Em mais de 100 anos como veículo de comunicação de massa, a utilização dos quadrinhos para fins educativos é impressionante. Por todo o mundo autores valeram-se deles para influenciar os costumes e como instrumento de protesto e resistência à colonização cultural.
No entanto, durante um tempo igualmente longo eles foram (e ainda são) usados como instrumento de manipulação ideológica, de um discurso imperialista, consumista, sexista e racista. Assim, não basta pensar que a leitura de qualquer história em quadrinhos é positiva, simplesmente pelas possibilidades de sua utilização em muitas das disciplinas escolares.
O fundamental é o conteúdo e, sobretudo, a hq é um ponto de partida, e não de chegada.
São poucos os educadores que têm consciência das reais possibilidades e da importância dos quadrinhos para a transformação do indivíduo em estação repetidora de um sistema suicida ou em cidadão e sujeito de sua própria vida. Em uma pesquisa recente, constatou-se que as hqs são a segunda leitura mais freqüente entre os homens e a terceira entre as mulheres, perdendo apenas para textos religiosos e culinária!
O paralelo com os textos religiosos não é tão estranho quanto parece, visto que depois dos sonhos as hqs são a experiência que mais se aproxima dos mitos que durante milênios moldaram a consciência da humanidade. E é justamente esta relação que explica, em parte, a violência presente em alguns quadrinhos e que torna tão avassaladoras histórias como Pokémons ou Dragon Ball.
Em todos estes anos de contato com os quadrinistas, sejam eles meus alunos ou não, pude observar a profunda afeição e o valor dado por eles aos quadrinhos, bem como o poder de transformação desta relação que no entanto não deve ser vista como uma brincadeira inofensiva.
É o que nos adverte o psicanalista Carl G. Jung, considerado um dos pais da psicanálise, ele afirmava que o nosso inconsciente se comunica conosco através de símbolos imutáveis chamados arquétipos que revelariam de forma cifrada, aspectos de nossa totalidade que estariam sendo negligenciados pelo nosso consciente.
Esta negligência seria a responsável por todos os distúrbios psíquicos e consequentemente, por boa parte dos problemas da humanidade.
Nas palestras e cursos que tenho ministrado para educadores e psicólogos, venho insistindo na urgência de um aprofundamento no universo dos arquétipos, do uso das hqs como ferramenta para se formar a identidade do indivíduo e na necessidade de reformular o próprio método e os objetivos escolares. É um trabalho árduo, mas que tem gerado frutos que a cada dia reafirmam estas certezas que me acompanham à muito tempo, desde uma época onde os heróis realmente existiam e que eu, como tantos outros, acreditava ser um deles.
Erick Azevedo – quadrinista e professor de história em quadrinhos.