REFLEXÕES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
Ronald Soares
O mundo do trabalho parece estar caminhando sobre areia movediça. Estudiosos observam inquietos e preocupados, o desmonte de grandes fábricas situadas nos países industrializados, a maciça desaparição de milhares e milhares de empregos e a sua migração, embora em número muito menor, para os países que viraram o chamariz da vez: China, Índia, Paquistão, Rússia.
Os empregos que sofrem tal migração, na realidade, aportam naqueles países em número reduzido e com gastos infinitamente menores para as grandes corporações, pois o salário pago naqueles países é irrisório, se comparado ao salário pago nos países ricos.
É a dança do dinheiro no mundo capitalista e globalizado.
Qual será o impacto nas sociedades desenvolvidas daquelas oportunidades de emprego desaparecidas?
Como serão elas absorvidas na contextura social de tais comunidades?
Quais os reflexos que advirão para o Brasil no meio de tal conjuntura, desde que o nosso país não está capacitado, ainda, para receber os influxos de tal onda ?
São indagações feitas pelos estudiosos, que não possuem nas mãos os dados e os elementos que lhes fornecerão as pistas para o que vai acontecer.
As mudanças ocorrerão fatalmente, mas não se sabe em que intensidade e em qual setores de nossa ainda frágil sociedade serão mais sensíveis.
Os arautos do pessimismo já alardeiam mudanças catastróficas, comoções sociais, guerras, disputas. Pitonisas modernas, assim como quem não quer nada, mas querendo, espalham idéias de superpopulação e outras mais, que os incautos e os imprevidentes poderão arrepanhar para fins destruidores.
O homem é o lobo dele mesmo, segundo a afirmação de Hobbes. Ele inveja, ambiciona, maquina, preda, destrói, mata, desfigura.
É preciso muito cuidar para saber direcionar esta força colossal que se avizinha e se anuncia por aí.
É bom velar pelas coisas que resultaram de anos e anos de sofrimento e de conquistas suadas e doridas, para que não se percam no roldão da enxurrada.
O quadro mais instigante que se desdobra à nossa frente é a triste dança dos números que envolvem as grandes montadoras: Ford, com o plano way foward fechará 14 fábricas e descartará 30 mil empregos até 2012.; Volkswagen reduzirá os atuais 12 mil empregos para cerca de 9 mil.; a GM também tem plano de reduzir empregos no mundo inteiro.
Fábricas saem de países mais ricos e migram para países emergentes, onde a mão-de-obra é mais competitiva, onde os lucros podem ser maiores.
O capital não tem pátria e adora o lucro. São os ditames do mercado que contam, pouco importa o caos que provocará um alude de demissões.
Não há entranhas nas corporações, o sentimento que as impulsiona é de outra estirpe, o que vale é o lucro, o retorno do investimento a curtíssimo prazo.
Assim, num ritmo impressionante, a coreografia do dinheiro oscila para lá e para cá, dita normas, corrompe, traz e leva as riquezas com uma velocidade que a gente nem pode acompanhar.
E a humanidade caminha tonta no meio de tantas procelas sociais provocadas por tsunamis nas bolsas e nos bolsos de tantos lugares e de tantas pessoas.
Deus que nos guarde.
Dentro do tema, tenho procurado mostrar como anda o mundo moderno, atrelado ao esquema da globalização e da supremacia do mercado sobre governos e nações e, dentro deste cenário, o mundo do trabalho.
Há uma sempre renovada discussão em torno da necessidade, em nosso país, de promover uma reforma trabalhista.
A reforma trabalhista, na cabeça dos defensores da tese de tornar o Brasil um país desamarrado das peias que elevaram o nosso direito do trabalho ao patamar constitucional, passa inexoravelmente, pela “descontitucionalização” da norma trabalhista e, no cerne de tal idéia, fazer com que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Ora, no momento em que há uma acentuada debilidade dos organismos associativos no mundo inteiro, a começar pelas fortíssimas Unions nos Estados Unidos, que não possuem mais a força para deter a desagregação das grandes montadoras, das gigantescas corporações, é possível imaginar quão desastrosa para os assalariados seria a implantação de tal idéia em nosso país, desmontando todas as conquistas dos trabalhadores.
O maior mal que tudo isto pode provocar, na verdade, é a possibilidade sempre existente de querer transformar o nosso país num grande país “asiático”, ou seja, um grande laboratório em que são montadas indústrias para produzir para o mundo, a preços competitivos. Até aí tudo bem, mas o preço a ser pago pode ser a proletarização cada vez mais acentuada da nossa população obreira, reduzindo drasticamente os salários
Só se fala, ultimamente, nos países emergentes: Brasil, China, Rússia, Índia e México. São opiniões de experts, que nas entrevistas e em artigos, traçam opiniões que me parecem orquestradas, a respeito da posição que o nosso país ocupa nesse "ranking" de nações que disputam a preferência dos investidores internacionais.
A nossa posição, segundo tais analistas, é sempre uma das piores, ficando abaixo da China, Rússia e Índia, pois há vários indicadores nos quais o nosso país experimenta atrasos, travamentos, índices inferiores aos dos outros, por isso que nos ombreamos ao México como "lanternas" nesta corrida pelo desenvolvimento pleno.
Eu venho abordando superficialmente esta temática preocupante com o título seqüencial de "Preocupações atuais", ao lume dos meus conhecimentos de magistrado com certa vivência no campo do direito do trabalho, tentando mostrar o cenário que se entremostra para as dobras deste milênio, vindo a galope do fenômeno da globalização e do reinado do mercado, que dita as regras do jogo da economia e, por via de conseqüência, da nova ordem política mundial.
Sim, porque o poder de corromper do dinheiro é inegável, capaz de tudo para a satisfação dos interesses mais escusos.
Mas, assim como não pode o homem desafiar a natureza, porquanto são desastrosos os resultados, o capital não pode se embrenhar impunemente nos meandros milenares da cultura chinesa, sem que de tal aventura não exsurjam maremotos e tempestades sociais de tal envergadura, que ao vidente mais confiável não é dado adivinhar as conseqüências.
Os jornais começam a registrar, ainda que timidamente, as primeiras "descobertas" que os operários chineses estão fazendo, a partir de um inevitável estudo comparativo com os operários das outras partes do mundo. Quem nada tinha, quem nada ou quase nada reivindicava, agora inicia um processo lento de despertar.
As "descobertas" feitas nesse longo e lento amanhecer de consciências traz um novo tipo de preocupações: até quando o ocidente tirará vantagens no processo de industrialização no imenso país do oriente? Até quando será mais vantajoso e lucrativo produzir lá?
Industrializada a China de modo pleno, o seu enriquecimento potencializará o seu já grandioso mercado interno e isto acarretará mudanças nas suas relações comerciais com o resto mundo?
São indagações para as quais ainda não temos uma resposta concreta.
Somente o tempo dirá quais os rumos que o gigante amarelo seguirá e, naturalmente, os efeitos colaterais da nova postura que o imenso país do oriente provocará. Certamente, se o crescimento chinês continuar na marcha frenética dos dias atuais, a economia chinesa movimentará fabulosas somas e será uma das mais fortes do mundo.
O despertar a que aludi linhas acima, forçosamente, trará imensas modificações nas relações de trabalho daquele país, levando os operários chineses a um “status” mais aproximado dos seus companheiros do ocidente, porquanto a conscientização dos direitos será uma conseqüência natural deste processo.
Aqui em nosso país, ofuscadas pelos escândalos que marcaram os primeiros quatro anos do governo atual, as discussões sobre as relações de trabalho ocuparam um plano secundário.
E a questão da reforma trabalhista é causa de enorme preocupação para os que se debruçam sobre tão palpitante matéria.
Não é de hoje que as conquistas dos obreiros, que foram elevadas ao padrão constitucional, principalmente, o artigo 7º e seus incisos, vêm sendo torpedeadas, em nome de uma maior competitividade no mercado internacional, mas que, na realidade, esconde um propósito de transformar o nosso país num grande laboratório de produção a preços realmente atraentes, mas ao custo de reduzir os salários dos nossos trabalhadores, a ponto de deixa-los em situação de paridade com aqueles praticados na China ou em outro país asiático, para gáudio dos investidores e capitalistas mais afortunados, pouco importando que o povo passe fome ou se mate de trabalhar a troco de ninharias.
É fonte permanente de grande preocupação para os estudiosos esta propalada reforma trabalhista, que, segundo notícias veiculadas num determinado órgão da imprensa, traz no seu bojo uma nova proposta de extinção da Justiça do Trabalho, agora, mascarada numa fusão ou incorporação a outro segmento da justiça.
Segundo a notícia, por volta de 2010, o projeto que vem sendo guardado a sete chaves, trará o completo desmonte da Justiça do Trabalho, que possui uma estrutura muito cara para continuar a ser bancada pelo governo.
Não se trata aqui de simples resistência de um magistrado do trabalho de longa carreira, com tempo suficiente para gozar de justa e merecida aposentadoria, que por um capricho corporativo defende a permanência da Justiça do Trabalho. É uma madura reflexão de quem passou grande parte da existência lendo e escrevendo sobre temas de direito do trabalho, testemunhando os ciclos com que a elite procura derruir uma instituição devotada a resolver questões nascidas do entrechoque entre capital e trabalho, num país em que as disputas trabalhistas são contadas aos milhões e vão crescendo numa proporção alucinante, principalmente as que têm origem em órgãos do governo ou afins que, na realidade, são os maiores fornecedores de encrenca para a Justiça do Trabalho solucionar.
São temas que causam grande polêmica, pois existe o temor de que tais reformas venham, exatamente, prejudicar os assalariados, que já foram e continuam sendo as vítimas maiores das políticas mais desencontradas.
É necessário que tais debates voltem às discussões para que se possa aquilatar o rumo que as coisas vão tomar e, ao mesmo tempo, combater com argumentos válidos as tentativas de destruir as sólidas construções que as gerações passadas nos legaram.
Para justificar suas idéias, os defensores obstinados desta campanha que nós poderemos chamar de “delenda” Justiça do Trabalho, apresentam quadros comparativos dos benefícios e vantagens que possuem os trabalhadores brasileiros em relação aos trabalhadores de outros países: as férias de 30 dias, o 13º salário, os benefícios médicos(planos de saúde), na tentativa de demonstrar que aqui o peso do que é pago aos trabalhadores é maior, os encargos são mais significativos, nada obstante, esquecem um pequenino detalhe: não colocam no prato da balança o valor do salário em si mesmo, a partir do salário mínimo que é muito maior lá do que aqui.
Pois bem, todo este quadro representa um cadinho, um efervescente cenário no qual o juslaboralistas trabalham para captar as transformações que surgem ou se avizinham para o direito do trabalho e o direito processual do trabalho.
No quadro nervoso da competitividade, as empresas buscam otimizar a produção, terceirizando diversas das suas atividades, surgindo desafios para a legislação trabalhista, no sentido de acompanhar a debilitação dos contratos de trabalho, através de desvios, triangulações que vão tornando volátil a figura e o conceito de empregador, pois as relações se operam através de cooperativas de serviços , consórcios de empregadores, facções e mil outras denominações que vão modificando os institutos que o direito do trabalho histórico norteou.
A sociedade muda os rumos do seu pensamento, os costumes são substituídos, as definições deixam de ser definitivas e passam por metamorfoses que seriam inimagináveis há pouco tempo atrás.
Se, por um lado, as empresas querem ultrapassar os limites, avançar no sentido da otimização da produção, os empregados lutam para garantir um mínimo daquilo tudo que conquistaram a custo de tantas lutas.
No meio de tudo, atenta às perplexidades que sacodem o mundo do trabalho, a Justiça do Trabalho sofre pressões de todos os lados: dos empregadores, que desejam uma justiça ágil, fácil, descomplicada.; dos trabalhadores, que também querem agilidade, rapidez, descomplicação. Todavia, tanto a área do capital quanto a área do trabalho, não economizam críticas à instituição: para os empregadores, é protecionista em demasia, só enxerga os interesses e os direitos dos empregados.; para os trabalhadores, é demasiado retrógrada, só serve aos interesses dos patrões.
É difícil encontrar o ponto de equilíbrio, o joão-galamarte dos interesses não permite que as duas forças desiguais se mostrem harmônicas e compensáveis.
Como o presente trabalho não se destina a apontar caminhos, apenas, tem o compromisso de exibir detalhes do quadro atual do mundo do trabalho, deixo para os pesquisadores mais atentos a missão de retirar alguma coisa de proveitoso para evitar que o direito do trabalho se deteriore, sofra mutilações, passe a ser o padrasto dos assalariados.
No entanto, caso as nossas preocupações redundem em fracasso, se os homens de boa vontade não souberem vencer a disputa verdadeiramente estulta que se descortina, também não é problema incontornável: as teses hegelianas hão de se concretizar no campo das relações de emprego. O que resultará, depois dos entrechoques, será uma solução a mais no mundo sempre em formação do direito que, embora finita, dará ensejo a novas perplexidades que hão de provocar, num tempo futuro, novas metamorfoses e novos entrechoques, enquanto o homem estiver habitando este planeta.