"No centro da corrupção à brasileira existe uma indecisão cultural (ou moral, se quiserem) entre duas éticas que operam em qualquer sistema social. A primeira é a ética perticularista da casa, dos amigos e da família, que manda proteger, ignorar, relevar, condescender e perdoar o ofensor (corrente em sociedades tribais e arcaicas); a outra é a ética universalista da rua (ou do mundo público), que demanda, ao contrário, tratar com isenção ou igualdade, aquilatar a gravidade da ofensa, trazer a público o ofensor e punir adequadamente quem quer que tenha cometido o delito. Nosso problema, como a dinâmica da vida pública não cansa de mostrar, é que até hoje temos consciência dessa duplicidade, mas ignoramos solenemente as suas implicações. Assim, quando se trata dos outros, somos implacáveis e a eles aplicamos sem hesitar as normas universais do mundo da rua. Maximizamos a dimensão impessoal da ofensa e tratamos a pessoa como um indivíduo: um mero cidadão também sujeito à lei. Mas, quando são os nossos, eles são vítimas da imprensa, meros aloprados, ou crianças. Como sequer julgar o presidente do Congresso Nacional, se ele é nosso colega, amigo e nos favoreceu em inúmeras situações?"
Roberto DaMatta, in "Sem culpa e sem vergonha", revista Veja, 15 de agosto de 2007, pg. 76-77.
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