Apesar da vivência nos grandes centros, Cabral nunca se adaptou à cidade grande e à agitação do mundo urbano, sentindo-se para sempre um homem do interior. Na infância feliz, seu tempo era dividido entre as brincadeiras na casa grande com Virgínio, seu irmão mais velho a quem era muito unido, e os passeios a cavalo pelo canavial. João Cabral era uma criança sensível e, desde pequeno, demostrava preocupação com o ser humano, numa atitude muito singular para sua pouca idade.
Por volta dos oito anos de idade, ele morava com a família em Recife e ía para o engenho no tempo das férias. Seu irmão Virgínio lembrou que, aos domingos, o administrador do engenho ia à feira fazer as compras de mantimentos para a casa. Nestas ocasiões João Cabral dava-lhe dinheiro e encomendava a compra de folhetos de cordel. À tarde ele ia para a moita do engenho e, com os empregados todos ao redor de si, lia três, quatro folhetins para o pessoal do engenho.
O contato com os trabalhadores da usina seria uma experiência fundamental para o poeta pois, mais tarde, na vida adulta, viajando pelo mundo como diplomata, Cabral teria o necessário distanciamento para ver melhor, com preocupação e pungência, a verdadeira realidade do nordeste e retratá-la em sua obra.
De forma bem humorada o escritor Décio Pignatari definiu assim o poeta João Cabral:
`Ele tem um lado popular que se chama João Cabral e tem um lado aristocrático que se chama Melo Neto. Então, ele é, um pouco, todo este universo conflituado e passou quarenta anos tentando resolver este conflito.`
Em 1930, ano da revolução, terminava a Primeira República. Começava a Era Vargas e, por complicações políticas com o presidente Getúlio Vargas, seu pai, Luís Antônio Cabral de Melo, foi obrigado a abandonar o engenho. No Recife, um novo mundo menos acolhedor e tranqüilo se apresentava ao poeta e, apesar das brincadeiras nos trilhos de trem e dos alegres acompanhamentos no corso em época de carnaval, a vida já não era tão feliz.
Matriculado no colégio Marista onde cursou até o secundário, Cabral sofria profundamente com a severidade do estabelecimento. Criança tímida embora avessa a tudo aquilo, não conseguia se rebelar, desenvolvendo uma personalidade introspectiva, séria e profundamente angustiada. Apesar de toda racionalidade com que sempre enxergou a vida manteve, para sempre, um terrível medo do inferno com suas labaredas, caldeirões e todo aquele mundo tenebroso de culpa e pecado com que os padres costumavam ameaçá-lo.
No Recife, a visão dos retirantes fugitivos da seca, dos miseráveis habitantes dos manguezais, o contraste entre os casarões e os mocambos construídos dentro da lama, também afetariam o poeta. Uma realidade que mais tarde se transformaria num outro elemento importante de sua poesia participante.
Descendente de tradicionais famílias de Pernambuco e da Paraíba, João Cabral de Melo Neto foi o segundo dos seis filhos de Luiz Antonio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo. Nasceu no Recife, capital do Estado de Pernambuco, no dia 9 de janeiro de 1920, mas como seu pai era senhor de engenho, passou parte da infância e adolescência em engenhos de açúcar. Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município de Moreno. A vida no campo marcou profundamente o poeta.