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Artigos-->Os dez Mandamentos (Romance) -- 19/11/2005 - 22:31 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Os dez mandamentos



Não adore outros deuses; adore somente a mim

Athos Ronaldo Miralha da Cunha



Não pronunciarás o nome do senhor, teu deus, em vão





Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo





Honra teu pai e tua mãe





Não matarás





Não cometerás adultério





Não roubarás





Não levantarás falso testemunho contra teu próximo





Não desejar a mulher do próximo





Não cobiçar as coisas alheias







Não adore outros deuses; adore somente a mim



I



Com as mãos postas rezava com fé.

Solitária diante do altar, Bianca rememorava seu passado numa profunda meditação. Vestia-se de preto e estava sentada na primeira fila dos bancos da catedral. Uma mulher elegante e bonita, com traços juvenis em um rosto marcado por uma década de sofrimento e desajustes pessoais. Nesses momentos de silêncio e introspecção seus devotos olhos passeavam pelas obras de Aldo Locatelli.

Uma maravilha no coração do Rio Grande bem guardada nessa igreja. – pensou ao completar sua primeira Ave Maria.

A meia-tarde quente de uma quarta-feira ensolarada da semana que antecedia o Natal, a avenida Rio Branco fervilhava nas bancas dos camelôs. Naquele instante o movimento de carros e ônibus era intenso. Um aglomerado de transeuntes apressados que buscavam, nas lojas, seus presentes para celebrar a chegada do Bom Velhinho. No entanto, a igreja estava vazia, reformada e imponente diante dos santa-marienses, mas vazia, apenas uma beata de cabelos brancos acendia algumas velas. Resmungava sons inaudíveis enquanto preparava o altar para a missa do final do dia.

Há exatos dez anos que Bianca vinha rezar na catedral Diocesana todas as quartas-feiras que antecediam ao natal. Vinha especialmente para orar no mais absoluto anonimato. Era assim que Bianca vivia, no mais absoluto anonimato. Em suas orações rogava ao Espírito Santo e a Santa Mãe. Apenas sussurros e soluços varavam o amplo espaço da catedral. Uma lágrima incandescente e salgada percorre o seu rosto e se aloja no dorso de sua mão. A bela Bianca era uma pessoa triste, um lamento diante do altar. Chorava e pedia, no vazio de seu coração, clemência e perdão. Nas suas horas mais difíceis sempre recorreu e rezou para Mãe Medianeira. A devoção começou pelos braços de sua mãe que a levou na procissão da Medianeira em um mormacento segundo domingo de um novembro perdido na sua tenra infância. Bianca jamais esqueceu aquela procissão. Uma multidão que preenchia todos os vãos da descida da rua Floriano Peixoto. Naquela romaria esteve presente o cardeal Albino Luciani que posteriormente viria a ser o papa João Paulo I. Desde pequena gostava de pronunciar o nome do papa em latim.

- Joannes Paulus! Como é bonito o nome desse papa. – comentava, seguidamente a jovem Bianca.

Achava charmoso e dizia para sua mãe que, quando fosse adulta, o seu primeiro filho se chamaria Paulus. Em homenagem ao Santo Padre.

Com a morte do Sumo Pontífice após 33 dias de papado, Bianca tornou-se devota da Medianeira e seguidamente orava para o Papa que esteve na romaria. Fervorosamente devota, passou a ser nos últimos dez anos, pois as circunstâncias em sua vida foram adversas num passado que mutila e condena. Rezava porque tinha um sentimento de culpa que carregava por anos a fio e corroia sua alma. Um peso incalculável que lhe tirava o sono. Uma carga imperdoável que transformou sua vida. Desde então ela nunca mais conseguiu um minuto sequer de sossego. Nunca mais conseguiu ter momentos de felicidade e descontração. Nesse instante, Bianca tira uma fotografia da bolsa. Uma criança sorria naquela foto, uma lembrança do primeiro aninho de Manuela.

- Meu Deus, como eu me arrependo. – baixou cabeça sobre o apoio do banco e assim, chorou copiosamente.

Em seu estado de sofrimento, Bianca não percebeu um vulto estranho se aproximando. A bela Bianca jamais imaginaria quem ela estava prestes a encontrar.



II



A poucos metros, algumas fileiras atrás, um homem alto se aproximava do altar. Caminhava pela lateral da igreja, vagarosamente e atento à mulher em oração. Vinha sorrateiro acobertado pela penumbra do lado esquerdo da entrada, escondendo-se por detrás das pilastras laterais. Tinha os olhos inquietos e fixos em Bianca. Alto, magro, cometia uma heresia em um templo sagrado para os cristãos. Seria mais um devoto ao acaso se não estivesse de chapéu e óculos escuros no interior de uma igreja. Uma figura sombria, inquietante e esdrúxula para um lugar de orações e meditação.

Em instantes uma lâmina refletia uma nesga de luz no interior da catedral. O homem magro e alto portava uma faca com adornos em ossos envelhecidos e florais em prata no cabo. Uma legítima solingen. Uma faca alemã bem afiada. Apta para o corte. Ainda, no cabo, havia uma placa em ouro com uma gravação que não deixava dúvidas de quem seria o dono: Dr. Castro.

Ao aproximar-se de Bianca seu coração disparou, tremia e suava frio, mas deslocava-se em silêncio para cumprir, com determinação, as ordens recebidas.

Chamava-se Jack Sete Palmos. A alcunha Sete Palmos era por conta de sua fama de assassino. Jack estava consciente de sua missão. Assassinar a mulher bonita e loira que rezava na igreja naquela tarde de dezembro. A qualquer custo. Em poucos segundos tudo estaria terminado. Poucos segundos.

- Filho! Não cometa essa heresia. Tire o chapéu ao entrar na casa do Senhor. – falou o pároco, pausadamente, com a entonação adquirida ao longo de quase três décadas de ordenação.

O padre estava alguns passos atrás de Jack e não tinha visto a faca na mão do assassino.

Bianca em uma reação abrupta virou-se e percebeu a lâmina afiada na mão de Sete Palmos antes de ele guardá-la sob o seu blazer. Bianca reconheceu a faca. Os adornos no cabo e o formato da lâmina eram singulares. Uma faca como aquela era única.

Com os olhos transmitindo horror e espanto e num átimo de lucidez solta um grito de desespero.

- O que o senhor faz com essa faca?

Jack abre os braços em sinal de negação.

- Que faca? - perguntou o padre.

A resposta não veio porque Bianca horrorizada corre para fora da igreja. Estava estupefata e tinha as mãos trêmulas de medo. Um desconhecido tentou matá-la com a faca do Dr. Castro.

Enquanto caminhava rapidamente em direção ao centro da cidade Bianca não achava respostas para duas perguntas.

- Quem era aquele homem? O que fazia com a faca do Dr. Castro?

Bianca jamais tinha visto Jack até aquele tarde na igreja, mas sua fisionomia tornou-se inesquecível. O olhar parado, fulminante e penetrante como raios numa noite de tempestade. Uma fisionomia de dissimulado ao abrir os braços. Um sorriso sarcástico. A cicatriz logo abaixo da vista direita não saia de sua memória. Era a imagem do inferno vívida em sua mente. A imagem da morte. Assim, Bianca assimilou Sete palmos, o homem que tentou assassiná-la.

Entrou em um Café na Galeria Chami, sentou-se na única mesa disponível naquele momento. Profundamente transtornada solicitou um café com conhaque e chantilly.

- Eu poderia estar morta no banco daquela igreja. – suspirou e tentou manter-se calma.



III



Comodamente sentado à sombra de uma pérgula no terraço de sua cobertura, um homem saboreava uma dose de uísque. Um Johnnie Walker 18 anos. Tinha o paladar apurado e apreciava as bebidas finas e de origem. Era adepto da boa mesa e das comodidades que o mundo moderno oferecia. Naquele momento, contemplava o horizonte da cidade onde o sol, em seguida, estaria pintando de vermelho o entardecer. Uma leve brisa vinda do sul acariciava seu rosto inquieto.

Havia alugado aquele espaçoso apartamento há alguns meses. Disse aos vizinhos e ao corretor da imobiliária que tinha uma importante missão a cumprir nessa cidade. Tão logo terminasse voltaria para sua terra natal. Não falou qual era sua cidade natal e os vizinhos, constrangidos, nunca perguntaram. Embora sendo uma pessoa afável também era envolta em mistérios.

Uma pessoa que primava pela aparência. Vestia-se com elegância e esmero. Estar bem vestido era sua marca pessoal. Gostava das coisas boas da vida, tinha uma áurea simpática e um semblante sereno. Portava sempre um punhado de balas e pirulitos para distribuir as crianças do prédio quando cruzava com alguma delas pelos corredores ou no hall do edifício. Era um cidadão muito simpático. Um advogado bem-sucedido. Seu nome: Arnaldo Albuquerque Alencastro.

Para os desafetos, que eram muitos: Mister A.

Nos tribunais e para os poucos amigos: Dr. Castro.

Naqueles instantes aguardava notícias de seu enviado. Tinha certeza, hoje seria o final de sua história. Começaria uma nova vida.

- Finalmente! – fez um tim-tim com uma pessoa imaginária.

Uma breve rajada de vento movimentou sua volumosa melena grisalha. Colocou mais gelos no copo e despejou o restante do uísque que havia na garrafa.

Dr. Castro sorria. E sorvia com altivez o copo de uísque.

- Amanhã embarco de volta para minha terra com a missão cumprida. – e bailou solitário no terraço de seu edifício fazendo voltas ao redor da piscina.

Em minutos, as notícias seriam péssimas.



IV



Dr. Castro estava colérico. Não gostava de falhas e por isso suas ações primavam pelo mais detalhado planejamento. Assim era com suas empresas e com sua vida pessoal. Dr. Castro era um perfeccionista.

- Jack, você falhou. Você é um inútil

- Doutor! O idiota do padre apareceu na hora. Como eu iria adivinhar...

- Que padre? Jack! Por que não detonou com o padre?

Jack estava escorado na porta de entrada do apartamento do doutor. Estava apreensivo, pois sua falha tinha sido imperdoável. Teria que agüentar, em silêncio, a ira do Dr. Castro.

- Após tantos anos de busca do paradeiro dessa infeliz, e o senhor Jack ficou com pena do padre. – falou bravamente o doutor e batia freneticamente com o cabo de sua faca na mesa.

A mesma faca que seria usada para assassinar Bianca. Aquela relíquia da família a deixaria horrorizada nos segundos que antecederiam sua morte. A solingen identificaria o autor, ou o mandante de seu assassinato.

- E agora Jack? Essa louca vai fugir novamente. Como vamos achá-la? Quanto tempo perdido... – Dr. Castro falou mostrando sua total decepção.

Num acesso de raiva o doutor arremessa a faca em direção a Sete Palmos. Ela crava na porta a dez centímetros da cabeça de Jack. Tremula por alguns segundos diante dos olhos arregalados e extremamente brancos de pavor do assassino.

- O senhor quer me matar?

- Se eu quisesse teria feito... seu inútil.

Dr. Castro foi até o bar, abriu outra garrafa de Johnnie Walker encheu meio copo sem gelo e tomou de um gole só.

Sentou-se novamente para contemplar o horizonte. Nesse instante as primeiras luzes da cidade começavam a iluminar a noite dos santa-marienses. Anoitecia calmamente na Boca do Monte. O sol estava sumindo por detrás da Nova Santa Marta.

Sete Palmos retirou-se do recinto e foi para o seu quarto. Ligou a televisão e assistiu, até altas horas, um canal com filmes de terror, seus preferidos.

Pensativo, Dr. Castro sorveu noite adentro aquela garrafa de uísque. Completamente alcoolizado dormitou por alguns instantes. Antes de desmaiar no mais profundo sono, na sua varanda, ainda balbuciou algumas frases.

- Bianca, sua vadia! Sete Palmos, seu corno!

Adormeceu.







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