
“O que é aquilo???”
Pares de olhos arregalados
fitaram, esbabacados...
Ficaram todos paralisados!!!
Sem graça, riso maroto, forçado
e super envergonhado,
um personagem desengonçado
ensaia um argumento fajuto;
mas ninguém acredita no bruto.
“Apesar dessa chuva grossa,
que calorão - nossa!”
Riram a valer. Mas também que cena!
Ainda que envolto numa toalha,
mesmo assim a turma malha...
“Esse, coitado, vai ficar de quarentena”.
Era o Urubu sem pena...

XXXVIII -
A VACA FOI PRO BREJO

“Conheces aquela de dois bois de Portugal,
numa quinta dum gajo chamado Juvenal,
o nelore Joaquim
e o guzerá Manuel,
cujas vacas somem no fim?!”
“Sei, sim!
A vaquinha do guzerá Manuel
foi para o beleléu...”
“E a do pobre boi Joaquim,
onde foi parar, diga pra mim?”
“Ah! A quinta de Juvenal
ficava às margens do Tejo,
e por tal,
a vaca foi pro brejo...”

XXXIX -
LÁGRIMAS DE CROCODILO

“Comigo não, Jacaré;
sai do meu pé”,
refuga a saltitante Perereca,
muito levada da breca.
O bicho não desiste,
insiste...
Ela resiste:
“Jaca, não guarda mágoa,
mas nós somos como óleo e água;
nossos signos não combinam,
nossas vozes não se afinam...
E essa bocarra, essa cauda, esses dentes...
Somos completamente diferentes...”
Depois desse fora
tão contundente,
ele chora,
compulsivamente,
sentindo-se desprezado, desolado,
pranteando perdidamente,
completamente apaixonado...
Dos que assistiam a tudo aquilo,
ninguém foi acudí-lo.
“O Jaca é assim: a todas
jura amor, promete bodas”.
“São lágrimas de crocodilo”.

XL -
COM A PULGA ATRÁS DA ORELHA

Ensaiaram um motim.
O Boto: “E então, essa viagem não tem fim?”
O Canguru: “Pára a Arca que eu vou descer!”
O Pavão: ”Pra onde vamos?, quero já saber”.
A Doninha: “Que chuvarada mais chuvadeira”.
O Tigre: “Por que não fecham essa torneira?”
O Camelo: “Prefiro mil vezes o deserto”.
A Jaratataca: “Assim a coisa vai feder, alerto”.
Pulso firme, conciliador e tranquilo,
Noé perguntou o que era aquilo...
“Pra que toda essa agitação?
Devemos ser tolerantes e compreensivos
se quisermos sair dessa vivos.
A situação requer paciência e união...
E será essa turbulenta missão
que resultará em nossa salvação”.
A grande maioria aplaudiu o superior.
Cabisbaixos, os exaltados se acalmaram
e, submissos, numa só voz afirmaram:
“Sim, senhor!”.
“Lobos em pele de ovelha”,
pensou Noé, com a pulga atrás da orelha.

XLI -
UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE,
DOIS ELEFANTES INCOMODAM INCOMODAM MUITO MAIS

Castor filosofou um disparate:
(o Polvo achou um barato)
“Elefantes pisaram no tomate...
Surgiu daí o extrato”.
Corpulentos, ocupam um mesmo lugar no spa
da arquinha felliniana - e la nave va...
Não estão nem aí. A Elefanta, toda bacana,
com suas grandes orelhas se abana.
O Elefante, que se julga elegante,
pelos demais é julgado possante:
“É de peso”.
“E ainda por cima obeso”.
“Ocupam cinquenta por cento do espaço”.
“Suas trombas só causam embaraço”.
Castor concluiu filosoficamente:
“A desvantagem de trazer casais
é que se um elefante incomoda muito gente,
dois elefantes incomodam incomodam muito mais”.

XLII -
O OVO OU A GALINHA?

“Coruja que gava o toco
arranca pica-pau do oco?”,
perguntou o Orangotango,
pegando o maior frango...
Pois os bichos em alvoroço
entraram no clima, acharam colosso,
encheram de perguntas o moço:
“Quem cantou de galo pagou o pato?”
“Quem não tem cão caça com gato?”
“Quem ganha briga entre gato e rato?
“Em cabeça de cavalo tem chifre?”
“Listra de zebra faz parte de alguma grife?”
“Se ficar uma onça não é leopardo?”
“À noite todo gato é mesmo pardo?”
“Tem 14 olhos o bicho-de-sete-cabeças?”
“Como é um estômago de avetruz às avessas?”
“O canto do cisne é melhor que o da sereia?”
“Quando um gambá cheira o outro faz cara feia?”
“Aranha faz o que lhe dá na teia?”
Percebendo que estava cagado de arara,
Orango berra: “Pelamor de Deus, pára!!!”
Mas, como estava com a macaca,
não conseguiu fechar a matraca.
Com esta nova pergunta
a bicharada
- que adora charada -
novamente se junta
na maior farra,
prosseguindo a algazarra,
falando o tempo inteiro...
“Pra encerrar a conversa, adivinha
quem nasceu primeiro:
ovo ou a galinha?”

XLIII -
OS CÃES LADRAM E A CARAVANA PASSA

"Ficou chato ser fraterno,
agora serei poeta muderno...
Está fundado o animalismo!
Basta de rimas, xô romantismo,
viva o futurismo, o expressionismo,
o surrealismo e o vanguardismo",
sentenciou, de fraque, o Pinguim,
que - tem base?! - inaugurou sua nova fase
escrevendo um poema assim:
"Na hora da Onça beber água que passarinho não bebe,
o Leão-de-Chácara, com seu espírito de porco,
caiu do cavalo, sofreu um drible-de-vaca,
se meteu em briga de cachorro grande,
mexeu em caixa de marimbondos,
deu milho aos pombos, soltou os cachorros,
matou a cobra e mostrou o pau,
deu um boi para entrar numa briga
e uma boiada para não sair,
e viu que morrer feito um passarinho
não era nenhum bicho-de-sete-cabeças".
O Morsa e o Lhama não entenderam lhufas,
mas pegaram o espírito da coisa...
"Oh! Pinguim, poeta inspirantártico,
por favor nos esclareça:
quando um burro fala
por que o outro abaixa a cabeça?”
“Se o cão é o melhor amigo do homem,
e se filho de peixe peixinho é,
por que em rio que tem piranha
nada de costas o jacaré?”
O vate , percebendo a ironia,
riu pra dentro, complacente, sem graça...
“Minha poesia ainda não é aceita pela massa...
Os cães ladram e a caravana passa”.

XLIV -
QUIS AFOGAR O GANSO

Se deu mal...
Mais manso que pardal
- mas muito mais manso -
Walter Lantz, o pica-pau
quis afogar o Ganso.

XLV -
VAMOS FAZER UMA VAQUINHA?

Para matar o tempo, inventavam moda.
Para jogar a loteria do bicho, faziam roda.
Como era um jogo proibido pelo capitão,
o jeito era praticar contravenção.
Vigilante, no observatório,
ficava o Bode Expiatório.
Avestruz, Águia, Burro, Borboleta e Cachorro.
(“Se Noé vir, alguém grita socorro!”)
Cabra, Carneiro, Camelo, Cobra e Coelho.
(“Se ele aparecer diz que formamos um conselho”.)
Cavalo, Elefante, Galo, Gato e Jacaré.
(“Se nos flagrar, damos no pé”.)
Leão, Macaco, Porco, Pavão e Peru.
(“Se sacar tudo, damos a ele o tutú”.)
Touro, Tigre, Urso, Veado e Vaca.
(“Ah!, ele é velhinho, e nada saca...”)
Berrou o Bode: “Deu zebra! Tem boi na linha!”
(Ficaram apavorados
- e envergonhados - coitados.)
Mas Noé só queria fazer uma fezinha...
Até propôs: “Vamos fazer uma vaquinha?!”

XLVI -
NÃO É AMIGO DA ONÇA

“Queria aportar numa ilha grega”,
suspirou fundo a Ovelha Negra.
“Mas cá estamos, à deriva,
e pode ser que a gente sobreviva.
Jogados às traças
animais de todas as raças.
Mais de um mês de viagem
e água, somente água é nossa paisagem”.
“Ora, deixa, Dona Ovelha,
a senhora se queixa
e nem fica vermelha”,
intervém a Besta Quadrada,
aproximando-se sem ser convidada
e de cara dando palpite:
“Se a senhora me permite,
acho idéia de Jerico
ficar com buchicho e fuxico.
Calma, nós e todos os nossos
estamos molhados até os ossos;
se ‘Seu’ Noé não faz milagre
também não é nenhum cabeça de Bagre;
apesar de irmos a passo de Tartaruga,
isso é salvação, não é fuga;
não seja assim tão sonsa
achando tudo uma geringonça;
terra firme vamos achar,
nisso podemos confiar.
O velho é homem de responsa,
não é amigo da Onça”.

XLVII -
COMIGO NÃO TEM GRILO

O Grilo e o Sapo, há mais de hora
batem papo; jogam conversa fora:
“Aqui sou como um sapo longe da lagoa”,
revela o primeiro, numa boa...
E conclui: “Só me grila ficar à-toa,
que assim também enjoa”.
O Sapo, um gozador por natureza,
acha tudo ali uma “maravilha de beleza”.
“Pois eu aprendi a arte de amolar o boi;
vivo a repetir: foi, não-foi, foi, não-foi...
Se Noé não queria saber o coaxo,
agora, diacho!,
não abaixo o facho,
por nada nadinha me abalo;
é meu jeito de cozinhar o galo.
Enquanto uns dizem que aqui não presta,
eu acho essa Arca apertadinha uma festa.
Sou um camarada muito tranquilo;
comigo não tem grilo”.

XLVIII -
NADA A VER COM O PEIXE

“Proibido pescar”, dizia a placa
cravada por uma estaca.
Ninguém deu piti.
Todos fizeram boca de Siri.
Até o mais cabeça oca
sabia que o peixe morre pela boca.
“Se pescamos, pecamos,
pois nossos irmãos pegamos”,
filosofou o sábio Sabiá.
A Minhoca, sempre arisca,
andou livre de lá-pra-cá -
não seria mais cobiçada pra isca.
Outro que ficou numa felicidade tamanha
foi o Boi - não seria mais Boi de Piranha.
“Os peixes não são meus, nem seus;
como nós, estão nos planos de Deus”,
apregoou o Jacu, com ar de professor,
ou ar de pregador?!,
ao faminto Martim-Pescador.
“Não se queixe, não se queixe,
se o mar não tá pra peixe,
se você não pode vender seu peixe”.
“Ah! me deixe...
Eu não tenho nada a ver com o peixe”.

XLIX -
DÁ BOM DIA A CAVALO

Bicho-Preguiça, carrancudo,
pendurado de um jeito todo torto,
preferia se fazer de morto.
A tudo ouvia fingindo-se mudo.
Se nada falava,
em tudo pensava:
“Não falo!
Não sou louco.
Me calo.
Aqui, até quem fala pouco
dá bom dia a cavalo”.

L -
GATO ESCALDADO DE ÁGUA QUENTE
TEM MEDO DE ÁGUA FRIA

Raposilda, muito ativa,
começa assim a narrativa:
“O peixinho
abana
as barbatanas.
Tão espertinho,
faz burburinho
co as escamas.
Vive sozinho
no aquário
- mas não é solitário.
O gatinho,
do lado de fora,
com os olhinhos o devora.
Saiu de fininho
da cozinha;
lá queimou uma patinha.
O espertinho,
curioso e saliente,
tocou em água fervente.
O peixinho,
sem susto nem mágoa,
sabe que Mimi tem medo d água...”
Raposilda faz um intervalo
e pergunta de estalo:
“Esta historinha tem uma moral
muito legal,
dizer-me, prontamente,
quem saberia?”
A jovem Barata,
inteligente,
responde na lata:
“Gato escaldado de água quente
tem medo de água fria”.

LI -
COM MINHOCA NA CABEÇA

Grunhia o Javali à Foca:
“Cobras da Minhoca
uma dezena de corações?
Pois no barro se coloca,
na terra, pelos torrões!
Aninha-se, perfurando
o chão, qual uma broca.
Por entre segue entrando:
nada barra a Minhoca.
Pedra sim, amedronta:
ela sempre corta volta
se alguma ela encontra.
Aterrada, e nem se toca.
Conheces todos os caminhos
de uma Minhoca?”
Nisso a Foca
- que não é nada boboca -
se invoca:
“Não que resposta mereça
pergunta tão sem fundamento...
Mas Javali, não aguento
análise tão à avessa.
Por isso desenvoca,
você ‘tá é com minhoca
na cabeça...”

LII -
DESSE MATO NÃO SAI COELHO

“Seu Nóe, não se choque,
vamos fundar uma banda de rock!”
O velho falou: “Bicho, que barato,
nessa eu toco até prato...”
“Que nome daremos à banda?”,
interroga o precavido Panda.
Como foi o maior escarcéu,
alguém sugeriu: “que tal Babel?!”
Palmas. “E os instrumentos que não temos?”,
alguém questiona...
“Temos latas, latas batemos”.
“Aprovado!”, a turba ovaciona.
Luiz-Caixeiro, músico e letrista,
com seus dotes de artista,
se apresentou: “Além de compositor,
sou um exímio cantor...”
E com seu afinado vozeirão
mostrou essa composição:
“Chegou a mágica,
fora de lógica,
a mais incrível
Banda de Lata.
Lata de óleo,
lata de tinta,
tem de extrato,
tem frigideira,
e de bandeja
até pinico”.
Assim que ele cantou
alguém palpitou:
“Se querem um conselho,
não insistam, desistam;
desse mato não sai coelho”.

LIII -
PACA, TATU, COTIA NÃO

“Ato perigoso que efeito surta?”
“Cutucar onça com vara curta”.
“Atitude que causa dó?”
“Matar dois coelhos com uma cajadada só!”
“Algo que mesmo vendo não acredito?”
“Alguém matar Cachorro a grito!”
“Qual mentira é a mais graúda?”
“Dizer que Baleia é Arraia miúda!”
“O que não deve e não pode?”
“Querer amarrar o bode”.
“E o cúmulo da discriminação?”
O Guará olhou pro Bisão que olhou pro Peru:
“Nhambu não entrar em festa de Jacu?!”
O Cabrito olhou pra Raposa que olhou pro Falcão:
“Paca, Tatu, Cotia não!”

LIV -
FICOU UMA ARARA

Um dia a chuva se deteve, minguou.
Sobre a terra um vento leve soprou.
Baixaram-se as águas soltas ao léu
(logo veriam os cumes dos montes.)
Fecharam-se do abismo as fontes
e também as comportas do céu.
Noé soltou o Corvo Alan Poe.
“Voe, voe...”
O Corvo ia e voltava
e água, somente água avistava.
A Pardoca fez bico, fechou a cara.
Queria sair, insistiu para ir,
e como não foi, ficou uma arara.

LV -
ORA, POMBAS!

Eis que Noé a Pomba solta.
Esta, sem graça, logo está de volta.
“Água foi tudo que olhei e vi;
aqui, lá, além e ali”.
Um clima se formou; tensão.
Nervosismo, agonia, aflição...
Os Elefantes esticaram as trombas:
“Ora, pombas!”

LVI -
PICOU A MULA

Novamente a Pomba saiu da embarcação.
Voou, voou, até perder-se na imensidão
azul, de água e céu num encontro infinito
no horizonte distante, amplamente bonito.
“Horas já se passaram”, suspirou o Tico-Tico,
“Está demorando mais que da vez primeira...”
À tardinha retorna, trazendo no bico
uma folha nova de oliveira.
(Alegria geral - um quase carnaval.)
Na manhã seguinte, aos olhos dos animais,
novamente é solta a Pomba, que não retornou mais.
A bicharada otimista,
já comemorava a terra à vista.
Somente a Pardoca, ainda muito fula,
reclamou: “A Pomba picou a mula”.

LVII -
MEMÓRIA DE ELEFANTE

Mais sinais de terra firme: um tronco, folhagem...
A Girafa grita: “Estou a ver navios ou será miragem
provocada pelo cansaço enjoativo da longa viagem?”
“Vejam, vejam, é uma esquadra!”,
com todos os pulmões o Cão ladra.
Nóe e todos os animais espiam...
- Capitães, pilotos e marinheiros, caravelas
e naus... “Ah! como são belas” -
... sem acreditar no que diante de si viam.
Numa delas, no cesto da gávea, o vigia
à toda tripulação anuncia:
“Estranha embarcação à frente;
só vejo animais, não vejo gente”.
Da Arca, Noé se apresenta como tal,
fazendo breve alusão à inundação universal...
Do navio maior, alguém dá a credencial:
“Sou o capitão desta frota; meu nome é Cabral,
- navegador, descobridor
e, se posso dizer, tão perdido quanto o Senhor -
vindo a esta parte desde o Reino de Portugal”.
Era quinta-feira, 22 de abril.
A terra avistada era
- aquela que foi Santa e Vera -
o Brasil.
“Acreditai, confiai, pois vale a pena,
se vossa fé no dilúvio não é pequena.
A mim não perguntai o que depois se sucedeu,
pois nada sobre este encontro Moisés no Gênesis escreveu,
nem Caminha contar ao rei se atreveu.
O que vi com meus olhos de Lince vos contei.
É tudo digno, ocorrido, nítido e confiante...
A epopéia que com prazer até aqui vos narrei
é a que bem me lembro com minha memória de Elefante”.


EDIÇÕES ROMPE-NUVE
by Flávio Almeida
E-mail: mundominas@bol.com.br
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