Dizendo que a legalidade é anticomunista mas não é antipopular, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, candidato do PSD ao Palácio do Planalto em 1965, afirmou em entrevista exclusiva a “O Cruzeiro” que a hora é de grandeza democrática, e que o Brasil precisa de reformas contra os privilégios e contra os extremismos. A palavra do líder que estêve, também, no centro dos últimos acontecimentos é decisiva para o desarmamento dos espíritos, agora que o País volta à paz e ao trabalho.
É com o pensamento voltado para Deus, grato à sua proteção ao Brasil e ao seu povo, que saúdo a nossa gente pela restauração da paz, com legalidade, com disciplina e com a hierarquia restauradas nas Fôrças Armadas.
No auge da crise, quando era próxima a possibilidade de derramamento do generoso sangue brasileiro, o apêlo à paz, com legalidade, disciplina e hierarquia, tinha de ser ouvido. E foi ouvido. A paz está mantida. A legalidade engrandecida. A disciplina e a hierarquia rejuvenescidas.
Mas do que nunca o Brasil precisa de paz: nos espíritos e nos corações. A mente clara, para pensar sem ódios e sem rancores. A convalescença terá de ser curta, sem radicalizações e sem ressentimento. Não manteremos a paz da Democracia representativa com sentimentos de vingança e rancores condenáveis.
A hora é de grandeza democrática. De grandeza da própria Democracia. De volta à rota do progresso pela criação da riqueza e da multiplicação das oportunidades de viver melhor. Sem progresso não haverá liberdade para alcançar a justa distribuição da riqueza. Continuaremos a socializar o escasso.
A paz não exclui, todavia, a vigilância democrática. O perigo comunista não estava, como se viu, no comportamento do povo e dos trabalhadores, ordeiros e democratas. O perigo comunista estava na infiltração em comandos administrativos.
A vigilância democrática não significa, porém, a oficialização em qualquer ponto do território nacional do liberticídio, do desrespeito às liberdades individuais e associativas. E muito menos daquelas liberdades que mais de perto se relacionam com as aspirações populares e com os direitos associativos, com os sindicatos libertados de influências políticas de cúpula.
A legalidade é anticomunista, mas não é antipopular. A legalidade democrática deverá estar aberta, em todos os seus canais de comunicação, ao livre curso dos debates.
A legalidade democrática abre também a possibilidade de recolocar o problema das reformas de base. As reformas realmente democráticas, dentro da ordem social e econômica. Reformas que elevem o padrão de vida do povo, nos campos e nas cidades, significando socialização da riqueza, com a preservação integral do princípio da propriedade privada, que cumpre estender e generalizar, dando prioridade aos que nada possuem.
Não temos dúvida em afirmar que a Democracia só será consolidada e enriquecida com a conquista permanente da devoção popular.
A legalidade democrática nos conduzirá às eleições. Será a continuidade do regime, já restaurado com a posse, pelo Congresso, do meu eminente companheiro de partido, o Presidente Ranieri Mazzilli. O ritual democrático está firme. É preciso, agora, que os fins que êle simboliza sejam realizados pela ação dos brasileiros lúcidos e tolerantes.
O Brasil das reformas é o Brasil democrático, contra privilégios e contra extremismos. É o Brasil sem frustrações. Esperançoso, rico e mais justo ."
Extraído da revista "O Cruzeiro" - 10 de abril de 1964 - Edição extra
Obs.: Infelizmente, não foram realizadas as eleições de 1965, quando Juscelino ou Lacerda poderiam ter modificado a História do Brasil. Mas, estariam livres da Peste Vermelha? Creio que não, porque os movimentos guerrilheiros e terroristas na América Latina começaram no início de 1960, ainda durante o governo de Jango, com infiltração cubana, e perduraram até o fim da década de 1970 (F. Maier).