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Teses_Monologos-->Corte epistemológico no pensamento marxista -- 03/04/2010 - 14:10 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
INTRODUÇÃO


Este trabalho monográfico tem por objetivo desenvolver um estudo acerca das bases do pensamento de Marx a fim de que se possam perceber os segmentos distintos dos níveis que separam sua vida intelectiva, além, é claro, de evidenciar a importância da doutrina marxista no século XX a partir de Rosa Luxemburgo e de Vladimir Ilich Ulianov. O chamado corte epistemológico em Marx é o momento em que há evolução do pensamento ideológico para o pensamento científico, portanto, o estudo de dois dos grandes formuladores, cuja estrutura marxista está fundamentada, Hegel e Feuerbach, serve, neste trabalho, para marcar as fontes do marxismo e compreender a origem de seu pensamento científico. É certo que Marx não postulou uma síntese a partir do pensamento de outros filósofos, senão, não seria evidentemente um corte epistemológico; seria apenas o desenvolvimento dos pensamentos com os quais se baseara.

Ademais de se encontrarem neste trabalho as bases do processo de maturação intelectual de Karl Marx, encontram-se também as estruturas essenciais tanto da filosofia marxista quanto da sua ciência. No materialismo dialético, encontrar-se-á fundamento para a postulação do socialismo como pré-requisito para chegada ao comunismo a partir das contradições internas do sistema capitalista, além da evidência da luta de classe pelos meios de produção; já no materialismo histórico, a mecânica da dialética de classe como cerne dos momentos histórico evidencia o fundamento de como se deu o processo de criação social até a ascensão da burguesia ao poder.

Com o desaparecimento físico de Karl Marx em 1883, pensava-se que conseqüentemente sua doutrina não se projetaria. Entretanto, de acordo com a circunstância histórica da época em que ele viveu, o marxismo não poderia obter a contribuição empírica da luta prática para a consolidação dos proletários no poder. Portanto, com Rosa Luxemburgo e com Vladimir Ulianov (Lênin), o marxismo, ademais de iniciar o processo de tomada e consolidação do poder através da revolução socialista - pelo menos com Lênin na Rússia -, ganha novo impulso para que diferentes observações fossem acrescentadas a fim de que se contextualizasse com a dificuldade de organização nas estruturas internas de diferentes países. Sem dúvida, houve alguns pontos de divergência doutrinária, contudo, o grande mérito foi o de conciliar efetivamente a teoria marxista com a consecução prática na Alemanha e na Rússia, a princípio. Posteriormente o alastramento dessas experiências para outros países como China, Cuba, Coréia do Norte, Nicarágua, dentre outros tantos.

O primeiro capítulo postula as considerações filosóficas dos pensadores Hegel e Feuerbach a Marx, sobretudo, no sentido de afirmação de estruturas de certa maneira contrárias às correntes filosóficas da época. Porém, na realidade, Marx envolveu-se em Hegel com seu conceito de evolução dialética, denotando a idéia de que a matéria está em constante evolução. Em Feuerbach, a inauguração do materialismo põe o homem como um ser, parcialmente, independente da religião da razão absoluta. Este, sem dúvida, é um contraponto ao materialismo mecanicista que via tudo como peças de encaixe sem uma interligação harmoniosa. Entretanto, no segundo capítulo, Marx combate a ideologia de sua juventude emancipando-se intelectualmente. Estabelece a fundamentação do materialismo dialético como a filosofia da práxis, cuja principal peça de atuação seria a humana. Tal afirmação filosófica marxista visava à observação das contradições internas das estruturas sociais, sobretudo, com o interesse de apropriação dos meios de produção pelos trabalhadores a fim de que se pudesse combater a divisão classista. Já o materialismo dialético explicitou a organização interna de dominação dos burgueses e suas ações no sentido de se conservarem no poder da estrutura social. Contudo, a transição entre o segundo capitulo e o terceiro denota uma relação extremamente delicada, visto que o capítulo dois é evidentemente conceitual, portanto, poder-se-ia preconizar uma incompatibilidade aparente no sentido de que a revelação da práxis marxista no século XX traria relatos históricos para a comprovação de sua aplicação. Todavia, não procedeu esta preocupação, pois o assunto tratado no terceiro capítulo buscou permear os meandros da filosofia; a escolha de Rosa e de Lênin foi devidamente minuciosa no sentido de eleger, além de dois dos protagonistas das primeiras revoluções marxistas no século XX, duas mentes reconhecidas e respeitas no âmbito das discussões filosóficas. Por isso, não houve dificuldade nessa transição, pois o terceiro capítulo mostrou a práxis marxista embora o cuidado filosófico continuou como o principal objetivo deste trabalho.

A análise do pensamento marxista faz-se necessária para que se possa buscar uma compreensão mais apurada da polêmica que ainda se faz com o nome de Marx, além de facilitar a compreensão de um tema tão recorrente e tão atual. Ou, quem sabe, debater a temática de que o marxismo vivencia uma nova fase, bem diferente da formulação original, pois houve uma necessidade histórica de adaptação à modernidade, sobretudo, em um mundo, cuja globalização é uma realidade empírica e, talvez, irreversível.


CAPÍTULO 1


1.0 – AS BASES DO PENSAMENTO MARXISTA


Não se poderia discorrer acerca do pensamento de Karl Marx e sua projeção no século XX sem observar como se deu seu processo de formação, aliás, se Marx é responsável pela introdução de um corte epistemológico no pensamento do século XIX, de onde ele partiu para se chegar à emancipação científica? Sem dúvida, Marx representa uma posição singular frente às especulações oriundas dessa época, embora ele tenha aderido ao idealismo hegeliano e se entusiasmado com o materialismo feuerbachiano. Pelo que se percebe, tanto em Hegel, a partir do desenvolvimento da evolução dialética, quanto em Feuerbach, por conta da valorização do homem como ser agente, Marx encontrou bastantes fontes de confrontação, a partir das quais formulou sua própria doutrina filosófica e científica. Portanto, o conhecimento das bases do pensamento marxista surge como de suma importância para uma análise mais apurada da doutrina que marcou o comportamento do século XX.


1.1 – A contribuição de Hegel ao jovem Marx

Conforme a essência da filosofia marxista, a análise histórica das estruturas sociais é imprescindível para que se possa chegar ao conhecimento mais aproximado à realidade; principalmente em um contexto onde o homem é apresentado como o movedor dessas estruturas as quais, contraditoriamente, extirpam sua liberdade. Portanto, para se falar de Hegel e Marx, deve-se, sem dúvida, percebe contra qual contexto lutavam. Afinal, embora Marx criticasse Hegel sobre seu desempenho idealista e conformista, ambos buscaram a harmonia social a fim de que os filhos da sociedade fossem tratados com o mesmo princípio da igualdade. Para tanto, deve-se considerar a Revolução das Luzes como desenvolvimento científico materialista, contudo, que via na grande maioria da população seres humanos incapazes de assumirem um papel revolucionário, cuja premissa política seria a de modificar a situação social. Todavia, os iluministas diziam que somente reis preparados para o governo totalitário efetivariam plenamente as transformações necessárias para se chegar à justiça social de fato. Tais reis soberanos ficaram conhecidos posteriormente como déspotas esclarecidos. Esse tipo de materialismo mostrou-se bastante ingênuo no que se refere à efetiva possibilidade de mudança. Entretanto, não havia ocorrido uma idéia que se contrapusesse a dos iluministas até a subversiva introdução do pensamento hegeliano, capaz de inverter toda a ingenuidade da qual a filosofia se revestira. Talvez não se possa, neste trabalho, afirmar que Hegel havia conseguido reestruturar o pensamento ingenuamente filosófico da época; pelo motivo de aparentar, paradoxalmente, consonância prática com ele.

Hegel desenvolveu seu pensamento colocando em evidência as contradições existentes nas formulações estáticas, sobretudo, o racionalismo, pois elas acreditavam que as leis eternas explicavam por si apenas a procedência do processo histórico. Ou seja, eram capazes de justificar os acontecimentos vivenciados pelo mundo em todas as épocas da história. Hegel não concebia a possibilidade de existirem leis eternas, uma vez que tudo se encontrava em constante evolução. Para ele, as leis não poderiam ser eternas, visto que o espírito evolui com o comportamento sócio-cultural. Além de evoluir a partir de pensamentos especulativos, este ditava, por meio de conceitos, o comportamento frente a diversas questões, busca-se, então, a formulação de novas postulações baseadas na crítica das já estabelecidas. Hegel afirma que esse tipo de comportamento é evolutivo e percebe que, através dessa busca, chega-se à razão absoluta, uma espécie de espírito do mundo. Na seqüência, há um exemplo, extraído do livro Transformando o mundo, de como Hegel concebia a evolução dialética:

• “tese: sociedade burguesa, exploradora;
• antítese: classe trabalhadora, explorada pela burguesia;
• síntese: sociedade comunista, resultado do conflito entre a tese e a antítese e da integração entre seus aspectos essenciais”. (GADOTTI 1989, 58).

A evolução dialética de Hegel visa justamente construir um esquema responsável pela dinamização da história em uma eterna procura pela verdade. A evolução dialética funciona da seguinte maneira: há uma linha de pensamento já existente, chamada de tese; de acordo com a necessidade histórica, é confrontada por um pensamento contrário, que visa conservar os pontos positivos do conceito criticado, a negação da tese e chamada de antítese; surge, então, a síntese a fim de acomodar os pontos mais relevantes tanto da tese quanto da antítese, assim, a síntese é o novo pensamento mais aproximado da verdade. Essa teoria dificulta especulações acerca dos conceitos absolutos, portanto, concede ao pensamento a incapacidade de tornar-se verdade irrefutável. Assim como ele, posteriormente outro o questionará decisivamente no decorrer do processo evolutivo, isto é, da evolução dialética. Esse é o processo da busca pela idéia absoluta. É certo que, partindo dessa lógica, o espírito absoluto nunca poderá ser alcançado, por isso, deve considerá-lo relativamente inexistente, pois não pode contradizer-se como um postulado absoluto.

Marx estava de acordo com Hegel no que se refere ao caráter dinâmico da história. A dialética hegeliana, para Karl Marx, surgiu como a grande diferença entre as filosofias, de um lado, bastante conformistas, de outro, introdutoras da antítese. Esse foi o ambiente que caracterizou a perspectiva filosófica da época. A filosofia deixaria o caráter meramente reprodutivo e passaria a exercer seu verdadeiro papel transformativo dentro do processo social. Entretanto, Marx criticou seu mestre no que se refere ao modo através do qual se introduzirá a mudança social na evolução dialética. Marx acusou Hegel de esquecer quem é o verdadeiro agente da mudança, aliás, não percebeu no homem o ser movido pelo processo de produção. Hegel afirmava que a evolução das idéias se fazia necessariamente absoluta para posteriormente descer em auxílio ao homem em sua luta pela libertação da opressão. O homem deveria contar com a razão absoluta para posteriormente iniciar o conflito, cuja culminância seria a reorganização da estrutura social; já em Marx, a verdadeira mudança partiria sempre da ação humana dentro de um



processo eminentemente revolucionário. Portanto, em Hegel, percebe-se um idealismo1 capaz de conceder à idéia o papel exclusivo e responsável pelo impulso inicial rumo à transformação do pensamento e, por conseguinte, pela conquista das estruturas sociais. Isto é, poder-se-ia esperar pela ação direta do espírito absoluto, pois este seria encarregado de nutrir os entes humanos da percepção da verdade a fim de que pudessem agir sobre as estruturas econômicas responsáveis pela alienação. Em Marx, a modificação das estruturas sociais parte do contato do homem com a base econômica, pois é a partir do meio de produção que se adquire o conhecimento pleno e, por meio dele, poder-se-á adquirir consciência de si mesmo.

“(...) o marxismo não é uma teoria científica como as outras, não visa simplesmente descrever ou explicar, mas visa transformar a realidade, visa uma transformação revolucionária. Trata-se portanto de compreender a realidade para transformá-la revolucionariamente a partir de um ponto de vista de classe, do ponto de vista das classes dominadas”. (LOWY 1988, 39).

Embora haja divergência entre Marx e Hegel, não se pode negar a admiração daquele à dialética hegeliana. Então, afirma-se que, tanto em Marx como em Hegel, a hipótese fundamental da dialética é que nada é eterno, nada é absoluto. Tudo o que existe na vida social está em constante evolução, tudo está à mercê do fluxo da história. De fato, essa questão pode ser observada e constatada empiricamente pelo homem, conforme se explicita no fragmento abaixo, uma alternativa dialética de como se vê o mundo: “Pela primeira vez n história da filosofia, precisamente na obra hegeliana, a dialética adquiriu formulação consciente e sistemática”. (Marx e Engels 1989, IX).

“Através desta especificação da tese do “mundo invertido”, Marx reaproximou-se ainda mais de Hegel, estabelecendo com ele uma paz parcial e encontrando nele a única concepção adequada para reestruturar a realidade burguesa a nível abstrato”. (FLICKINGER 1986, 44).

As mudanças profundas, que ocorrem no processo histórico, podem comprovar a veracidade da afirmação de que tudo flui, inclusive o pensamento. Portanto, uma análise dialética é eminentemente responsável pela constatação das contradições internas da

1 teoria filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser compreendido plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjetiva.

realidade. Marx observou plenamente isso quando buscou comprovação para o processo
dialético dentro da história. As contradições internas do processo sócio-econômico na Idade Antiga resumem-se em escravos e senhores; na Idade Média, os suseranos e os vassalos; na Idade Moderna, a nobreza e a burguesia; na Idade Contemporânea, os capitalistas burgueses e os proletários. Paradoxalmente Hegel ainda engessou a evolução dialética com a gestação da evolução das idéias em busca do espírito absoluto, distanciado da vida empírica, aliás, longe do ser humano, ator do processo social. Karl Marx humanizou a razão absoluta conferindo ao homem o caráter essencial no processo de transformação social, sobretudo, quando buscou aproximar-se da análise histórica para constatação do papel revolucionário na luta pela libertação. No momento em que o homem modifica sua relação com os meios de produção, modifica automaticamente as relações sociais. Essa observação de Marx baseou-se na análise histórica, onde o homem ocupa o lugar central como o sujeito ativo do processo.

“Observa-se que o conceito de práxis em Hegel, ou seja, a idéia da autoconstrução humana através da própria atividade dos homens que tem no desenvolvimento das formas sociais do trabalho a sua base histórica, assume um conteúdo, por assim dizer, invertido”. (FILHO 1986, 28).

Hegel não se esquecera da transformação material, para ele, isso era secundário e derivado da evolução das idéias. Primeiramente se chegaria à idéia absoluta, por meio da antítese, depois essa idéia viria ao homem e o impulsionaria à transformação material. Segundo Marx, Hegel havia invertido a ordem da estrutura. Aquele conferia a afirmação de que o homem necessita das relações materiais para poder chegar às espirituais, ou seja, o homem necessita comer, beber, dormir, estudar, antes que se possa imaginar qualquer coisa. Essa inversão, para Marx, seria comprovada por meio de uma análise da história da economia; da maneira como o homem relacionava-se com o mundo para dele extrair sua subsistência. Por isso, critica-se qualquer expressão de crença no destino ou do homem como predicado de qualquer realidade, afinal, o verdadeiro responsável pela evolução da história, segundo Marx, é o próprio homem. Ele não pode ser refém de qualquer tentativa de inação ou simplesmente ser subjugado pelas estruturas sociais.

Portanto, Marx desmistificou a concepção de Hegel de que tudo possui origem no pensamento, pois, segundo este, o impulso transformador teria de partir da evolução das formulações intelectivas para que se pudesse chegar à transformação social. Com isso, opôs-se à teologização das idéias como se fossem externas à natureza e estivessem prontas em uma dimensão metafísica. Excluiria simplesmente a associação natural dos acontecimentos de sua natureza como produto dos processos econômicos, políticos e culturais. A crítica a Hegel manifesta-se como um ateísmo do pensamento teológico-idealista, conseqüentemente, o desprezo da materialização em seu maior expoente ativo, o homem.

Se Hegel iniciou a crítica à filosofia, pelo fato desta não conseguir sair da condição estática de apenas tentar explicar aquilo que já havia ocorrido ou simplesmente reproduzir a argumentação das especulações, Marx autodenominou-se antifilosófico, pois as expressões filosóficas eram bastante conservadoras para contribuir com a transformação social. Posteriormente Marx observa o papel ideológico da filosofia na ação contributiva para a conservação do sistema social, ou seja, eminentemente a serviço de um grupo social a fim de se perpetuar no usufruto dos benefícios econômicos.

“Uma idéia-base que caracterizava os Jovens Hegelianos era a crítica da filosofia, que eles não entendiam como um sistema de idéias prontas e definitivas mas sobretudo como um programa de ação para ser realizado e não apenas estudado. Essa tese se opõe a um dos princípios fundamentais do pensamento de Hegel:as idéias têm mais densidade, mais conteúdo do que o real que existe e, quando são boas (capazes de convencer nossa Razão), acabam necessariamente se concretizando”. (GADOTTI 1989, 30).

Para Hegel, a filosofia deveria atingir o objetivo de interpretar o mundo no combate a meras especulações conceituais, sobretudo, mediante seu poder de superação pelo processo de dinamização da evolução e pela perseguição da idéia absoluta; o contato com o espírito do mundo inseriria o homem no processo, mesmo que secundariamente. E de fato é evidente que a filosofia deve reconhecer a superação da tese, além de anunciar a ascensão da síntese através da dialética. Pois ela contesta justamente aquilo que se pode nomear de princípio de identidade, ou seja, afirma-se que uma coisa não é aquilo que ela é, mas também a possibilidade do outro, aquilo que ela não é. Ora, se a realidade é efetivamente dialética, uma coisa sempre deve ser também sua negação.

No início de sua formação filosófica, Marx aceitava as idéias de Hegel com bastante entusiasmo, pois via nelas oportunidade de contraposição às formulações filosóficas conservadoras. Não apenas Karl Marx, mas um grupo de jovens curiosos com a nova filosofia empolgava-se com tais discussões. Inclusive, achavam que mudariam as estruturas sociais apenas criticando as injustiças, lutando contra a influência da burguesia, assim achavam, poderiam mudar a realidade social. Essa, segundo eles, seria efetivamente uma batalha espiritual. Ficaram conhecidos como hegelianos de esquerda, ou neo-hegelianos (nome conferido a um grupo seguidor crítico de Hegel que se mostrava menos conservador que os hegelianos de direita).

“Para os neo-hegelianos, o importante era o espírito e a luta para mudar a sociedade, era uma luta espiritual, uma luta crítica. (...) Eles acreditavam que criticando as idéias erradas, transformando a consciência, ou a ideologia, ou o pensamento dos homens, transformariam a sociedade. (...) chegariam (dessa maneira) a uma sociedade diferente, de liberdade, igualdade, tolerância, democracia, ou mesmo ao socialismo, ou ainda, ao comunismo, posto que Moses Hess era um pensador comunista”. (LOWY 1988, 41).

Outro nome, talvez mais próximo ao materialismo de Marx, porém hegeliano de esquerda, surgiu como alternativa frente aos ideais de transformação. Auguste Blanqui estava seguro de que os déspotas esclarecidos não exerceriam a função de transformação social, por isso, todos deveriam ser derrubados por uma insurreição violenta, uma verdadeira revolução social. Entretanto, seguindo uma espécie de materialismo idealista, não concedia ao povo a responsabilidade pela revolução, pois este vivia sob uma forte cegueira intelectual. Os únicos capazes de realizar a transformação seriam os revolucionários esclarecidos.

Os jovens hegelianos, incluindo Marx, desenvolveram tendências de oposição à monarquia absolutista com clara influência dos ideais iluministas. A ordem era atacar o antigo regime de viés, ou seja, seu maior braço de sustentação, a religião. Não seria uma agressão direta ao Estado, mas à religião. Ora, percebe-se que a influência religiosa não era apenas uma força econômico-social, exercia principalmente uma posição política, sobretudo, no que se refere ao estímulo ao comportamento submisso e conformista do homem. Dessa maneira, os fiéis reproduzem tal conformismo em sua vida prática, impedindo uma participação ativa para questionarem as estruturas sociais.

Houve um ponto de grande divergência entre os pensamentos de Marx e os jovens hegelianos acerca da perspectiva da revolução. Tal ruptura antecipava um avanço no pensamento intelectual do jovem Marx, que agora desenvolvia uma linha independente da linha com a qual fora formado. Os jovens hegelianos continuaram no plano do idealismo filosófico e, por isso, desenvolveram a perspectiva da revolução liberal-burguesa, consoante este trabalho já apresentou até o presente. Já Marx lutou contra a influência dos jovens hegelianos a fim de efetivar seu propósito de transformação social partindo da experiência material, sem subterfúgios, até culminar na universalidade da revolução proletária, como forma de emancipação total.

Os jovens utópicos não visavam apenas à validação das ocorrências sociais, buscavam evidenciar mudanças possíveis no processo da vida humana especificamente em seu ambiente específico. Porém, tudo isso ocorria de maneira pacífica, visto que, para eles, o não uso da violência fazia parte da externalização intelectual.

Os jovens hegelianos criticavam seu mestre pelo fato dele ter reduzido o homem à condição de objeto, cujo sujeito era a razão. Na realidade, eles achavam que o homem não poderia ser minimizado, tornando-se passivo desse processo. Talvez aí eles tenham conferido a Hegel um caráter conservador, desabilitador da ação revolucionária efetiva. Ora o fato é que a condição mais evidente do homem é sua qualidade de sujeito, pois especula provar a realidade por meio de sua existência. Com isso, os jovens hegelianos não desconsideravam o poder da racionalidade como forma de motivar o processo revolucionário; ao contrário, para eles, o racional é verdadeiramente real. Portanto, o homem revolucionário seria um ser prático-teórico. Já em Hegel, a razão exercia tal função transformadora conforme a condição histórica de cada comportamento social independentemente da iniciativa humana. Obviamente Hegel não desconsiderava o importante papel do homem como subsídio concreto para a consecução da abstração racional. O que se percebe é que os hegelianos, embora criticassem Hegel pelo fato de desenvolver a razão como pressuposto essencial, não conseguiram abandonar a crença quase teológica na razão. Esforçaram-se bastante, mas tudo foi em vão. A mudança dessa linha começou a ser desenhada um pouco mais tarde com o materialismo de Feuerbach, assunto a ser tratado na próxima seção.

“Os hegelianos de direita seguiam uma posição conservadora, valorizando apenas o trabalho intelectual, distanciando-o da vida dos trabalhadores e da história concreta das sociedades. Os hegelianos de esquerda apontavam as limitações políticas de Hegel, que dava mais importância ao Estado absoluto do que às organizações autônomas da sociedade; o ponto de partida deles era a prática produtiva de homens concretos e a dinâmica da sociedade civil. Os hegelianos de esquerda consideravam que a militância política é a forma de construção da História”. (GADOTTI 1989, 29/30).

Embora Marx tenha sido formado pela escola hegeliana, fugiu da influência idealista tornando-se um pensador introdutor em sua época, de um marco distintivo no pensamento filosófico-político. Criou sua própria linha de raciocínio evidenciando um corte epistemológico entre as idéias utópicas e o materialismo científico. Abandonar a ideologia e abraçar o pensamento filosófico científico é o pressuposto efetivo de um corte epistemológico. E Marx soube introduzir uma antítese, inclusive ao seu pensamento inicial, sem apresentar uma síntese no verdadeiro sentido hegeliano. O que ocorreu na realidade foi que o jovem Marx firmou a base de seu pensamento de acordo com a perspectiva revolucionária, no sentido de romper com o racionalismo, tanto de Hegel quanto do Iluminismo, sobretudo, econômico, e o criticou efusivamente de modo que, por meio da percepção das contradições, chegou a uma linha autônoma e verdadeiramente científica. Pode-se observar toda cientificidade de seu pensamento através da análise do desenvolvimento no decorrer da evolução histórica, principalmente, constatada no século XX.



1.2 – Um contato materialista com Feuerbach

Deve-se considerar, além da influência da corrente hegeliana, a análise do pensamento de Ludwig Feuerbach para se compreender de fato o marxismo, aliás, Feuerbach destacou-se como um importante discípulo de Hegel, todavia, no que se refere à crítica do idealismo tanto de seu mestre quanto dos jovens hegelianos foi contumaz. Na realidade, dos seguidores de Hegel, Feuerbach foi o primeiro a introduzir o materialismo como pressuposto à crítica social. Seu verdadeiro objetivo foi analisar a influência exercida pela religião, que torna o homem alienado frente a sua importância diante do processo revolucionário. Outro fato importante, e que vai de encontro ao pensamento de seu mestre, é a crítica que desenvolve acerca do espírito absoluto. Também aí há um paralelo que se pode traçar entre Feuerbach e Karl Marx no sentido de desarticulação da influência do espírito absoluto, ao mesmo tempo em que se conduz o homem ao seu lugar máximo na impulsão do motor histórico.

“Por um lado, Marx estava convencido da importância indubitável das descobertas de L. Feuerbach, reconhecendo neste autor condições de alta validade enquanto fonte à crítica ideológica de seu tempo. (...) Na sua crítica, mostrava e fundamentava as idéias religiosas enquanto meras criações do homem, invertendo assim a concepção da dependência deste em relação ao divino”. (FLICKINGER 1986, 34).

Feuerbach exerce uma influência essencial para a construção de um sistema social no mundo pós-Hegel, sobretudo, para Marx. Ele é o efetivo responsável pela transição do materialismo mecanicista para o materialismo prático. E isso, considerando a dificuldade de libertação do pensamento iluminista, principalmente, em um momento histórico onde o combate à especulação filosófica fazia-se essencial. A intenção era a de obter um pensamento seguro, distante de qualquer especulação conservadora oriunda, sobretudo, da filosofia racionalista. O pensamento mecanicista, apesar de considerar a posição humana partindo do materialismo, trazia consigo um grau intermediário de ingenuidade, pois não observava ou simplesmente não firmava suas considerações, não se intencionava verificar a participação do homem no processo histórico. Esse seria um pressuposto essencial para se definir o caráter participativo do homem no materialismo. A característica passiva do ser na especulação mecanicista pecava por reduzir a condição humana às circunstâncias sociais e políticas, impossibilitando o desenvolvimento de uma postura ativa no processo de transformação das estruturas sociais.

“Até agora, o principal defeito de todo materialismo (inclusive o de Feuerbach) é que o objeto, a realidade, o mundo sensível só são aprendidos sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, enquanto práxis, de maneira não subjetiva”. (MARX, 1989, 94).

A não percepção de si no processo histórico, além de contribuir para a conservação da exploração social ao longo do desenvolvimento da consciência, impedia o homem de reconhecer-se como o verdadeiro responsável pela aquisição de uma visão crítica transformadora. Marx reconhecia em Feuerbach a importância de perceber no homem seu potencial: diante dos materialistas puros, Feuerbach tem grande vantagem de se dar conta que o homem também é um objeto sensível.

Outro ponto que, sem dúvida, contribuiu para a crítica marxista foi a contraposição à especulação filosófica. Feuerbach cria que a filosofia apresentava-se apenas como uma teologia racionalizada, pois concedia importância excessiva à razão como se o âmbito metafísico herdasse da superioridade dos céus o modelo filosófico do pensamento lógico.

“Marx manifestou sua profunda concordância com a tese de Feuerbach, segundo a qual a religião seria apenas um produto da imaginação do homem, dando à realidade social a chance de encontrar a imagem de felicidade humana fora da miserável vida terrestre, no céu. Mais do que isso, na religião objetivava-se a consciência falsa do homem em duplo sentido: enquanto consciência que não brota do homem concreto como ponto de partida essencial e constitutivo das relações sociais; e enquanto consciência que reflete sua liberdade através da abstração, ou seja, que aceita a idéia da liberdade fantasmagórica”. (FLICKINGER 1986, 37).

Portanto, para Feuerbach, a filosofia reduzia-se a um mero jogo escolástico, onde o sensível é simplesmente substituído pelo espiritual. Em Hegel, a filosofia torna-se alheia ao ser empírico, sensível, ou seja, a realidade não caminha além do intelecto, sempre impulsiona frente ao pensamento lógico. Tendo como causa esse comportamento do qual o supra-sensível surge como realidade absoluta, Feuerbach desenvolve sua linha de pensamento no campo da crítica à religião ou simplesmente à teologização da realidade. Percebe-se então que a antropologia de Feuerbach reconhece a extração das determinações da realidade humana pela religião, ou seja, a religião apropria-se das características essencialmente humanas, deixando-os verdadeiramente alienados de suas próprias qualidades. Marx vê no pensamento feuerbachiano uma abstração da realidade, pois posteriormente reconhece a religião como o verdadeiro ópio do povo.

“A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo”. (MARX 1985, 106).

Talvez a crítica desenvolvida por Marx à religião seja pelo fato de perceber nela uma apropriação dos poderes manipuladores que trabalham para que o homem se veja incapaz de buscar a transformação social, sobretudo, porque vendem a idéia do conformismo, isto é, a realidade como algo preparado por uma força absoluta a quem se deve prestar obediência e respeito. Nesse aspecto, Feuerbach considera a filosofia de Hegel como último refúgio da teologia, simplesmente esquece-se da liberdade humana e confere a responsabilidade da dinâmica da história pelo espírito absoluto, pois. Marx discorda de Feuerbach no sentido de visualizar em Hegel a tentativa de mudança no pensamento tradicional e o efetivo trabalho de base que justamente chegaria às mudanças esperadas como um corte com a tradição do passado.

Ludwig Feuerbach diferenciou-se dos demais hegelianos de esquerda que buscaram a crítica à religião como fator de emancipação intelectual. A diferença significativa foi que, em Feuerbach, o materialismo tornou-se a mais forte argumentação contra a estrutura religiosa conservadora, que, inclusive, mais tarde, Marx acusa-la-á de participar da superestrutura estando a serviço da classe dominante; já os críticos hegelianos da religião esperavam desestruturar o poder do Estado absolutista por meio do ataque à sua maior estrutura de influência das massas, além de ter sido a religião a organização que consolidou e ratificou o poder da nobreza.

Segundo Feuerbach, o ser humano encontra-se desprovido da consciência de si. Portanto, a religião como a “representante” do Deus propicia a ele a oportunidade de poder adquirir sua própria característica. Essa carência torna-se a base da religião, onde a essência humana é, pelo próprio homem, alienada. Essa é uma fase infantil do homem, pois há uma relação paradoxal no processo em que o homem adora sua própria essência sem reconhecê-la como tal. A oposição entre Deus e o homem, então, não se configura real, mas, sim, ilusória embora se possa perceber que a religião estabelece uma cisão no homem, pois o ser divino é aquilo que o homem não é. Por isso, o homem torna-se um ser alienado de si mesmo no sentido de que tal cisão extrai dele a percepção da realidade. Assim ela representa uma cisão do homem com sua própria essência, dessa maneira, ilusoriamente o ser percebe-se desprovido dela. Então a religião evidencia-se como o ambiente de encontro com a verdadeira salvação. Nela se pode encontrar a essência que o homem ilusoriamente não percebe nele e que pode realmente perceber na pessoa de Deus o conteúdo objetivado. A expressão objetiva em Feuerbach tem um caráter especial pelo fato de poder ser explicado de maneira racional, uma vez que se sabe que a objetivação é a produção humana externa ao próprio homem.

Em Essência do Cristianismo, Feuerbach traz um exemplo onde analisa o papel simbólico da água, do vinho e do pão no cristianismo. A água é um produto natural essencial ao homem; o vinho e o pão são produtos naturais transformados pelo homem, obviamente, de fundamental importância para sua existência. Assim ele comenta: “adoramos na água a pura energia natural, (...) no vinho e pão a energia sobrenatural do espírito, da consciência, do homem” (FEUERBACH 1988, 315). A análise antropológica dessa citação eminentemente religiosa mostra que pela água se expressa a gratidão pela natureza; no pão e vinho, a gratidão pelo homem. Pode-se chegar à outra conclusão quando os fiéis adoram o pão e o vinho consagrados no altar. Naquele momento, conclui-se que é a expressão de adoração do homem como Deus e redentor do homem agente dos meios de produção. Como no marxismo o homem é o fundamento natural e essencialmente humano, portanto produto do próprio homem, pode-se observar que, através desse pensamento, Feuerbach abre as portas ao marxismo e sinaliza sua incisiva importância no pensamento de Marx.

Se para Hegel, alienação significava enriquecimento; para Feuerbach alienação possuía outra concepção. Sua concepção era eminentemente religiosa. Feuerbach afirmou que Deus era uma criação perfeita do homem, ou seja, de acordo com sua teoria materialista não poderia deixar que uma realidade externa ao mundo sensível pudesse subjugar a liberdade humana. Portanto, o homem objetivou-se na pessoa ilusória de Deus, concedendo a Ele suas qualidades essenciais como, por exemplo, amor, bondade, sabedoria, justiça. Tanto mais o homem concedia essas qualidades a Deus, tanto mais ele subtraia de si mesmo tais qualidades, isto é, enquanto Deus mais se enriquecia com os atributos dela mais o homem se empobrecia. Por conseguinte, a essência de Deus é a essência alienada do homem. A alienação não é enriquecimento, em Feuerbach, é empobrecimento. A libertação dessa fantasia faz-se necessária para que o homem possa recuperar sua essência humana alienada. Nesse caso, pode-se considerar que o homem é o Deus do homem.

“Para Hegel, alienação significava objetivação e enriquecimento. Tratando do Deus da religião cristã, Feuerbach dizia que era uma criação do próprio homem. O homem se objetiva em Deus e nele projeta suas melhores qualificações (...) tanto mais o homem empobrecia sua essência quanto mais Deus se enriquecia com os atributos dela. A essência de Deus é a essência do homem alienada”. (MARX 1989, XII).

Feuerbach tentou transformar a religião cristã na religião da humanidade. Não se pode negar, em uma visão antropológica, que a intenção dele foi de introduzir uma filosofia que primasse pela essência humana e considerasse o homem como o efetivo sujeito da história e não um objeto passivo das condições sócio-políticas. Agora o homem poderia sentir-se um verdadeiro ser livre e, por meio de sua liberdade, poder iniciar um processo de transformação, incluindo de seu ambiente social. O materialismo de Feuerbach tinha por objetivo apresentar a natureza humana genérica e realizadora de suas potencialidades na comunidade do gênero natural. Com o desenvolvimento do pensamento de Ludwig Feuerbach, Marx foi ao encontro dessa posição filosófica com bastante entusiasmo, embora introduzisse, nessa linha argumentativa, uma diferença fundamental do ponto de vista do pensamento marxista. Na sexta tese sobre Feuerbach, Marx contrapõe-se à idéia da natureza humana feuerbachiana.

(...) a consciência da natureza se ergue primeiro em face dos homens como uma força fundamentalmente estranha, onipotente e inatacável, em relação à qual os homens se comportam de um modo puramente animal e que se impõe a eles tanto quanto aos rebanhos; é, por conseguinte, uma consciência da natureza puramente animal (religião da natureza)”. (MARX e ENGELS 1989, 26).

Para ele, a essência natural do homem é o conjunto das relações sociais. Portanto, há uma condição prático-material em Marx que, posteriormente surgirá como definição, trará a economia como a verdadeira base de caracterização do pensamento humano. Marx demonstra acordo com Feuerbach no sentido de considerar a conformação corpórea natural como condição necessária do ser homem. Entretanto, tal condição não pode ser suficiente para a caracterização humana, pois, a humanização do ser biológico específico somente ocorre dentro da sociedade e pela relação social. Marx, conforme explicitação anterior, estava de acordo com Feuerbach no que se refere ao caráter natural do ser humano, contudo considerando-o uma força natural distinta, pois diferentemente dos animais, também guiados pelos instintos naturais, o homem é capaz de dominar as forças da natureza conforme sua necessidade e transformá-las através do trabalho. Por isso, que tal condição não se apresenta suficiente para demonstrar a natureza humana, embora não se possa negar essa ligação biológico-natural.

Por mais que se busque um desenvolvimento do pensamento feuerbachiano, não se terá senão por meio da análise da religião. Tanto é que posteriormente Marx desenvolve sua teoria envolvendo-se também com este tema, mesmo que com ele ganhe uma dimensão ideológica, tendo o homem descoberto a religião como forma de manipular o pensamento e estabelecer o pleno domínio de suas idéias.

Feuerbach, em uma de suas análises sobre religião, evidencia a incapacidade do ser divino de se situar na existência empírica, obviamente, comprovada pela experiência sensitiva. Este seria um ambiente propício para a revelação humana, uma vez que Deus habita os recantos mais expressivos da metafísica, ou melhor, na imaginação popular. Nesse caso, pode-se afirmar que Deus faz parte de uma existência formal, exterior à existência humana. Ora, concede-se a Ele uma existência superior à humana, pois refugia-se em um lugar distante do ambiente terreno e distante também do ser humano. Por isso, acentua-se um distanciamento real, mesmo que seja por obra da imaginação, onde haja uma relação de dependência e um lugar onde recorrer para se refugiar das adversidades da vida, sobretudo, no âmago de um ser (artificialmente) desprovido de qualidades essenciais que, em nada contribuem para o estabelecimento da harmonia social.

Se a religião concede amparo aos sofridos oriundos de uma relação social excludente ou simplesmente injusta, não haveria a necessidade de religião se a situação sócio-econômica fosse menos impactosa no sentido negativo da palavra. Talvez por isso, ela possua bastante importância na sociedade, pois a situação social em bastantes recantos do mundo não propicia uma qualidade de vida digna de atender às necessidades. A existência da religião é, evidentemente, um protesto contra um sofrimento real. As religiões refletem a situação em que se encontra o mundo. Moacir Gadotti sobre Marx escreve: “(...) mudar a estrutura social e econômica da sociedade. De nada adianta combater o efeito sem modificar a causa”. Portanto, o processo revolucionário por si apenas absorveria a religião, uma vez que, com a humanização dos meios de produção, toda estrutura social ficaria livre dos sofrimentos gerados pela exploração de classe. Com isso, a religião deixaria de existir pelo fato de não haver mais necessidade de pedir refúgio a nenhuma instituição metafísica. O homem sentir-se-ia na livre condição de procurar os melhores caminhos na consolidação da história.

Feuerbach pensa a dimensão subjetiva como uma dimensão não resolvida pelo homem religioso. A faculdade da imaginação atua no mundo subjetivo e, conseqüentemente, cria um mundo objetivo. Esse caminho da alienação supera qualquer oposição à irrealidade criada pelo homem religioso de sorte que, a partir dessa idéia, o mundo criado pela imaginação torna-se concreto, mais real do que a própria realidade. Como fazer para se libertar da auto-alienação do processo religioso subjetivo? Talvez a resposta esteja no resgate filosófico marxista. Este confere a observação da condição econômica como forma de produzir a própria existência para chegar à percepção da verdadeira realidade, para após esse momento, insurgir-se contra a estrutura ideológica a serviço do Estado burguês. Essa seria a forma de libertação da realidade irreal imaginada pelo homem objeto do verdadeiro objeto. A ideologia é realmente a responsável por tal inversão da ordem natural das coisas. Portanto, a crítica à religião é a crítica ao poder da ilusão e da ideologia. Não é nada além da crítica pela libertação.

Feuerbach propõe uma mudança no pensamento humano como forma de inverter efetivamente a desordem propiciada pelo processo ideológico. Para ele, apenas pela tomada de consciência o homem pode ordenar essa submissão a ponto de alcançar a libertação. Percebe-se que essa postura de Feuerbach confere ao homem a capacidade de libertação, ou melhor, de autolibertação pelo resgate da consciência humana a partir de uma postura crítica. O materialismo de Feuerbach mostra-se ingênuo nesse ponto, segundo a crítica do materialismo dialético. Crê-se, por isso, que o materialismo de Feuerbach é uma expressão de humanismo onde o homem situa-se no centro do movimento histórico e seu poder de mudança encontra-se na consciência.

O cuidado de Feuerbach em enfocar o homem não apenas em seu caráter subjetivo apresenta-se como outro ponto de convergência entre ele e Marx e que, para este, tornou-se um grande pilar para o desenvolvimento, sobretudo, do materialismo histórico. A consciência nesse contexto passa a ser real quando se percebe no outro a humanidade. Na realidade, o outro exerce a função essencial de humanizar seu reflexo, ou seja, no outro, o homem pode percebe-se, principalmente, nas incorreções e maus hábitos. Sem dúvida, pode-se afirmar que a presença do outro propicia uma humanização do homem. Feuerbach explica que o outro produz no homem a consciência de sua limitação, ou seja, começam-se a reconhecer as coisas fora de si. Em O Manifesto Comunista, em sua última linha, Marx conclama os proletários com a seguinte frase: “proletários de todos os países, uni-vos”. A convocação de Marx é a convocação da união dos homens em torno de uma causa única. Portanto, infere-se que o processo revolucionário contará primeiramente com a unificação das massas para posteriormente assumirem o controle do Estado e, finalmente, decretarem o falecimento deste.

Conquanto Feuerbach via o ser humano como ser antropocêntrico e ser para o outro, não havia ainda superado as outras expressões de materialismo. Ainda continuava concebendo o mundo sensível enquanto objeto ou intuição e não como atividade humana concreta, como a efetiva participação prática no processo histórico-revolucionário. O materialismo contemplativo de Feuerbach satisfazia-se enquanto teoria. Não visualizava a capacidade da dinâmica do processo histórico. Por isso, talvez fosse difícil conceber a possibilidade efetiva de transformação da realidade. Em Marx, o caráter da práxis é a axiologia do materialismo dialético. O ser, em Marx, é o ser para a prática. Não o ser conformado com a imutabilidade do mundo. Mas um ser que se reconheça como o motor da história.

Embora seja efetivamente responsável pelo materialismo que superou o mecanicista, o conceito de homem em Feuerbach é ainda abstrato, conceito biológico, puro ser da natureza:

“A consciência da natureza se ergue primeiro em face dos homens como uma força fundamentalmente (...) onipotente (...) em relação à qual os homens se comportam de um modo puramente animal e que se impõe a eles tanto quanto aos rebanhos; é, por conseguinte, uma consciência da natureza puramente animal (religião da natureza)”. (MARX e ENGELS 1989, 26).

Portanto, há uma característica fatalista, pois ser homem da natureza é ser passivo da história da natureza. As relações idealizadas, nesse caso, apresentam-se como relações eminentemente naturais. Não o que Marx e Engels desenvolveram como características humanas naturais, como as relações sociais.

O homem não pode ser passivo apenas pelo fato de revelar-se como um ser natural, visto que, embora Marx não desconsiderasse tal característica, mostrou que a qualidade mais latente no homem é justamente o fato dele transformar seu meio pelo trabalho. Ou seja, o homem relaciona-se com a natureza para extrair dela sua subsistência. Nesse caso, o homem não pode ser considerado passivo, pois possui o poder de transformação social pela natureza. Esse é, sem dúvida, o assunto, sobre o qual o próximo capítulo vai tratar de modo que se perceba quais os fundamentos teóricos responsáveis pelo corte epistemológico do pensamento marxista, bem como obter a compreensão da origem da formulação que modificou a maneira de pensar em diversos países no decorrer do século XX. Portanto, os conceitos de materialismos marxistas evidenciarão, de fato, a consonância entre o pensamento do jovem Marx e sua abstração sobre a realidade pela qual sua sociedade contemporânea passava.

CAPÍTULO 2


2.0 – A FORMULAÇÃO MATERIALISTA EM MARX


O materialismo em Marx deve ser cuidadosamente analisado, visto que, a partir dessa formulação, ele inaugura o processo de emancipação de seu pensamento, ou seja, é este ponto que representa a mudança do pensamento ideológico para o pensamento científico. Ademais de estabelecer uma doutrina eminentemente própria, rompe, em tese, com quase todas as linhas filosóficas que o precederam, mesmo pelas quais Marx demonstrou intensa admiração. Na realidade, não se poderia analisar o corte epistemológico no pensamento de Marx sem abstrair sua efetiva essência, a concepção materialista marxista.


2.1 – O materialismo dialético

Marx observou em Hegel, a partir da evolução dialética, que a história é caracterizada pelo dinamismo, isto é, o presente é uma das etapas da transformação da história. Por meio da tese, antítese e síntese, explicitaram-se as contradições internas à realidade. Para Marx, também a história busca um constante aperfeiçoamento através do eterno movimento. Ele não acreditava na idéia absoluta de Hegel por dois grandes motivos: o primeiro associa-se a uma valorização excessiva à metafísica, ou seja, o motor de toda movimentação estaria reduzido à crença na idéia, portanto, desconsiderar-se-ia o verdadeiro valor humano neste processo. Aliás, segundo Marx, a idéia não seria senão predicado do homem. Todavia, não se pode minimizar a importância do pensamento como forma de dinamizar a história. Ela exerce a função auxiliar do homem nesse caminho, que se iniciaria pela interação entre ele e os meios de produção. O segundo motivo seria uma contradição da própria filosofia hegeliana, uma vez que, se houvesse efetivamente uma idéia absoluta, chegar-se-ia, em algum momento da evolução da história, à estaca zero do processo evolutivo, à própria idéia absoluta. Ora, se a história é dinâmica e esse for seu verdadeiro caráter, não haveria a possibilidade de culminar em uma idéia absoluta, marco zero da evolução, pois, nesse momento, não haveria mais como evoluir, uma vez que se estaria defronte para uma estaticidade absoluta.

“por outro lado, o processo de abertura, o diálogo, coloca-se como uma das características mais importantes de nosso tempo. O diálogo nasce da necessidade de abandonar-se uma atitude rígida. Nada mais prejudicial e anticientífico do que a intransigência pela intransigência. A dialética nos ensina que a ciência só evolui com a condição de superar a si mesma”. (MARX 1985, 8).

Portanto, para Marx, o motor desse movimento é a contradição que existe em tudo. Não se pode limitar o conceito de contradição à ingênua visão de oposição, pois a contradição traz marca de transformação profunda. Como a que ocorre com a semente. No primeiro momento, ela é apenas uma semente, posteriormente sente a necessidade de se negar como semente para admitir a possibilidade de vir-a-ser uma árvore, por exemplo. Nesse caso, percebe-se uma contradição interna profunda no processo de evolução da semente. Esse movimento perpétuo conduz Marx a desenvolver uma filosofia, não como síntese do pensamento hegeliano, pois havia uma diferença significativa conforme este trabalho explicitou, tal filosofia é chamada de materialismo dialético.

Partindo da concatenação de idéias como as apresentadas por esta seção, percebe-se que não há sociedade, fenômeno ou valor que se apresentem imutáveis, permanentes, pois efetivamente o desaparecimento do velho concede lugar ao novo. Daí Karl Marx desenvolve a idéia de que, por meio da análise das contradições internas do sistema capitalista, ele será superado por outro sistema que, sobretudo, seja mais solidário ao ser humano. Para ele, tal sistema teria de ser o comunista para que também sua teoria não incorresse no equívoco de cair na contradição de não poder ser superada. Por isso, Marx afirma que, com a queda do sistema capitalista, o sistema socialista eliminará progressivamente os pontos que conduzem os seres humanos à miséria. Logo após esse processo, o Estado socialista seria superado, também como por uma antítese, chegando a uma sociedade efetivamente comunista. Assim, o motor do processo histórico seria impulsionado, conforme se pode analisar pelo momento de ascensão do capitalismo como sistema vigente no mundo, superando o sistema feudal. Dessa constatação, decorre o princípio fundamental do método dialético: tudo se transforma.

Como tudo se modifica, sendo o ser humano o verdadeiro agente dessa transformação, por meio da substituição ocorrida no processo econômico, o que dá efetivamente condições de transformação social, ele também se modifica pelas alterações na sociedade. Ou seja, o homem tem a capacidade inata de poder realizar-se naquilo que ainda não é, pois ele faz parte do processo de cambio por ser um elemento material. Talvez se possa crer, tendo em vista a análise da evolução eterna, no conflito existencial vivenciado pelo homem em seu íntimo e, a partir daí, reconhecer a importância da abstração que se pode fazer do mundo. Pois, a visão de mundo de que tudo se transforma baseia-se no aspecto de que a realidade é inacabada, e revela o conflito que existe em seu interior.

“Aqui temos outra categoria: a contradição entre aquilo que é (tese) e aquilo que ainda não é (antítese), mas pode vir a ser (síntese). A contradição mostra que o inacabado é fundamento da transformação: ela é o princípio básico do movimento que permite aos seres existirem e modificarem-se.” (GADOTTI 1989, 62).

Portanto, pode-se afirmar que a dialética evidencia as contradições internas. Para percebê-las, é necessário que se busque desenvolver uma análise de reflexão que perpasse à realidade aparente, pois a verdadeira realidade somente surge se se observarem as contradições de algo que insiste em se esconder. Ela não se dá como os entes subsistentes. Talvez aparentemente ela se mostre dessa maneira, mas o reconhecimento efetivo parte do exercício de uma análise profunda nas circunstâncias que envolvem sua existência. Após a percepção das contradições internas evidenciadas pela dialética, ter-se-á a constatação de que serão sempre superadas por novas contradições, como se fosse um constante processo de permanente movimento de superação. Esse processo trará a idéia de que, dessa maneira, a humanidade estará em constante evolução.

Todo esse processo de evolução da história contribui para que se eleve à reflexão o pensamento de Sócrates quando este instituiu um dos pontos mais conhecidos de sua dialética: “Sei que nada sei”, o não-saber socrático. Talvez se pergunte a lógica da concatenação dos pensamentos filosóficos de Hegel e de Sócrates. Ora, se realmente Hegel e Marx, considerando a funcionalidade da dialética no pensamento moderno, estão corretos ao afirmarem que tudo se transforma, então, pode-se afirmar que enquanto mais se sabe, mais se tem certeza de que não se sabe. Pois, se o saber é a tese, o não saber é sua antítese. Nesse caso, o aprender seria a síntese ou apenas a negação da negação. Por isso, Marx, em seus escritos, demonstra valor ao conhecimento da estrutura econômica, pois, a partir dele, chegar-se-ia ao efetivo conhecimento da estrutura social. E daí, pode-se iniciar a mudança necessária para a busca do bem-estar social.

Se, para o pensamento marxista, há eternas contradições internas na sociedade de classes, e para essa afirmação Marx fez um estudo das relações sociais ao longo do decurso histórico, deve-se haver uma exigência de superá-las, pois de que adiantaria apontar as contradições a partir do verdadeiro sujeito das transformações sociais se ele não fosse capaz de introduzir mudanças profundas de modo que se assegure a transformação? O homem precisa relacionar-se com o meio social, buscando o conhecimento das relações econômicas a fim de perceber suas contradições e superá-las. Marx posteriormente falará que tal superação apenas ocorrerá de fato se a classe subordinada se unir em um processo revolucionário para submeter a classe burguesa por meio da apropriação do Estado e, por conseqüência, dos meios de produção. Ou seja, apenas haverá mudança se for através da luta de classe. Essa luta de classe far-se-á essencial pelo simples fato de que a classe dominante não abrirá mão da propriedade privada por misericórdia dos explorados. Seria uma reprodução da teoria da Evolução das Espécies, uma forma de darwinismo social.

“Marx (...) admitiu que, num primeiro momento de exercício da liberdade do proletariado, com a classe trabalhadora no poder, deveriam ser feitas reformas sociais para beneficiar igualmente a todos, o que desagradaria aos que detinham privilégios no regime anterior. Para fazer essa alteração deveriam ser empregadas todas as forças possíveis. Na expressão de Marx, esse período de transição, que se pretendia curto, é chamado de ditadura do proletariado. (GADOTTI 1989, 91).

A superação das contradições internas da sociedade é uma forma do homem agir dialeticamente em clara resposta ao tipo de materialismo naturalista de Feuerbach, onde o ser humano surgia como um ser literalmente estático e produto da natureza. O homem em Feuerbach não se encontrava provido de dimensão, situava-se externamente à sociedade, pois não exerce seu caráter de sujeito, apenas era visto como predicado da natureza. Entretanto, não se pode negar a característica revolucionária do materialismo em Feuerbach, pois nele o homem encontra-se como o centro da existência. Em Marx, o homem, além de se perceber e perceber sua realidade, possui plenos poderes transformadores, ou seja, exerce função ativa do processo de transformação social, sem se esquecer de que tal atitude é decorrente do domínio da base da estrutura social, a economia.

Portanto, pode-se perceber que, no materialismo dialético, tudo se relaciona a tudo e tudo está em constante transformação, ou melhor, tudo se relaciona a tudo para evidenciar sua condição de evolução. A luta dos contrários movimenta a evolução do pensamento e da realidade – a materialidade do mundo. Revela que a materialidade precede a consciência e, portanto, a vida espiritual da sociedade é eminentemente reflexo da vida material.



2.2 – O materialismo histórico


Evidenciar o movimento histórico das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais é a intenção da teoria científica de Karl Marx, o materialismo histórico. Talvez se possa perguntar qual a importância exercida pelos fatos materiais para se chegar ao pleno conhecimento da base do materialismo histórico. Na realidade, analisar os fatos materiais é justamente perceber o movimento econômico e técnico como pressuposto essencial, como base dos meios de produção, ou seja, como interlocutores entre os homens, a natureza e, novamente, os homens. Esse apontamento dar-se sempre considerando a coletividade, a inter-relação entre os entes humanos. Obviamente não se pode renegar a importância considerável dos entes subsistentes para a humanização da relação em seu meio social.

Portanto, há a necessidade de se fazer uma distinção básica para se compreender como ocorre a formação das três camadas sociais: 1ª Condições naturais de produção – apresentam-se como recursos naturais preexistentes à própria sociedade. É a partir delas que se percebe claramente o modo como o homem interage com a natureza, ou seja, o constante diálogo entre o ente humano e o ente subsistente. A natureza é natureza para o homem, pois dela retiram-se as condições de efetivação da subsistência; 2ª Forças de produção – a resposta do homem para o convite feito pela natureza. É o contato físico realizado pelo homem com objetivos de cultivar a natureza para fins de subsistência social, além de manifestarem-se como recursos utilizados para extrair da natureza a resposta da vida e instaurar os meios de produção, além de estabelecer a vida em sociedade; 3ª Relação de produção – fracionamento do trabalho, a partir daí surge a nomenclatura de trabalho intelectual. Também se pode considerar a relação de trabalho como instituição da propriedade privada.

A distinção das camadas sociais como a visualização do funcionamento social a partir do modo de produção apresenta o movimento histórico como impulsionado pelo conflito de classe, sobretudo, com o advento da relação de produção. O materialismo histórico visa analisar a dialética, ou o materialismo dialético, dentro da percepção da evolução da história. Revela que as relações sociais partem do modo como o homem relaciona-se com a natureza e o modo como ele promove as relações sociais. Portanto, é a partir da economia que se pode, segundo Marx, conferir o comportamento humano no decorrer da história da humanidade. Também parte da análise econômica, em cada época da história, a compreensão do pensamento humano. Segundo o sociólogo e filósofo Frei Betto, “(...) a cabeça pensa onde os pés pisam”. Em uma alusão à determinação do ambiente material como formador da consciência humana. Dentro dessa análise, pode-se perceber um claro discurso direcionado ao pensamento marxista pelo fato de exaltar o caráter material para a construção da formulação intelectiva. Isso pode ser evidenciado principalmente no contexto histórico, no qual Marx se situava. A Revolução Industrial foi o fato histórico brutalmente nocivo às condições humanas na relação social. Os trabalhadores eram reduzidos à qualidade de bichos em uma destoante distinção de classe. O que propiciou um ambiente favorável ao desenvolvimento de pensamento eminentemente dialético que buscasse resgatar a dignidade humana subtraída pelo modo de produção. Marx, em seu livro “O Manifesto Comunista” conclama os trabalhadores do mundo inteiro a se unirem a fim de subverterem o domínio dos burgueses e fundarem um Estado efetivamente dominado pelos proletários. Essa atividade prática estimulada por Karl Marx e Friedrich Engels partiu de uma análise material, do ponto de vista econômico, para se transformar historicamente a sociedade. Pode-se afirmar que tal análise é dialética e empregada a partir da compreensão histórica da luta de classe.

“Os comunistas desdenham ocultar suas opiniões e metas. Abertamente, declaram que seus fins só podem ser atingidos pela derrubada violenta de todas as condições sociais existentes. Que a classe governante trema frente à revolução comunista. Os proletários nada têm a perder fora suas correntes. Têm o mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!”. (MARX e ENGELS 2003, 63).

Marx, em pleno desenvolvimento do materialismo histórico, divide a sociedade em níveis: infra-estrutura e superestrutura. A infra-estrutura é a base das estruturas sociais. Engloba as relações do homem com a natureza no esforço de produzir a própria existência e as relações dos homens entre si. Portanto, a infra-estrutura é efetivamente a base econômica, pois, para Marx, a economia é a voz primeira no estabelecimento das relações sociais e elemento fundamental do pensamento humano. O segundo nível é o da superestrutura. Sua existência é precedida pela base econômica, portanto, sua formulação parte do modo de produção. Talvez por isso, possa-se sugerir que a superestrutura esteja a serviço da classe dominante, uma vez que ela é quem se apropria da base social e, por conseguinte, busca estabelecer o efetivo domínio da sociedade para preservar sua própria existência. Marx afirma que a superestrutura é composta pela estrutura jurídico-política e pela estrutura ideológica. Ou seja, a classe social dominante apropria-se da estrutura ideológica do Estado para oficializar seu domínio sobre a outra classe, que, inclusive, é submetida por ela. Mais à frente, ele associa a existência do Estado como manobra da classe burguesa de legalizar sua existência. Portanto, em Marx, tem-se a certeza de que tanto o Estado quanto o Direito foram instituídos a fim de que fosse assegurada a subordinação da classe proletária à classe burguesa. Essa relação encontra-se tanto em nível jurídico quanto em nível ideológico.

“Toda sociedade, ademais de possuir uma estrutura econômica e uma estrutura ideológica determinadas, possui um conjunto de aparatos institucionais e normas destinadas a regulamentar o funcionamento da sociedade em seu conjunto. Estes aparatos institucionais e normas constituem a estrutura jurídico-política da sociedade e formam parte de sua superestrutura”.
As formas destes aparatos institucionais, sua importância e os princípios normativos variam em relação com a estrutura econômica que lhes serve de base.
Nas sociedades de classe, o jurídico-político está assegurado por um aparato autônomo: o Estado, que monopoliza a “violência legítima” e cuja principal função é manter abaixo à sujeição da classe dominante todas as outras classes que dependem dela”. (HARNECKER 1973, 112).2

Então, pode-se concluir que Marx, por meio da divisão social em níveis, estabelece conseqüentemente uma espécie de determinismo econômico, visto que a economia, no marxismo, é a responsável pelo comportamento social, cultural, político e ideológico. Assim,
fica evidente que a infra-estrutura atua sobre a superestrutura, sobre os reflexos desta, embora, em última instância, sejam os fatores econômicos as condições finalmente determinantes.

As concepções que surgem na arte, na filosofia, no direito, na ciência, na literatura e na moral são verdadeiramente frutos do modo de produção econômico. Existem numerosos exemplos no desenvolvimento do processo evolutivo da história. Dentre muitos, o exemplo da valorização da fidelidade moral na sociedade medieval pode ser aclarada pela relação de produção determinante da divisão social em suserania e vassalagem. Sem a ideologia da fidelidade, existente pela relação econômica, não haveria relação de produção. Outro exemplo fundado na história contemporânea revela que o modo de produção capitalista, visando satisfazer a crescente produção em escala, propaga a ideologia do consumismo como valor, inclusive de inserção social, objetivando aumentar o capital e modernizar ainda mais a indústria.

Segundo Maria Arruda Aranha, em seu livro Introdução à Filosofia, o comportamento social corresponde de fato ao interesse desenvolvido pela classe que domina os meios de




2 “Toda sociedad, además de poseer una estructura económica y una estructura ideológica determinadas, posee un conjunto de aparatos institucionales y normas destinadas a reglamentar el funcionamiento de la sociedad en su conjunto. Estos aparatos institucionales y normas constituyen la estructura jurídico-política de la sociedad, y forman parte de su superestructura.
Las formas de estos aparatos institucionales, su importancia y los principios normativos varían en relación con la estructura económica que les sirve de base.
En las sociedades de clases, lo jurídico-político está asegurado por un aparato autónomo: el Estado, que monopoliza la “violencia legítima” y cuya principal función es mantener bajo la sujeción de la clase dominante todas las otras clases que dependen de ella”. (HARNECKER 1973, 112).

produção a fim de que pudesse legitimar suas ações em benefício de assegurar sua condição de classe dominante. Em um fragmento de seu livro citado acima, ela diz:

“ (...) do ponto de vista do direito, num mundo cuja riqueza é a posse de terra, considera-se ilegal (e imoral) o empréstimo a juros. Já na Idade Moderna, com o advento da burguesia, o trabalho é valorizado e, conseqüentemente, critica-se a ociosidade; também ocorre a legalização do sistema bancário, o que exige a revisão das restrições morais aos empréstimos”. (ARANHA 1994, 241).

Ora, percebe-se então que para se estudar a sociedade, deve-se analisar, apenas por meio das contradições internas em seu momento histórico, a forma como o homem produz os bens materiais necessários à vida. É analisando a relação existente entre o homem e a natureza que se perceberá a importância do desenvolvimento da economia, para, a partir daí, modificar a sociedade por meio do trabalho. A percepção verdadeira do homem e de sua estrutura social apenas poderá ser compreendida, assim como compreender seu comportamento histórico, se primeiramente se observarem as forças de produção, pois é considerável que o homem é, se o seu trabalho lhe é; ao contrário, o homem não se reconhecerá se o seu trabalho não for.



2.2.1 – A infra-estrutura


Conforme conteúdo estudado na seção 2.2, materialismo histórico, sobre a qual este trabalho tratou, a infra-estrutura constitui-se na base econômica da organização social, determinante em relação ao segundo nível. Sendo o nível econômico, e a economia a base da organização social, tem-se na infra-estrutura a inter-relação entre as condições naturais de produção e as forças de produção, ou seja, entre a natureza e o homem para que, desse intercâmbio, possam-se retirar os produtos com os quais a sociedade conservará a existência de seus membros. Ora, se a economia é a base do modo de produção, tudo será conseqüência da organização dos meios de produção, sobretudo, o modo como o ser humano conceberá seu pensamento. Analisa-se, portanto, o comportamento dos escravos no Ocidente na Idade Antiga. Como escravo não possuía parte dos produtos obtidos pela sua produção, eles não se empenhavam para que a ela fosse sempre em um volume intenso, visto que, de qualquer maneira, estariam recebendo o mesmo tratamento de antes. Por isso, pensavam de acordo com a relação econômica, na qual estavam submetidos. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se inferir que a transição entre Idade Antiga e Idade Média trouxe uma mudança na concepção dos trabalhadores, que deixaram a condição de escravos. Portanto, a produtividade aumentou, segundo referência de Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil. Ora, a conseqüência refletiu-se na transformação das relações sociais, uma vez que os escravos ganharam a liberdade e uma parte dos meios de produção, denotando um empenho significativo na produção dos trabalhadores. Tal relação ficou conhecida na Idade Média por relação de suserania e vassalagem.

Com o advento do acumulo de produção no final da era medieval, houve uma outra transformação na estrutura social culminando na transição do feudalismo para o capitalismo mercantil. Ora, essa mudança na estrutura dos modos de produção gerou uma transformação também na estrutura social, sobretudo, considerando-se um crescente avanço da miséria pelo mundo, além de doenças e condições subumanas de vida em sociedade. Apesar disso, houve modificação e o surgimento de outro modo de produção, o chamado processo de manufatura, conforme a citação de Marx no livro A ideologia alemã: “A divisão do trabalho entre as diferentes cidades teve como primeira conseqüência o nascimento das manufaturas, ramo da produção que escapa ao sistema corporativo”.

O ritmo de produção fez com que muitas famílias enfrentassem a conseqüência da miséria quando milhões de pessoas foram excluídas dos meios de produção. Mais uma vez se pôde comprovar a determinação da economia como efetivação do comportamento do homem na sociedade, ou seja, o modo de pensar foi influenciado pelo modo de produzir. Tanto Marx examinou cuidadosamente que se pode associar a isso o fato desses tecelões terem transformado seu pensamento de acordo com o aumento de produção e a previsão de ascensão nos negócios ou, quem sabe, sonhavam com a consolidação de uma classe ainda mais forte e estruturada. Mas nem sempre as condições eram favoráveis para os artesãos, pois, com o fim do feudalismo, não havia perspectiva de vida entre as recém-criadas cidades, pelo fato de as relações de produção haverem sofrido modificações profundas em suas estruturas, de acordo com Marx ainda em A ideologia alemã: “O começo das manufaturas foi marcado ao mesmo tempo por um período de vagabundagem, que está ligada exatamente à decomposição do feudalismo”.

Em pouco tempo, a produção das manufaturas intensificou-se bastante de modo que se iniciou uma distribuição de produtos a todo mercado interno, na Alemanha, e aos mercados externos. O que, inicialmente era causa de angústia e receio, tornou-se um rentável comportamento que estabeleceu mudanças profundas na organização social e no pensamento humano. A expansão do comércio e da manufatura acelerou a acumulação de capital móvel e a fundação da grande burguesia. Na Inglaterra, a concentração do comércio e da manufatura mais intensamente em um único país, considerando-se a evolução desse modo de produção no decorrer de todo século XVII, criou progressivamente, para esse país, um mercado mundial relativo e suscitou grande demanda dos produtos ingleses manufaturados incomparáveis dentro do processo de produção do capitalismo primitivo. Com isso, tem-se o surgimento do processo de consolidação da industrialização, ou seja, como fato mais que precursor e motivador da Revolução Industrial.

A Revolução Industrial teve intenso desenvolvimento no século XIX, portanto, período em que Karl Marx viveu na Alemanha, contudo, por meio de sua emigração para Inglaterra e sua grande parceria com Friedrich Engels, um forte industrial, ele pôde perceber as conseqüências verdadeiras da industrialização. Marx estava mais seguro do que nunca que tal evolução econômica possibilitou todas as mudanças percebidas na modificação social, até o desenvolvimento de seu pensamento foi motivado pela relação material, na qual estava incluído. Uma das três características do capitalismo mercantil, o protecionismo, portanto apenas uma abstração teórica, teve procedência na base econômica situada bem no axial processo de evolução da manufatura. Talvez essa fosse a grande diferença que tenha impulsionado o fortalecimento da Inglaterra em seu desenvolvimento, pois, se dispensasse o protecionismo, sua economia poderia tornar-se frágil diante de qualquer influência doméstica que mercadorias de outros países pudessem oferecer. Novamente a força da estrutura econômica fez com que as estruturas sociais de outros países tivessem que se adequar à atual prática de mercado. Com isso, as sociedades mais fortes consolidavam-se como verdadeiros impérios econômicos em detrimento da fraqueza de muitos países de débil competitividade. As conseqüências sociais para a população desses países tornaram-se mais acentuadas. Nos países desenvolvidos, a situação social era mais confortável, ao passo que, nos países subdesenvolvidos, a situação, muitas vezes, beirava ao verdadeiro caos.

De volta para o ambiente micro, ou seja, para a sociedade específica, embora tenha uma relação direta com a realidade macro, a distribuição do produto social, para os trabalhadores responsáveis pela efetiva produção, depende da distribuição prévia dos meios de produção, uma vez que, no modo de produção, os proprietários entram com a estrutura física e equipamentos e os trabalhadores entram com a mão-de-obra, ou seja, o capital da força de produção. Nessa relação, os capitalistas, por serem donos dos meios de produção, sentem-se no direito de se apropriarem da maior parte do capital produzido, produzido pelos trabalhadores, os quais recebem apenas o salário. O que faz com que o capitalista aproprie-se de mais capital para aumentar a produtividade e a qualidade da produção, mesmo que para isso tenha de dispensar mão-de-obra humana qualificada. Marx chamava atenção para o processo de acúmulo de capital por parte do dono dos meios de produção pelo simples fato de que o dinheiro acumulado foi produzido pelo trabalhador, entretanto, o capitalista apropria-se dele como se na verdade lhe pertencesse.

“O salário corresponde apenas ao valor da força gasta pelo trabalhador; o trabalhador não recebe o correspondente à riqueza gerada pelo seu trabalho. Há um valor criado a mais, que não é pago a quem o criou: é a mais-valia. Percebe-se que o trabalho humano é o único capaz de produzir mais valor do que a energia gasta na produção. O problema é que esse excedente não fica para quem trabalhou” (GADOTTI 1989, 69).

Por exemplo, se um trabalhador produz cadeira e cada cadeira produzida custasse R$ 200 e seu salário fosse R$ 1.000, ele precisaria produzir apenas cinco cadeiras por mês para exercer plenamente a função para a qual foi contratado. Todavia ele produz vinte cadeiras por mês, o que gerará ao capitalista um valor de R$ 4.000 ao mês. Se se retirar o custo de matéria-prima, mais os custos com o processo de produção e o custo com o salário, o dinheiro livre de todo ônus será estimado em R$ 2.500. Isso seria o mesmo que afirmar que R$ 2.500 produzidos pelo trabalhador, portanto pertenceria a ele, ficassem para o capitalista. Ou seja, o trabalhador seria explorado em R$ 2.500 por mês ao passo que o dono dos meios de produção construiria sua fortuna em cima da desgraça do trabalhador. A esse tipo de prática, Karl Marx chama de mais-valia.

Se, como nesse exemplo, o trabalhador tivesse participação dos meios de produção, seria, sem dúvida, tão beneficiado pelo seu trabalho como o próprio capitalista. Portanto, segundo Marta Harnecker, em seu livro Los conceptos elementares del materialismo histórico, dizia que:

“(...) a distribuição do produto social depende, portanto, de uma distribuição prévia dos meios de produção. É a forma em que hão sido distribuídos os meios de produção (elementos do processo de produção (elementos do processo de produção) o que determina fundamentalmente a forma na qual será distribuído o produto social”.3


Esse fragmento, no dizer de Harnecker, evidencia, conforme toda a exposição nesta seção, que apenas haverá relação de distribuição dos produtos, tanto os de consumo individual quanto os de consumo produtivo, se houver participação dos trabalhadores na relação de produção. Seguindo essa análise, pode-se considerar que a teoria marxista considera as injustiças sociais e as condições subumanas de vida em sociedade reflexo da distinção de classe. Quando se dividiu a sociedade em duas classes, uma tornou-se favorecida pelo fato de a outra ser desfavorecida, ou seja, apenas há exploração se houver explorador. Consoante a dialética marxista, tendo em vista o processo econômico em cada época da história, a luta de classe é o fator essencial para fazer com que os trabalhadores cheguem aos meios de produção, uma vez que os capitalistas nunca permitirão que eles cheguem de maneira pacífica, pois isso implicaria, para os capitalistas, abrir mão de sua condição privilegiada no processo de relação econômico-social.




3 “la distribución del producto social depende, por lo tanto, de una distribuición previa de los medios de producción. Es la forma en que han sido distribuidos los medios de producción (elementos del proceso de producción) lo que determina fundamentalmente la forma en la que será distribuído el producto social”. (HARNECKER 1973, 114).

2.2.2 – A superestrutura


Como foi visto na seção da infra-estrutura, a economia, na concepção marxista, faz-se à base das relações sociais, tendo a superestrutura como reflexo daquela, sobretudo, no que se refere à formulação de cunho político-ideológico. Na realidade, pode-se perceber que a classe burguesa, dona dos meios de produção, necessita criar uma linha de pensamento que contribua para se manter no controle das relações de produção, além de desfazer qualquer resistência, que possa representar contestação social, no sentido de conter o desenvolvimento de seu objetivo. Por isso, vive-se hoje, por conseqüência da estruturação de um pensamento ideológico, crendo em conceitos eminentemente conservadores do ponto de vista da classe dominante, aliás, a fim de conservar no controle do Estado a classe dominante e, se possível, fazer desse ideal uma aceitação naturalizada.

A superestrutura, no nível político-ideológico, subdivide-se em: estrutura jurídico-política e estrutura ideológica. Embora haja esta subdivisão, a superestrutura pode ser considera exatamente de cunho ideológico no sentido de ser uma abstração com objetivos de estabelecer seu pensamento como um pensamento eminentemente universal. Não é difícil se perceber sua influência, sobretudo, nos dias de hoje, mesmo que os meios de comunicação e o acesso às informações sejam bem desenvolvidos. Entretanto, sabe-se que a economia na atualidade exerce grande influência no pensamento moderno, a conseqüência talvez seja a devoção de uma fé bastante forte na relação econômica.

O primeiro nível da superestrutura designa, portanto, a estrutura jurídico-ideológica. Essa estrutura corresponde à resposta ao movimento da história, de acordo com a discussão da seção anterior, sendo movida pela relação econômica até impulsionar a transformação social. Ora, tendo como causa a transição entre o feudalismo e o capitalismo mercantil, a sociedade deixou de ser organizada em feudos e passou a ser organizada em pequenas cidades comerciais. O caráter de descentralização política, típica do feudalismo, após a transição, também foi sendo substituído paulatinamente pelo centralismo de poder geográfico, germinando, assim, os Estados de direito. Não se pode negar o cuidado de Karl Marx em desenvolver seu pensamento, por isso, observando os movimentos históricos, ele quis buscar uma justificativa para revelar a verdadeira intenção da consolidação do Estado. Marx afirma, em seu livro A ideologia alemã, que a formalização do Estado é decorrente da necessidade que a classe burguesa encontrou para legitimar a sua apropriação da propriedade privada. Portanto, uma estratégia político-ideológica de estabelecer o domínio “legítimo” sobre a classe trabalhadora. Nesse caso, como em tantos outros, a superestrutura é, sem dúvida, reflexo da estrutura econômica, pois a motivação no controle dos meios de produção, além de buscar a ânsia pelo acúmulo de capital, conduziu a burguesia a inferir uma jogada estratégica e se estabelecer no domínio do Estado.

“Por ser uma classe e não mais um estamento, a burguesia é obrigada a se organizar no plano nacional, e não mais no plano local, e a dar uma forma universal aos seus interesses comuns. Com a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e os seus interesses, tanto externa quanto internamente”. P 69/70

Assim, a efetiva função do Estado é nitidamente a de legitimar a propriedade privada, cuja classe burguesa seria a favorecida. Marx afirma, no mesmo livro citado acima, que a burguesia inglesa buscou no direito romano princípios do direito imobiliário para efetivar o projeto da conservação do poder econômico.

“(...) na Inglaterra, tiveram que introduzir princípios do direito romano (particularmente para a propriedade mobiliária) para continuar aperfeiçoando o direito privado (não esqueçamos que o direito, do mesmo modo que a religião, não tem uma história própria)”. Pg 71

Ora, pode-se falar ainda nas diversas mudanças, ou melhor, nas diversas formas de troca como, por exemplo, a privatização da educação, a privatização da saúde, talvez a legitimação da indústria bélica etc. como forma de desenvolver outras ramificações do direito para legislar sobre tais assuntos, ao mesmo tempo em que auxilia o estabelecimento do ideal burguês de administração do Estado. Nesse caso, o direito foi regularmente obrigado a integrá-las nos modos de aquisição da propriedade. Portanto, para Marx, evidentemente o direito também está a serviço da classe dominante a fim de conservar a estrutura favorecendo seus projetos de atuação sócio-econômica. Observa-se que a análise marxista conduz à interpretação de que o direito, então, pertence realmente à superestrutura. A partir dessa linha de pensamento, pode-se concluir, segundo Jacob Gorender, que, com Marx, pela primeira vez na história das idéias políticas, o Estado deixou de ser conceituado como entidade representativa dos interesses gerais e comuns da sociedade.

A afirmativa de Marx em seu livro A questão judaica de que a religião é o ópio do povo reforça a idéia de que a classe dominante vale-se de diversas ramificações para conservar a atuação do Estado em benefício próprio, talvez por isso, pode-se conceber a idéia de que o Estado não é eminentemente natural, ao contrário, a sociedade civil surgiu anteriormente ao Estado, portanto, realmente ele é uma criação da sociedade civil. E como a religião integrava o Estado, e hoje ainda o integra, mesmo que de forma sutil, crê-se que ela exerça a função de comandar os devotos a conceberem a idéia de que a diferença de classe, ademais de algo natural, é indubitavelmente divino. Não apenas a distinção de classe, mas o enriquecimento não provém do mal, assim como a miséria também não. Segundo a crença, provêm de uma força natural, como se houvesse a possibilidade de se ganhar em uma loteria biológica.

Como foi visto na seção referente ao pensamento de Feuerbach, a religião promove a alienação do homem de seus principais atributos. Portanto, o homem não consegue visualizar determinadas qualidades como efetivamente suas pelo fato de se encontrarem externas a si. Não se percebendo, o homem também não pode perceber a realidade que circunda sua existência, passa, então, a compreender uma realidade que, na verdade, é uma irrealidade. Ou seja, o homem não consegue perceber a verdadeira intenção ao professar sua compreensão em algo abstrato.

“Toda essa situação caracteriza a alienação. Alienar-se quer dizer separar-se (de si mesmo, do produto do seu trabalho), tornar-se estranho, viver passivamente, como objeto. A alienação começa quando o objeto que o trabalhador produz passa a ser fonte de lucro para outra pessoa, deixando de ser um meio de subsistência direta e uma forma de enriquecimento da personalidade para ele”. (GADOTTI 1989, 41).

A outra subdivisão da superestrutura encontra-se em nível ideológico. Nos dizeres de Moacir Gadotti, para Marx, ideologia encontra-se no sentido de mentira, interesse, ocultação e mistificação. Portanto, Marx dizia-se um ser antiideológico. Ele combatia a ideologia, pelo fato de que ela representa uma visão bastante parcial, talvez dogmática, ou quem sabe, tenha visto nela uma forma de alienação. Embora, além disso, significasse a visão da classe dominante difundida pelo Estado, e por seus segmentos, a fim de manipular o pensamento da classe trabalhadora e induzir toda população às idéias que a favorecesse. A burguesia apropria-se, principalmente nos dias atuais, dos meios de comunicação para estimular ao consumo. Ora, pode-se evidenciar o grau de poder que as propagandas ideológicas exercessem sobre os cidadãos de modo que o exercício de utilização do senso crítico fica em segundo plano, pois é muito mais atraente acolher tal oferta, seduzido pelas ilusões oferecidas, além de servir de auto-afirmação ou de efetivo processo de inserção social.

“(...) em conseqüência disso tudo é que a classe dominante impôs seu ponto de vista particular sobre toda a sociedade, como se fosse um ponto de vista natural e adequado a todos os homens. Os dominadores se utilizam do poder político que se concentra no Estado para impor suas idéias, sua ideologia, que funciona como um disfarce da exploração. Dessa forma, a classe dominante exerce um poder político-econômico porque detém os meios de produção de mercadorias, além de um poder cultural que a torna capaz de impor sua visão de mundo particular. Assim, nasceram a propriedade privada, o Estado a serviço de uma classe e a ideologia mistificadora”. (GADOTTI 1989, 51).

Entretanto, conquanto não se possa negar que os elementos da superestrutura estejam direta ou indiretamente ligados às mudanças operadas na infra-estrutura, eles têm autonomia relativa e seu desenvolvimento encontra-se regido por leis específicas. Se essa certa autonomia fosse negada, talvez nunca pudesse haver um domínio da classe trabalhadora dos meios de produção, ou seja, o sonho de revolução parte da condição material em uma correspondência imediata à teoria. Ou ainda, por exemplo, a filosofia não pode ser explicada pura e simplesmente a partir do desenvolvimento econômico, pois pode-se constatar que há a existência de idéias filosóficas profundas tanto em países desenvolvidos quanto em países subdesenvolvidos. O pensamento revolucionário não pode ser reduzido a um mero pensamento ideológico, ao contrário, deve ser desenvolvido como um pensamento efetivamente antiideológico. O pensamento que busca desmascarar as ilusões criadas pela ideologia dominante e conceder à classe trabalhadora a idéia de libertação da dominação espiritual, pressuposto inicial para o processo de desenvolvimento revolucionário.

Entretanto, não se efetiva o escopo desta monografia a análise de toda estrutura do pensamento marxista se não houver um contato com seu contínuo desenvolvimento. Embora Marx tenha desaparecido fisicamente na da década de 80 do século XIX, seu pensamento continuou bastante vivo nas décadas que o sucederam, sobretudo, com aqueles que, em um curto espaço de tempo, retomaram sua doutrina e a difundiram, estes se tornaram propagadores da luta revolucionária. Poder-se-ia cometer um grave equívoco se não se citassem duas das grandes mentes que, inclusive, serviram de inspiração na luta marxista no decorrer do século XX, Vladimir Ilich Ulianov e Rosa Luxemburgo. Estes contribuíram até mesmo com uma continuidade à formulação marxista, sobretudo, no que se refere à sua aplicabilidade prática, conforme se perceberá no desenvolvimento do próximo capítulo.

CAPÍTULO 3


3.0 – A CONSOLIDAÇÃO DO MATERIALISMO DIALÉTICO COMO CIÊNCIA DA PRÁTICA


Inaugurou-se uma nova linha de discussão acerca do marxismo, principalmente a partir das contribuições concedidas tanto por Rosa Luxemburgo quanto de Vladimir Ilich Ulianov, cuja característica permeou uma análise das propriedades internas da visão de Marx sobre a experiência da prática revolucionária, além de pontos de aparente divergência doutrinária.

Portanto, a influência exercida pela teoria de Karl Marx no século XX faz-se extensão do objetivo proposto para que a constatação de sua aplicação seja evidenciada de modo que não se possa negar que o marxismo tornou-se o pensamento responsável pelas grandes mudanças políticas vivenciadas, sobretudo, com os modelos de revolução na Rússia e na Alemanha.


3.1 - A formulação do pensamento de Rosa Luxemburgo a partir de Karl Marx

A influência de Marx no pensamento de Rosa Luxemburgo deve ser analisada pelo fato de que exerceu grande representação na aplicação do marxismo em sua luta socialista, para tanto, observou que não se podem ignorar as dificuldades diferentes de adaptação do marxismo em países, cuja característica não seja aproximada a que Marx idealizou. Além, é claro, de observar que, em Rosa, o marxismo cambiou um dos seus pilares responsáveis pela consecução da proposta de tomada de poder. Mais uma vez se observa a independência entre o pensamento de seu profeta filosófico, Marx, e a própria capacidade de Rosa Luxemburgo abstrair a organização da realidade, ou melhor, para qual objetivo deve-se montar a realidade. Portanto, deixar de estudar o pensamento de Rosa, para a analise desenvolvida neste trabalho, é reconhecer que o marxismo representa uma teoria pronta e acabada, portanto, livre de qualquer crítica que busque enriquecer o ponto de vista da luta de classe. Contudo, espera-se que a contribuição de Rosa possa evidenciar o grau de cumplicidade humana implícito na doutrina marxista, sobre tudo, ao se formular a idéia do comunismo, ou seja, tal teoria seria realmente responsável pela externalização da efetiva preocupação com o outro, sobretudo, com aquele explorado pela sociedade da qual ele também faz parte e, naturalmente, é um membro tão importante quanto qualquer outro.

A luta travada por Rosa Luxemburgo foi marcada por sua participação política na militância dentro do partido político. Quase toda sua vida, na qualidade de marxista, Rosa militou no partido Social Democrata da Alemanha, cujo ideal era a luta pela conquista do poder político e supressão do assalariado. Desde então seria de suma importância marcar uma característica própria, não apenas da social-democracia alemã, mas também de Rosa. O partido social-democrata possuía um laço talvez indissolúvel entre as reformas sociais e a revolução, sendo a luta pelas reformas o meio, enquanto a revolução social representava o fim. A partir desse ponto, pode-se colocar em evidência uma divergência entre o pensamento de Marx e a particular crença de Rosa na revolução. Segundo Karl Marx, a revolução jamais poderia ocorrer sem o combate violento entre as classes sociais, visto que a burguesia não abriria mão de sua posição social para que a classe proletária pudesse ser beneficiada, portanto, segundo o pensamento marxista, a revolução armada representa uma característica essencial para a posse dos meios de produção pelos trabalhadores. Não que seja a representação do revanchismo, isto é, não que o proletariado pegasse em armas para cometer um assassínio em massa dos capitalistas, repensáveis por sua exploração. Em Rosa Luxemburgo, a revolução, mais do que a tomada de poder das mãos dos capitalistas e a apropriação dos meios de produção, seria a própria experimentação do homem enquanto essência eminentemente humana no sentido de que o combate corporal representa a violência cometida contra o ser humano, contra o semelhante. A verdadeira luta não deveria ser travada contra o homem, contudo contra o sentimento responsável pela desgraça que assola a humanidade e retira do homem sua própria humanidade.

“Só uma sociedade assim serão extirpados a servidão e o ódio entre os povos. Só quando essa sociedade se concretizar, a terra deixará de ser profana pela matança entre os homens. Só então poderemos dizer: Esta guerra foi a última”. (LUXEMBURGO 1990, 101).

“A revolução proletária não precisa do terror para realizar seus fins, ela odeia e abomina o assassinato. Ela não precisa desses meios de luta porque não combate indivíduos, mas instituições, porque não entra na rena cheia de ilusões ingênuas que, perdidas, levariam a uma vingança sangrenta (...)”. (LUXEMBURGO 1990, 103).

Portanto, o que se vê em Rosa é sua capacidade de teorizar e ao mesmo tempo manifestar uma espécie de religião da humanidade, onde o homem deve ser cultuado como o Deus do próprio homem. Talvez a única característica a ser observada neste trabalho a partir da linha de pensamento de Rosa não seja seu caráter evidentemente humano, pode-se perceber no desenvolvimento de sua perspectiva revolucionária, apesar de ser formulada tendo como base o materialismo marxista, tende, neste ponto, para o idealismo, afinal, uma revolução social onde a classe proletária apropria-se dos meios de produção não pode ser consumada apenas concebendo o bom caráter burguês de aceitar ceder seu lugar para que todos possam beneficiar-se da produção capitalista, que obviamente deixaria de ser capitalista para assumir um viés socialista. O grau de ingenuidade aparente de Rosa Luxemburgo deve-se à idéia da social-democracia de que as reformas sociais abrirão caminho para a ocorrência da revolução. Nesse primeiro momento, os esforços propagandísticos seguidos de numerosos trabalhos com núcleos populares, por meio principalmente de exposições orais, seriam os responsáveis pela tomada de consciência humana e, conseqüentemente, agentes no processo de consolidação da revolução em questão. Essa abordagem de Rosa assemelha-se ao que Marx chamou de socialismo utópico, pois eram os jovens hegelianos os que pensavam que, apenas por meio das críticas à monarquia e à consciência dos trabalhadores, poder-se-ia chegar à revolução de fato. Embora Rosa Luxemburgo fosse marxista, ou melhor, tenha consolidado seu pensamento a partir do pensamento de Karl Marx, no que tange a tomada do poder pelos proletários, Rosa destoa em relação à metodologia marxista de luta armada contra a burguesia. Pelo que se percebe de sua obra, esse fato não é, por si apenas, responsável pela minimização da contribuição que Rosa deixou para o marxismo no século XX.

Ora, não se pode desconsiderar que Rosa Luxemburgo reconhece a luta de classe como forma de consolidação da revolução socialista. Em seus textos escritos, ela afirma que a luta de classe é a única forma combaterem o império burguês. É perceptível que os proletários necessitem assumir a sua parte dos meios de produção para que assim conquistem a capacidade de transformarem a sociedade em um ambiente em que não haja condições subumanas de sobrevivência. Se, para Rosa, a luta de classe é uma realidade, o homem, então, em seu pensamento, exerce função ativa e, portanto, é o verdadeiro responsável pela transformação social. Rosa mostra-se de acordo com as adversidades cometidas pelos capitalistas de modo que não ignora a possibilidade de os trabalhadores sofrerem represálias pelos protagonistas da contra-revolução a fim de que possam coibir a intenção de desarticular o domínio da classe burguesa. Ou seja, a revolução seria uma necessidade histórica de fazer com que a dinâmica social possa ocorrer não mais pela luta de classe, mas a partir da contribuição de todos os povos, nesse caso já não haveria uma sociedade classista, na construção de um socioma voltado para a satisfação do interesse comum. Obviamente quem exerce o poder não quererá abrir mão de sua posição social, sobretudo, quando significar sua deposição perpétua, pois a partir daí ninguém mais poderá subjugar ninguém, ou seja, não haverá a possibilidade de projetar no outro um fator de crescimento individual.

“(...) Eis por que, contra ela (a revolução), numa luta de vida ou morte, como se fossem um único homem, se erguem todos os capitalistas, os Junker, os pequeno-burgueses, os oficiais, todos os aproveitadores e parasitas da exploração e da dominação de classe”. (LUXEMBURGO 1990, 103).

Conquanto a burguesia se manifeste contrária à revolução proletária, não haverá como impedi-la por ser uma necessidade histórica, consoante Hegel admitia a idéia da evolução dialética como manutenção do processo dinâmico das sociedades. A luta de classe até o presente continua representando o pilar do processo de evolução. Talvez por isso, a revolução seja realmente uma necessidade história pelo fato de destruir a divisão classista a fim de que a evolução dialética se faça por meio do usufruto dos meios de produção social em benefício comum. A exploração desenvolvida pela burguesia capitalista ao longo do processo histórico vale-se da apropriação da força econômica para efetivo controle do convívio social. No pensamento de Marx, a economia exerce função primordial para a formação do pensamento humano e a condução do homem à prática revolucionária. Segundo Rosa Luxemburgo em seu livro A revolução russa, ela afirma que (...) a classe capitalista imperialista ultrapassa em brutalidade, em cinismo nu e cru, em abjeção todas as suas antecessoras. Ela defenderá com unhas e dentes o que tem de mais sagrado: o lucro e o privilégio da exploração. Rosa, nesse fragmento, fala da economia como forma encontrada pela classe dominante de se apropriar em todos os âmbitos da força do proletariado. Ou seja, domina-se tanto a estrutura econômica quanto a estrutura social do indivíduo, pois assim subjuga o verdadeiro poder de transformação exercido pelo trabalhador, cuja efetiva função fica restrita à transformação da natureza em produtos tanto de consumo quanto de troca. Percebe-se em Rosa Luxemburgo a influência marxista de que o lucro é apenas uma das formas da força capitalista apropriar-se do trabalho dos proletários. Marx dizia que o lucro é a parte da produção gerada pelo trabalhador e seu destino são as mãos do capitalista em uma relação de evidente exploração. Ou seja, o capitalista entra no processo como dono dos meios de produção, o trabalhador entra com sua única mercadoria, de cuja posse dispõe, nesse caso, a força do trabalhador é-se convertida em mercadoria. Portanto, o trabalhador fabrica o produto e, conseqüentemente, seu valor é agregado a ele. Tira-se o valor do salário do trabalhador de toda sua produção mensal para que se tenha a idéia da parte da produção que fica retida nas mãos do capitalista. Essa quantia gerada pelo trabalhador, cuja tutela pertence ao capitalista, Marx denomina de mais-valia. Tal relação representa a maior evidência da exploração sofrida pela classe proletária em detrimento do bem-estar da classe burguesa.

Rosa Luxemburgo afirma fé no socialismo como a única alternativa diante das crueldades impostas por este mundo, sobretudo, na inter-relação dos homens em sociedade. Portanto, para ela e de acordo com a doutrina marxista, o fim de tal sofrimento será alcançado quando a revolução triunfar, pois, se o mal social é a apropriação dos burgueses dos meios de produção, então, que os proletários tomem para si os meios de produção a fim de que possam inserir-se também nesse processo de produção e na divisão do capital gerado pelo trabalho. O aniquilamento de classe permitirá, segundo Rosa, que os homens reconheçam-se todos iguais perante a nação e co-responsáveis pela riqueza gerada em sociedade. Nesse momento, a injustiça desaparecerá e o ser humano enxergará o mundo com olhos efetivamente humanos e o outro como seu verdadeiro bem social.

“Para escapar a essa confusão sangrenta e a esse abismo escancarado não há outro recurso, outra salvação, outra saída senão o socialismo. Só a revolução mundial do proletariado pode pôr ordem nesse caos, dar a todos pão e trabalho, pôr fim ao dilaceramento recíproco entre os povos, dar à humanidade maltratada paz, liberdade e uma verdadeira cultura”. (LUXEMBURGO 1990, 100).

Talvez seja importante ressaltar que, segundo os escritos analisados de Rosa Luxemburgo, o ideal de luta exercido tanto por ela quanto por seus partidários está intimamente atribuído ao fluxo do socialismo. O caminho do comunismo não é a preocupação de Rosa, visto que a tomada do poder, de acordo com ela, é um processo democrático e político, além de haver a observância unicamente no socialismo como forma de findar as injustiças existentes na sociedade. Ora, se o socialismo é a forma de exclusão das injustiças geradas pelo capitalismo e se a partir daí ruir toda e qualquer violência classista, o comunismo é um nível sem função objetiva. Contrariamente, em Marx, o comunismo representa o nível supremo do processo de transformação social, sendo o socialismo a fase intermediária. Conforme se vê no livro A revolução russa de Rosa Luxemburgo, o socialismo é a verdadeira esperança da classe proletária na luta contra os grilhões que a subjuga: “(...) Doravante, a fome não é mais a maldição que pesa sobre o trabalho, mas a punição da ociosidade! (...) Só numa sociedade assim serão extirpados a servidão e o ódio entre os povos. (...) O socialismo é, nesta hora, a única tábua de salvação da humanidade”.

Em seu livro Reforma ou revolução?, Rosa Luxemburgo faz uma análise crítica da teoria de Eduardo Bernstein. Este, contrariamente à doutrina marxista que expunha as contradições internas do capitalismo como forma de previsão de sua autodestruição, paradoxalmente não renega a idéia do socialismo, afinal, pertence também ao mesmo partido político de Rosa, o Partido Social-democrata Alemão. Contudo, Bernstein diz, em seu artigo Problemas do socialismo publicado na Neue Zeit em 1897, que a natureza do capitalismo caminha para a geração do bem-estar social e, posteriormente, será convertido no verdadeiro socialismo. Segundo ele, a possibilidade do desmoronamento do capitalismo é essencialmente nula, pois o sistema exerce uma capacidade de adaptação cada vez maior, além de gerar produção cada vez mais diversificada. Ora, ainda em Bernstein, a conseqüência prática para tal fenômeno seria o desaparecimento das crises geradas pelo sistema capitalista. Estas crises seriam provocadas por um processo de formação do capitalismo que paulatinamente culminaria no desenvolvimento de seu sistema de modo que destruiria qualquer forma de usurpação da participação da maioria do processo de produção. Para Bernstein, o capitalismo geraria alguns pilares, cuja função seria de converter a crise em solução. O sistema de crédito e as organizações patronais são os principais protagonistas da chamada resolução da crise do capitalismo ou teoria de adaptação.

Em tal contexto, a função da social-democracia não seria a de conquistar o poder político, mas de lutar pela melhoria da situação da classe operária e da instituição do socialismo. Ora, o socialismo não deveria surgir como conseqüência de uma crise social e política; por meio da extensão progressiva do controle social e aplicação gradual do princípio da cooperação. Portanto, como se percebe nessa análise, o papel exercido por Bernstein não é o de favorecer o triunfo da revolução político-social, mas sim de realizar uma ação revisionista no transcorrer da aplicação do capitalismo no processo de afirmação social. A partir de tais argumentações, Rosa Luxemburgo desenvolve vários artigos como forma de combater as idéias de Bernstein cuja conseqüência, segundo ela, seria pôr em risco o processo de concretização da revolução socialista. Para Rosa, o princípio capaz de socorrer a sociedade subjugada pelo sistema capitalista, que contribui com a retirada do espírito de humanidade inerente ao ser humano, conduzindo-o à condição de objeto subsistente, é, sem dúvida, através do triunfo do socialismo.

“A idéia consiste na afirmação de que o regime capitalista, devido às suas próprias contradições internas, prepara por si mesmo o momento em que tem de ser desmantelado, em que se tornará simplesmente impossível. Que se tenha considerado esse momento sob a forma de uma crise comercial geral e catastrófica (...)”. (LUXEMBURGO 1999, 23).

Para discorrer sobre as causas da destruição do capitalismo, Rosa evidencia, conforme a teoria científica do socialismo, suas contradições internas, cuja conseqüência é a geração de acontecimentos sociais e econômicos que contribuirão para a derrocada do próprio sistema capitalista. Rosa, em seu livro Reforma ou revolução?, ressalta os três resultados principais do desenvolvimento do capitalismo que culminaria em suas contradições internas e em sua desestruturação. A enumeração decorre da seguinte maneira: “primeiro, na anarquia crescente da economia capitalista, a qual conduz à sua ruína inevitável; segundo, na socialização crescente do processo de produção, que cria os germes do regime social futuro, e terceiro, no reforçamento crescente da organização e da consciência da classe do proletariado”. Este último é, sem dúvida, o fator ativo da revolução e o responsável pelo golpe final em um sistema que por si só chegou à desestruturação.

Se a afirmativa de Bernstein de que “um desmoronamento completo e mais ou menos geral do sistema de produção atual se torna cada vez mais improvável, pois com o desenvolvimento crescente da sociedade aumenta de um lado a capacidade de adaptação, e do outro, a diferenciação da indústria” estiver correta, seria uma observação óbvia, e por Rosa constatada, então o socialismo deixaria de ser objetivamente necessário. Entretanto, a supressão da teoria do desmoronamento não desestrutura a importância tampouco a necessidade da doutrina socialista, pois vê-se nos dois pilares desenvolvidos por Bernstein que tanto o crédito quanto os sistemas patronais como o cartel são parcialmente responsáveis pela instauração da crise sócio-política. A supressão da crise apenas se dá por meio da supressão do antagonismo entre a produção e a troca na base capitalista. Mesmo com os pilares de sustentação do sistema burguês enumerados pelo sr. Bernstein, crédito e cartel, será que a situação dos trabalhadores melhorou? Será que a fome e a miséria no mundo foram destruídas? Será que as guerras que geralmente são desenvolvidas por fins econômicos foram impedidas de ocorrer? Na realidade, não há efeitos práticos para se evidenciar os argumentos levantados e que comprovem a eficácia do capitalismo.

Rosa faz uma análise profundamente econômica da função exercida pelo crédito como parte da teoria de adaptação do capitalismo. Segundo ela, o papel primordial do crédito na economia capitalista é o de aumentar a capacidade de extensão da produção, além de facilitar a troca, ou seja, onde quer que a evolução capitalista esbarre na limitação de capital privado, o crédito surge como meio de superar esses limites e fundir num só capital muitos capitais alheios. O dinamismo desenvolvido pelo crédito no sistema capitalista, segundo Rosa, por um lado, evita o surgimento das crises que ocorreriam por meio da expansão da produção e da capacidade de consumo restrita do mercado. Tal atuação é decorrente da dinamização do processo de produção e evolução do sistema capitalista, portanto, não se pode negar que o fator crédito contribua para impulsionar o capitalismo rumo à superprodução, entretanto, nos momentos cuja função dele é primordial simplesmente desaparece a fim de evitar um colapso em curto prazo para o capitalista, embora esse colapso estenda-se por toda a sociedade, evidenciando a ineficácia do próprio sistema capitalista. Conforme o fragmento do livro Reforma ou revolução? de Rosa Luxemburgo expõe:

“Ao primeiro sintoma de crise, o crédito desaparece, abandona as trocas, justamente quando seria, ao contrário, indispensável, e, onde ainda se oferece, apresenta-se como inútil e sem efeito, reduzindo assim ao mínimo, durante a crise, a capacidade de consumo do mercado”. p. 29

Pode-se afirmar que tal evidência proporcionada pela análise de Rosa Luxemburgo explicite o caráter contraditório do sistema capitalista que, ao criar um meio de adaptação, cria um mecanismo para sua própria destruição. Ou seja, em vez do crédito ser um meio de supressão das crises, ao contrário, representa um meio particularmente poderoso de seu surgimento. Em suma, “o crédito reproduz todos os antagonismos fundamentais do mundo capitalista, acentuando-os, precipita o desenvolvimento, fazendo correr o mundo capitalista para seu próprio desmoronamento”, conforme afirma Rosa em Reforma ou revolução?.

As associações patronais, como o cartel, foram apresentadas como forma também de supressão da crise, evitando o desmoronamento do capitalismo de acordo com Bernstein. Rosa faz uma análise bastante pessimista a respeito dessa proposta pelo simples fato de, como especulação, influi, a partir da supressão da concorrência interna, em um ramo qualquer da produção, na repartição do total do lucro realizado no mercado, visando aumentar a parte que toca àquele ramo de indústria, por exemplo. Nesse caso, a organização apenas poderia aumentar a taxa de lucro num ramo da indústria à custa dos outros, e é precisamente por isso que não pode ser generalizada.

As organizações patronais apenas conseguem um resultado adverso ao que se pretendia quanto ao processo de supressão da anarquia. Pois, nas análises de Rosa Luxemburgo, “os cartéis só conseguem esse aumento do lucro no mercado interno, empregando na produção para o exterior, com uma taxa de lucro muito mais módica, a parte suplementar do capital, que não podem utilizar para as necessidades internas, isto é, vendendo as suas mercadorias no estrangeiro por preços mais baixos que no interior do país. Daí resulta uma agravação da concorrência no exterior, um reforçamento da anarquia no mercado mundial, quer dizer, precisamente o contrário do que se tinha em mira”.

Portanto, as observações, cujo objetivo de Bernstein seria o de evidenciar a capacidade de adaptação do capitalismo a fim de superar suas aparentes contradições, não foram suficientemente profundas a ponto de comprovarem a superioridade do capitalismo e sua versatilidade rumo ao verdadeiro fim, o de transformar-se no socialismo. Rosa, com toda sua contra argumentação, expôs a fragilidade do sistema capitalista ou o capitalismo como causa das contrariedades que assolam a humanidade, além de confirmar seu credo na doutrina que, segundo ela, seria a única responsável pelo aniquilamento do capitalismo para, a partir da luta de classe, destruir toda instituição da degradação humana com a implementação do socialismo.

A próxima seção sobre Lênin confirmará as observações necessárias para evidenciar o caráter dinâmico do marxismo a partir da experiência da URSS, além de contribuir para a continuidade teórica que Lênin conferiu ao marxismo, sendo o marxismo-leninismo a corrente doutrinária mais conhecida no século XX.




3.2 - A influência no pensamento de Vladimir Ilich Ulianov


Partindo de um paralelo com o desenvolvimento do pensamento marxista no século XX, inclusive observando alguns pontos das teorias de Rosa Luxemburgo, esta análise implica, considerando a formulação filosófica de Hegel, consideração do desenvolvimento histórico, além da observação da estrutura sócio-política da Rússia, para se obter uma compreensão mais aproximada dos fatos ratificados pela história. No que se refere ao pensamento de Vladimir Ilich Ulianov, Lênin, deve-se perceber um reflexo das teorias marxistas diferenciado de outros pensadores do século XX. Em Lênin, o marxismo, ademais da consecução prática dos ideais revolucionários, adquire um aspecto de continuidade filosófico-econômico do projeto inaugurado por Marx e Engels. Inclusive em seu ensaio Esquerdismo, doença infantil, Lênin chama a atenção para os erros cometidos pelo radicalismo da esquerda política ao mesmo tempo em que fala sobre a importância de alianças, inclusive com a burguesia, para que haja um encaminhamento no processo de desenvolvimento econômico; obviamente tal aliança com a burguesia somente se faz possível se a luta for contra um inimigo comum as essas duas classes.

A modernização da economia, sobretudo para um país retardadamente feudal em pleno século XX como a Rússia, teria de preparar suas estruturas para o desenvolvimento capitalista, em primeiro nível, ou seja, nível exclusivamente de transição. O segundo seria justamente a retomada da proposta de materialização da economia para o socialismo, onde os meios de produção ficariam a cargo do proletariado. Lênin defendia ainda que o capitalismo não poderia representar efetivamente um mal, pelo contrário, era uma necessidade histórica que exercia duas grandes funções que preconizariam o surgimento do socialismo: o aumento do proletariado e a modernização da sociedade. Sem dúvida, esse era o prospecto da situação sócio-econômica, na qual a Rússia estava inserida, portanto, a abstração do pensamento leninista é decorrente, sobre tudo, de países atrasados economicamente, embora não se possa afirmar que tal postura seja o princípio do raciocínio de Lênin, pois este via a revolução como internacionalizada de modo que conferia a importância de adequação da teoria ao contexto referente a cada país.

“A primeira coisa que se pode dizer de (Vladimir Ulianov, Lênin) é que, se suas idéias fossem copiadas mecanicamente e aplicadas sobre qualquer realidade, isso seria frontalmente contra a maneira com que encarava a política e o próprio marxismo”. (GENRO 2003, 14).

Portanto, se se quisesse aplicar a teoria marxista como algo mecanicamente pronto e acabado sem considerar a realidade de cada lugar, seria uma agressão ao pensamento de Lênin, pois este, conforme análise da obra de Hegel, considerava a importância do conhecimento da situação histórica na qual os países estão submetidos para a partir daí adequar a teoria à realidade prática de cada ambiente.

Outro fator dinâmico na formulação do pensamento de Lênin, tendo como princípio os ideais marxistas, sobretudo o materialismo, partindo da análise do livro Lênin:coração e mente do autor Tarso Genro pp 15, pode-se ter a idéia de que a condição material exerceu influência significativa para a abstração intelectual, nesse caso com a expressão de humanidade ou mesmo de sensibilidade humana. A grandiosidade do território russo unida à concentração de poder e renda nas mãos da nobreza, tendo como característica suprema a dinastia dos Tsares, contribuíram para que os milhões de miseráveis estivessem afastados das condições humanas de sobrevivência. Observando todo aquele cenário na condição de privilegiado pela sua estrutura social familiar, Lênin contextualizava as teorias estudadas à situação em que a sociedade na Rússia se encontrava. A partir daí, foi-se intensificando o paralelo entre os teóricos iluministas, os idealistas e os materialistas e, principalmente, a condição de exploração da classe trabalhadora em seu país, conforme se percebe no fragmento da obra citada acima:

“(...) tudo ainda era muito nebuloso e muito confuso: os últimos dois anos haviam sido tremendamente tensos e agitados. Era preciso pensar sobre a vida e sobre o futuro das lutas que lhe atraiam de maneira irresistível. A miséria que cercava as grandes cidades, a pobreza nos campos, a fome que se reproduzia e a vida faustosa e libertina da nobreza formavam um quadro que tocava fundo a sua consciência”. p 15

O conceito materialista concede ao homem a posição ativa no transcorrer de sua existência, inclusive na formulação de seus próprios pensamentos. De modo que não se pode renegar a importância que representa a existência material para o desenvolvimento da percepção do homem, ou seja, o homem precisa reconhecer-se em sua dimensão corpórea e a função dos entes subsistentes para a construção de sua própria vida. A experiência material torna-se essencial para se obter a compreensão das abstrações que se pode realizar. Vladimir Ulianov percebeu a importância marxista sobre a experiência natural para adquirir capacidade sensitiva que propiciasse subsídios necessários para se chegar a uma análise prática ou que permitisse a utilização prática de seu conteúdo a fim de que a concepção filosófica exercesse de fato sua função preventiva ou transformativa. Ainda no livro Lênin: coração e mente, Tarso Genro narra um episódio curioso no comportamento de Vladimir em tempos de formulação dos círculos políticos sobre a aplicabilidade de uma literatura de cunho filosófico-econômica para trabalhadores, cuja capacidade, em primeira análise, seria questionável no sentido de compreensão acerca da supra-obra O capital.

“Nádia conta que ele tinha por costume selecionar textos de O capital e, após a sua leitura, explicá-los minuciosamente para, logo após, entabular uma discussão sobre as condições de trabalho de cada um, fazendo perguntas minuciosas”. (GENRO 2003, 18).

Esse fragmento evidencia o conceito de que a abstração do homem deve partir de sua vivência, de seu contato com o mundo, do qual ele não pode ser dissociado. Enxergar-se como membro ativo desse processo é de fundamental importância para a construção de um conhecimento solidificado nas estruturas profundas da realidade humana. Em tal narrativa, percebe-se que o conhecimento parte de fora para dentro, contudo sempre considerando a visão de mundo que se adquire por meio e somente pela existência. Na falta do entendimento teórico, valoriza-se o conhecimento prático, pois a partir daí, poder-se-á chegar ao conhecimento teórico.

Em seu livro Materialismo ou empiriocriticismo, Lênin introduz a luta política no campo da filosofia, pois acreditava ele que não haveria a possibilidade de luta revolucionária coerente se a batalha política não se baseasse em uma filosofia efetivamente revolucionária. Obviamente o materialismo seria a corrente filosófica proposta por Lênin haja vista os requisitos necessários para a proposta de ação onde o início deva partir do próprio homem, desviando assim qualquer tentativa de espera pela luz do pensamento divino. O materialismo, ademais de conceder ao homem seu lugar em nível supremo da hierarquia da existência, revela a luta constante no processo de construção da história e no desenvolvimento econômico. É por meio do materialismo que se percebe o embate de classes pela detenção dos meios de produção. Foi a partir do materialismo que se chegou à causa da desgraça que assola o mundo e que implica tanta disparidade entre as classes, que, inclusive, são parceiras no processo de produção. Foi através desse olhar que a transformação social foi pensada como proposta de rompimento dos grilhões que maltratam os homens humilhados pelo sistema capitalista, aliás, a luta de classe não possui caráter revanchista, ou seja, a classe dominante hoje não será explorada no alvorecer da ascensão dos explorados de outrora. A luta de classe, propulsora da movimentação dos proletários ao poder, é pensada como forma de destruição da divisão de classe, portanto não há caráter revanchista, ao contrário, sua essência é puramente libertária.

Lênin faz uma análise entre duas correntes filosóficas que reclamam a responsabilidade pela vanguarda das transformações sociais, empiriocriticismo e materialismo. O empiriocriticismo, para Lênin, é apontado como teoria puramente subjetiva no sentido de renegar formalmente a existência dos objetos reais, a propósito, assemelha-se bastante com o idealismo em um paralelo de evidente coerência. Segundo análise de Tarso Genro, em suas palavras: “trata-se de uma variante do positivismo em sua segunda fase, pois a primeira e mais ingênua versão do positivismo (Comte) tendia mais ao empirismo extremo do que ao psicologismo que caracterizava a fase posterior”. O fato é que aparentemente não há nível intermediário entre o materialismo e o idealismo, visto que ou se reconhece o mundo como objetividade e realidade, ou se considera o mundo como realidade supra-sensível, divinizada. O caráter materialista exerce efetivamente a função de abstrair o conhecimento de mundo pelo contato do homem com ele mesmo e toda existência externa a si a fim de transformar a sociedade, naturalmente, é a perspectiva que mais interessa a classe operária que luta pela libertação e contra a opressão. Consoante Lênin, sem a concepção materialista tudo perde o sentido propriamente humano e histórico.

“A vida torna-se uma condenação irrecorrível para os injustiçados, os trabalhadores e demais oprimidos, e uma absolvição definitiva para os capitalistas e detentores de privilégios. Por isso, os homens não encontram razões concretas para se rebelarem diante da opressão e, principalmente, ficam impossibilitados de compreender as condições práticas e teóricas necessárias para transformar o mundo”. (GENRO 2003, 29).

De fato a filosofia revolucionária não pode permitir que espectros absolutistas continuem ditando ordens frente aos protagonistas da história. Como poderia a irrealidade construir a realidade, ao passo que, o real não seria mais que a abstração do irreal. Conforme Marx dissera acerca de Hegel, tudo estava realmente invertido, ou exatamente, em posição contrária. Pois, o marxismo fundamenta-se na potencialidade humana de se sobressair às adversidades naturais, além de ser o guardião do grande motor histórico. Este ponto pode ser considerado como a fusão entre a concepção filosófica, materialismo dialético, e o projeto revolucionário socialista, que deve ser assumido e vivenciado pelo proletariado. Portanto, o proletariado deve afastar-se do ambiente fantasmagórico, inserindo-se tanto no campo político quanto no campo teórico, ou seja, vivenciando um mundo prático e real.

A filosofia para Lênin tem um caráter essencialmente político, sobretudo, quando se apropriam dessa ciência para dela tentar homogeneizar uma forma de pensar que satisfaça o interessa de cunho classista. Por exemplo, se se diz que o mundo não tem existência objetiva e, conseqüentemente, todas as coisas são constituídas por um sistema subjetivo de sensações, essa suposição trás a idéia de que se trata apenas de um problema meramente especulativo e sem conseqüência prática. Ora, seria o mesmo que dizer que a exploração, a miséria, a injustiça, as condições subumanas de existência são questões essencialmente especulativas e, portanto, não há conseqüências práticas e humanas. Teria origem apenas enquanto abstração subjetivada.

A observação de Lênin sobre a filosofia é a de necessidade prática no processo de implementação da ação revolucionária. Portanto, a filosofia trás para o centro da discussão dois aspectos efetivos de transformação social: a teoria e a prática. Como se percebe no materialismo marxista, o pensamento filosófico é a um só tempo constituído pela realidade histórica da luta de classe constituinte, subjetivo e prático, dessa mesma realidade. Por isso, fala-se que a filosofia exerce a função exponencial de um complexo processo onde há a interação entre diversas fases que juntas constituem o todo. Como foi visto na seção referente ao materialismo, a revolução parte da ação material prática, porém isso não quer dizer que o conceito não exerça função importante nesse processo. Ora, de acordo com a exposição acerca do pensamento de Vladimir Ilich Ulianov, o marxismo exerce uma importância ímpar no processo revolucionário de modo que sua essência seja derramada em cada lugar sem desconsiderar a análise do seu contexto histórico-cultural. Talvez, seguindo esse ponto de vista, o marxismo seja considerado como “verdade objetiva”, obviamente que para isso deve haver essencialmente a participação do homem a fim de que não se torne paradoxal a supressão da característica mais evidente no materialismo.

A teoria do reflexo de Lênin parte da relação simplificada entre sujeito e objeto, concebendo o conhecimento como reflexo da realidade objetiva. Tem-se aí a realidade na condição de sujeito e o conhecimento na de objeto. Entretanto, essa relação não se dá fora da participação humana, pois é justamente a subjetividade humana a responsável pela magia do reflexo, ou seja, sem a participação do homem a realidade como sujeito não se reflexionaria se não houvesse quem abstraísse o conhecimento gerado por ela. Aliás, tal conhecimento seria em vão uma vez que ele não é um conhecimento totalmente desvelado, apenas pode desvelar-se. Para haver o desvelamento, deve haver quem o busque para que o conhecimento possa tornar-se desvelado. Pois nesse processo, o homem adquire o caráter mais evidente do dinamismo.

“A verdade é um processo que “reflete”, não diretamente, a realidade objetiva, mas uma relação complexa de apropriação da objetividade pela subjetividade humana. (...) a realidade objetiva não é uma coisa dada, um a priori, mas já um resultado produzido na relação prática e teórica do homem com o mundo, na práxis”. (GENRO 2003, 25).

Portanto, Vladimir Ilich Ulianov, Lênin, ademais de ser um expoente, cujo mérito situa-se na consecução da formulação marxista, fundando a URSS, pode ser considerado um intelectual responsável, inclusive, pela retomada das teorias de Marx e Engels ao acrescentar abstrações acerca do desenvolvimento do processo revolucionário. Não se pode falar em Lênin sem reconhecer sua significativa presença no século XX, sobretudo, na contribuição da consolidação da vitória de muitos proletários em vários países. Tal reconhecimento não decorre apenas pelo sucesso de sua experiência na Rússia, todavia pela contribuição de suas teorias político-econômicas, que muitos observam como a continuidade das de Marx, sob uma visão de transição de séculos, talvez por isso, a maneira mais conhecida do marxismo no pós-Marx seja pelo nome de marxismo-leninismo.

Conclui-se que houve bastantes semelhanças entre os pensamentos tanto de Rosa Luxemburgo quanto de Lênin, sobre tudo, quanto à procedência da revolução de fato. As experiências alemã e russa trilharam o mesmo caminho no sentido de questionarem princípios básicos como a estruturação política para buscar um método mais coerente com a realidade e, conseqüentemente, efetivarem a revolução. As alianças político-partidárias nos dois países apresentaram-se como uma alternativa diante da possibilidade da tomada dos meios de produção, embora na Rússia tenha triunfado e na Alemanha fracassado – obviamente havia um distanciamento considerável no contexto que envolvia os dos países. Quanto ao problema da revolução armada, a experiência da Rússia demonstrou que outro caminho talvez fosse de difícil acesso ao alcance da consolidação dos ideais revolucionários, ou quem sabe, serviu como um modelo para outras experiências no decurso do século XX de que a força do proletariado estava também presente, pelo menos no primeiro momento, na organização armada. A experiência de Rosa na Alemanha pôs a posição de Lênin em questionamento, embora a história tenha evidenciado que, pelo menos nesse sentido, Lênin possuía razão. A dialética de Rosa apresentava-se nas palavras mesmo que fosse uma luta desigual contra a classe mais bem estruturada na guerra de propaganda. Entretanto, Rosa pôde derrubar as teorias de Bernstein e comprovar dialeticamente que as contradições internas do capitalismo o levariam a sua superação.

Ora, a partir do desenvolvimento das teorias de Rosa e de Lênin o marxismo, conforme já foi afirmado, consolidou-se no século XX como uma alternativa frente ao poder hegemônico do capitalismo. As conseqüências observadas foram o surgimento de diversas experiências práticas de ascensão dos proletários no comando de importantes países, principalmente, com o impulso da Guerra Fria. Portanto, não se poderia propor uma efetiva discussão sobre o marxismo e suas influências sem considerar seus grandes expoentes doutrinários (Rosa e Lênin) evidenciando o corte epistemológico do pensamento marxista servindo de base para o surgimento de pensadores comprometidos com uma interpretação sistemática das postulações do velho Marx.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Partindo da exposição dos argumentos contidos no desenvolvimento deste trabalho monográfico, é de fundamental importância ajustar conceitos e definir questões acerca do assunto abordado por este, embora se tenha a certeza de que, conforme explicitou Hegel, não há argumento que não seja questionado por uma antítese, ou seja, mesmo as questões discutidas neste trabalho poderão ser passíveis de oposição a partir de outras argumentações para que se concretize a idéia da evolução dialética. Entretanto, inicialmente, no capítulo primeiro, Marx faz contrapontos tanto a Hegel quanto a Feuerbach no que se refere à incapacidade efetiva de conceder ao homem o papel de ser para a práxis a partir de suas próprias forças. O idealismo de Hegel busca o mundo supra-sensível para formular a possibilidade de mudança embora posteriormente o homem assumiria a função de efetivação do processo revolucionário. Em Feuerbach, surge o materialismo como contraposição ao mecanicismo. Este último desprezava a capacidade de iniciativa humana como se devesse ficar a espera do momento certo em que o motor do mundo fosse acionado para que entrasse ativamente no processo. Contudo, Feuerbach introduz uma mudança efetiva com a intenção de conceder ao homem a chave da ação, entretanto, ele peca quando afirma que o homem como ser natural era condicionado a sua própria natureza para postular questões. Ora, isso colocou o homem a mercê do determinismo biológico, eximindo-o de toda e qualquer possibilidade de iniciativa própria. Marx posteriormente afirma que, em Feuerbach, o homem submeteu-se à última estrutura “religiosa”, embora este fosse um dos mais fervorosos críticos da religião.

A partir daí, pode-se falar em um momento de reflexão cuja conseqüência foi, sem dúvida, uma contraposição árdua de Marx às correntes que mais lhe chamaram atenção em sua militância inicial. Ao sentir a fragilidade em alguns pontos de Hegel e Feuerbach, Marx sentiu-se preparado para formular análises voltadas para a constatação da verdadeira função exercida pelo homem, levando em consideração muitos dos pontos essenciais de Hegel e Feuerbach e as críticas tecidas acerca dos conflitos criados entre eles. Pode-se afirmar que talvez essa tenha sido a motivação primordial para o surgimento da doutrina marxista, sem considerar, é claro, a análise pela situação na qual vivia a população exatamente vitimada pela revolução industrial, além de contato com outros intelectuais sensíveis ao mesmo tema como seu grande amigo e colaborador Friedrich Engels. Portanto, o contraponto de Marx ao idealismo e ao materialismo naturalista não foi efetivamente um rompimento com Hegel e com Feuerbach, porém, uma forma de intensificar seu aprofundamento sobre tais questões e estímulo de participar desse debate com formulações próprias, que viraram ciência constantemente presente no século XX.

A afirmativa de Marx sobre ser antifilosófico deve ser analisada a partir do ponto de vista do materialismo histórico, sobretudo, no que se refere à superestrutura. Conforme discutido no desenvolvimento deste trabalho monográfico, a superestrutura tem como base a economia, portanto, a classe dominante apropria-se da força ideológica, cuja origem é a tutela do Estado para controlar o pensamento da classe proletária. A filosofia também pertence à classe burguesa, então, subentende-se que funciona como arma para o Estado manobrar qualquer possibilidade de libertação ou oposição às barbáries desenvolvidas contra os excluídos dos meios de produção. Marx posiciona-se como antifilósofo, pois visa representar uma alternativa frente a tal apropriação e, conseqüentemente, uma força de libertação que se abre para subverter o poder da elite. Partindo desse entendimento, a doutrina marxista é uma alternativa antifilosófica contrária às outras doutrinas às quais Marx se opõe, ou seja, as outras doutrinas estariam, mesmo que inconscientemente, controladas pelo pensamento elitista. Portanto, seria necessário libertação diante dessa situação de subtração da emancipação intelectual a fim de que se pudessem observar as atrocidades burguesas e que a classe realmente subjugada exercesse sua força natural e controlasse os meios de produção como forma de romper a miséria, na qual foram colocados, mesmo na condição de responsáveis pela produção das riquezas acumuladas pela burguesia. Nada mais óbvio que surgir a posição de antifilósofo coerentemente com o desenvolvimento de sua teoria da superestrutura.

Entretanto, consoante explicitação conferida no início do parágrafo anterior, a economia representa para Karl Marx a base da luta de classe, ou melhor, a causa efetiva da divisão de classe, portanto, a representação do materialismo dialético surge como forma de observar e comprovar tal situação a fim de que se pudesse propor uma contradição interna no próprio sistema capitalista como forma de buscar uma explicação primeira para a ocorrência da exploração do homem pelo homem. Entretanto, o homem como ser material, segundo Marx, deveria buscar a organização com objetivos de apropriação dos meios de produção, pois é justamente nesse ponto onde todo processo de exploração ocorre, sobretudo, percebendo que os verdadeiros artistas da transformação da natureza em bens de consumo são expropriados socialmente de modo que não têm acesso nem mesmo ao que produzem. O materialismo dialético como filosofia serviu como base estrutural para a consolidação da ciência marxista, o materialismo histórico.

Nesse contexto, pode-se inferir que seu postulado não se ruiu com seu desaparecimento físico, ao contrário, ganhou formulações, cujo objetivo principal foi acrescentar posições a partir das experiências práticas adquiridas com a efetivação das revoluções no século XX. Não apenas acréscimos, mas contrapontos a questões bastante particulares sobre a forma como ocorreria de fato o processo revolucionário.

Houve, em Rosa, a luta de classe através de combates intelectuais e partidários, acima de tudo, sua contribuição com as teorias marxistas permeou batalhas de conceitos eminentemente economicistas com seu correligionário Bernstein. Contudo, a partir daí, houve um verdadeiro “streaptease” de seu conhecimento da doutrina marxista relacionada à análise que Marx faz do capital. Por isso, pode-se afirmar que Rosa resgata em Marx as observações do sistema capitalista como forma de fundamentar os discursos com objetivo de desmistificar as supostas forças benéficas propagadas por seus defensores.

Por sua vez, em Lênin, partindo do contexto russo como um país eminentemente feudal, portanto, a aliança com a burguesia não poderia ser desconsiderada pelo fato de inicialmente a revolução ter a necessidade de implementar as bases de economia capitalista a fim de obter o progresso e, posteriormente, combater a burguesia pela conquista violenta do poder político e militar do Estado. Ademais Lênin contribuiu com a idéia da internacionalização da experiência socialista para todo o mundo conforme o postulado inicial de Marx previa, além, é claro, de ter contribuído com a consolidação da URSS a partir de ajustes na doutrina marxista no sentido de inicialmente se utilizar certas bases capitalista para efetivar a Revolução de Outubro, embora não se possa negar a previsão de Marx acerca da importância do sistema capitalista para o estabelecimento da experiência socialista em sua aplicação prática. Por isso, pode-se perceber, em Lênin, a força de um intelectual sensível ao sofrimento humano de cujas aspirações saiu a maior experiência marxista da história da humanidade.

Tais observações marcaram o rumo da história do século XX pelo simples fato de que as revoluções que surgiram posteriormente basearam-se em grande parte nas experiências russa e alemã. Não se pode deixar de observar que a tendência mais evidente do marxismo após a efetivação da Revolução Russa foi a de marxismo-leninismo. Ora, o homem prático em Marx foi evidentemente interpretado tanto por Rosa quanto por Lênin de modo que o materialismo marxista consolidou-se como uma doutrina efetivamente aplicável, não como modelo estanque, mas como doutrina adaptável aos países que conclamarem por sua contribuição.

Conclui-se que este trabalho, então, objetivou compreender a procedência da postulação de Karl Marx para fim de desnudar o corte epistemológico em seu pensamento como alternativa frente às reproduções filosóficas, além de, como um raciocínio eminentemente científico, perceber sua contribuição para formulação de outros pensadores e confirmar a atualidade de seu pensamento nos dias de hoje, mesmo que ele tenha iniciado suas bases há mais de cento e cinqüenta anos. Talvez daí se possa extrair a idéia de que a luta de classe ainda se apresenta como um fantasma, que efetivamente movimenta o comportamento social a partir das estruturas econômicas. Apesar de cento e cinqüenta anos de marxismo, o mundo ainda não conseguiu caminhar rumo ao encontro de si, continua sem enxergar seu reflexo diante do espelho dos céus em um constante movimento de embriaguez existencial, onde o ser humano não representa um postulado essencial nesse processo inócuo, todavia real.

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