A ESMOLA
Ubiratan Iorio (*)
(Publicado no JB, em 07/11/05)
É impressionante como os brasileiros contentam-se com tão pouco! Explorados, enganados, tungados, iludidos e desiludidos pelo Estado todo poderoso, mais se assemelham a um rebanho de pachorrentas ovelhas, ao sabor do cajado do pastor de plantão. E muitas de suas cabeças, principalmente empresários, que deveriam bater-se pelo cumprimento de direitos elementares que, há décadas, lhes são crescentemente subtraídos pelos governantes, preferem agir contrariamente ao que o caráter reto, a coragem e, mesmo, o patriotismo, exigem, pondo-se a festejar e a bajular qualquer esmola que o Estado, fingindo-se de bom moço, deixa cair em seus chapéus covarde e subjugadamente estendidos na rua das reivindicações mais fáceis e imediatas.
A última demonstração de subserviência e de covardia servil é flagrante nestes dias, após a edição da chamada “MP do Bem”, em que o governo, “generosamente”, como se nos estivesse prestando um grande favor, abriu temporariamente mão de uma receita de R$ 5 bilhões, É com tristeza que temos visto o que deveria ser um grito de exigência ao governo, entoado harmonicamente por todos os cidadãos, algo como “caramba, caracoles, deixa-me trabalhar, não me amoles”, ser substituído por dezenas de elogios ao gesto de “bondade” dos cobradores de impostos. Pior, na bajulação explícita dos encômios, muitos afirmam que a MP será ótima porque, apesar de retirar receita do governo agora, a aumentará no futuro, já que, com o aquecimento da economia que certamente desencadeará, o Estado arrecadará no futuro mais do que os R$ 5 bilhões de que está, em um assomo de “generosidade”, abrindo mão agora.
É incrível como muitos ainda crêem que um real nas mãos do Estado é melhor para a economia do país do que o mesmo real nas mãos de quem o ganhou com o seu trabalho, acordando cedo, esforçando-se e correndo todos os riscos inerentes à autêntica atividade empresarial, ou, no caso de um trabalhador assalariado, empenhando-se com dignidade para executar as suas tarefas com perfeição humana. Em uma economia sufocada, esganada e subjugada por 74 tributos, com uma carga fiscal que se assemelha a um regime de trabalhos forçados e com um sistema tributário em tudo semelhante a um manicômio, é evidente que uma pequena generosidade dos entes arrecadadores tende a ser vista com bons olhos. A crítica não é à MP em si, mas ao fato de tratar-se de uma simples esmola, um solitário talento, quando o Estado poderia – e deveria –devolver aos verdadeiros donos bilhões de talentos! Festeja-se a exceção como se fosse a regra.
Mais talentos em mãos privadas e, portanto, menos nas do Estado, significam menos mensalões, menos corrupção, menos nepotismo e menos burocracia e, certamente, mais liberdade de escolha, mais empregos, mais produção, mais justiça e maior dignidade da pessoa humana. É evidente que nossos vorazes publicanos – autênticos fariseus! - sabem que a carga tributária no Brasil penaliza quem trabalha e impede a economia de crescer, que a “MP do Bem” foi posta na ordem do dia como mais um diversionismo do governo para desviar a atenção das acusações de corrupção em que chafurda e também que se trata de medida eleitoreira, na expectativa de que os seus benefícios possam carrear votos no ano que vem para reeleger nosso alienado, despreparado e rupestre presidente.
Por que não fazer a coisa correta de uma vez? Estariam seguindo Maquiavel, pensando em fazer “o bem” aos poucos? Sinceramente, duvido! São todos adoradores do Estado-rinoceronte que, como sabemos, possui um estômago primitivo e bastante resistente, o que o faz ruminar incessantemente, já que sua necessidade de comer é bem maior do que a de outros animais que remascam. Por isso, não conseguem parar de comer – seja a erva dos impostos, o capim da dívida interna ou a gramínea dos mensalões e do dinheiro do também paleolítico Fidel -, precisam comer, é imperioso comer, sempre e mais, pois seu primevo metabolismo, formado por três poderes, três esferas, trinta e seis ministérios e dezenas de estatais, assim o exige.
A ética nos ensina que o bem comum deve ser feito de uma só vez. Por que não estender a “MP do Bem”, por que não aprofundá-la, por que não realizar uma reforma tributária decente, que estimule o trabalho e a livre iniciativa, substituindo o rinoceronte lanudo por um animal menos comilão?
(*) Professor de Economia da UERJ e Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista - Cieep.
Escreve às segundas-feiras para o JB (lettere@ubirataniorio.org)
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